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#bugreiro
caipiras · 1 year
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Bugrerismo: Genocídio indígena i motivação da atividade bugrêra
No Brasí do século XIX (dezanove), im Santa Catarina, cumeçô o processo de colonização oropéia, adonde muntos oropeu migrô p'ras zona rurá dêsse istado, campeano miores condição de vida i trabaio. A população indígena, tamem denuminada "bugre", era maior, teno etnias ispaiada pur toda a região, no intanto essa realidade cabô se tornano um pobrema p'ros colono, apois os índio era pessoa agressiva, invadia propriedade privada i agredia as pessoa inté a morte, tamem era mui freqüênte o rôbo de utensios doméstico, cumida i rôpa, êsse cumportamento era o que tornava os colono arreminado, que arrespondia os índio cum caça i morte.
Im 1836, a atividade dos colono se tornô oficiá, condo muntos home branco, cabôcro i arguns bugre aliado passaria a sê cunhecido como "bugrêro", termo originado de "bugre", o mêmo que "índio" i "indígena",² que nargu'as região do Brasí pode sê visto como um pejorativo.³ Nargu'as image associada aos bugrêro, pussive notá a presença de homes cum característica africana, isto indica que os negro tamem era aceito na caçada aos bugre.
Os bugrêro era u'a récula de homes rurá que conduzia trópas de 8 a 15 pessoa, no fim do dia, cum seus apêro, esses home atorava im direção às froresta, as dada contra os bugre era feita de forma silenciosa de noite, matano homes adurto i poupano argu’as muié. As criança, im ispeciá as minina, tamem era poupada, seno separada de sua famia i levadas a ôtra localidades, como Florianópolis i Blumenau, adonde lá seria bautizadas im eigrejas cristã i agregadas pur novas famia.³ Travéis dos bugrêro, ao invêis de, como nos tempo de dante, oferecê "ispeinho" aos índio, o único jêito de passificá era matano êles cum facão ô arma de fogo, ô condo num cuntecia derramamento de sangue, os índio era ispurso.
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Na época, foi criado um arraiá cunhecido como “São Paulo de Blumenau”, que era basicamente u’a ispécie de colônia alemôa im Santa Catarina, c'o objitivo de se torná u’a colônia agrícola. O arraiá de São Paulo de Blumenau foi istabelicido im 2 de setembro de 1850 pelo químico alamão Hermann Bruno Otto Blumenau, inaugurano cum 17 colonos. Nos primêro anos, os habitante da colônia cumeçô a sofrê ataques dos índio que habitava a região, o primêro dêsses ataque ocorreu im 28 de dezembro de 1852,⁴ causano pânico naquêle arraiá-miúda, forçano o dotôr Hermann Blumenau a se comunicá c'o guverno da provinça, solicitano a presença permanente dos bugrêro na região, não obteno sucesso. C’a farta de apoio do guverno de Santa Catarina, o dotôr alamão pionêro penso mió i organizô sua própia trópa de bugrêro, composta pur habitantes de sua colônia, i ansim os alamão cumeçô a caçá os índio.
A inzistênça dum grupo de isterminador de índio nu’a colônia alamã catarinense se ispaiô rapidamente p'ra ôtras região da provinça, atraíno a atenção de Martinho Marcelino de Jesus, vurgo “Martin Bugreiro”, um dos mai cuincido bugrêro, nascido im 1876 nu’a região que atuarmente corresponde ao município de Bom Retiro, im Santa Catarina. Martin, de acordo cum argu’as fonte, era bastante popular entre as pessoa de Blumenau,⁵ i, portanto, foi convidado a trabaiá na localidade, aceitano no mêmo instante a certa casião. Seu objitivo era só matá ô ispursá os índio de sexo masculino; êle evitava matá muié i minina i, narguns causo, tamem piá, pur teoricamente num presentá risco. Os índio preso pur Martin foi entregue p'ras autoridade provinciá, adonde taria siguro i eventuarmente poderia se torná parte du’a nova famia.⁶ A ispursão de homes nativo pur Martin Bugreiro num resorveu inzatamente todos os pobrema, apois im 25 de novembro de 1902, foi relatado que os índio ispurso, armados cum pau, ispancô u’a muié alemôa de 36 anos, Giuseppina Schiochet, i inda pur riba, matô istrangulada u’a minina de 11 anos de nome Emilia, cuja era fiia dessa moça.   
O maior mundéu de Martin Bugreiro cunteceu im dezembro de 1906, adonde déiz índio foi preso, incruíno duas muié, cinco minina i trêis piá.⁷ Imbora êle aparentemente se amostrasse um bão moço c’as criança, Martin nem sempre era ansim. Na região de Brusque, êle cunsiguiu localizá os índio, cercano êles de noite i pela menhã, todos foi morto, incruino as criança pequena. No causo das criança, Martin tinha o curtume de pinchá os piá p'ra riba, p'ra condo caísse, tivesse o crânio perfurado pur u'a ispada, resurtano nu'a morte definitiva.⁸ ⁹ De 1923 a 1928, a sirviço do inspetor Carlos Miguel Koerich, êle trabaiô na região do município de São Bonifácio, adonde hôve o causo do massacre dos índio xokléng.¹⁰ Martin cuntinuô atuâno como caçador de índio provavemente inté o finá de sua vida.
Ôtras região
A atividade dos bugrêro num se limitô a Santa Catarina. Inda no século XIX, êsse tipo de atividade teria se ispaiado p'ra ôtros lugá do Brasí, como Paraná, São Paulo i Rio Grande do Sur. Im São Paulo, a guerra entre brancos i índio sempre inzistiu i se istendeu a ôtros lugá da Paulistânia — região de curtura do povo caipira — teno cumeçado ispedição realizadas entre os século XVI (dezasseis) i XIX pelos banderante, mai o foco das "bandêra" num era iscrusivamente o istermínio de índios, levano im cunsideração que havia inté aliança entre os índio i os banderante, alêm da cuéra presença curturá dos índio na suciedade paulista i na vida dos banderante, como o causo da língua paulista (nehengatú paulista), que se originô do tupi, i tamem o causo do banderante Manuel de Borba Gato, que adespois de matá um inviado do Reino de Purtugá,¹¹ se atorô nos mato da Capitania de São Vicente (parte atuá de Minas Gerais) i foi aculido pelos índio, o que dificirmente cunteceria c'um bugrêro.
P'ros oropeu (maioria intaliano i alamão), paulista i brasíano (maioria de Minas Gerais) que colonizô o interior de São Paulo, os índio era visto como u'a "barrêra" ao porguesso capitalista na região, tornano necessária a solicitação de trópas bugrêra, c'a intenção de isterminá os índio ô de ispursá êles p'ra ôtras região do istado.¹² 
No cumeço do século XX, o povo kaingang percurô se aliá cum esses colonizador, c’a intenção de derrotá grupos étnico cunsiderados “deferente”, mai sem sucesso. Imbora num tenha cunsiguido suporte dos colonizador, a atitude foi útil p'ras agência de proteção aos índio, que acoieu êles.¹³ Os índio kaingang sempre compusero grandes população im São Paulo, cum muié i homes trabaiano — os home kaingang trabaiava c’a pésca, caça, coiêta de fruita i im ôtras atividade p'ra mantê a ardêia (arraiá de índio) sempre ativa¹⁴ — i imbora já tivesse um sirviço p'ra briquitá c’os índio de forma amigave, isto mudô precisamente c'o processo de povoação, que se tornô cada vêiz mai necessário p'ro disinvorvimento inconômico de São Paulo. Os kaingang era um povo festêro, realizava festas tradicioná, u’a cuja bastante popular, era cuincida como “Veingreinyã”, adonde tinha casamento, namoro, filiação de fiios — tradicionarmente feita pelo pae, arrespeitano a patrilinearidade — i foi tamem adonde os índio teve tempo livre p'ra se divertí i se imbriagá i, nêsse cuntesto, c’os índio vunerave, os bugrêro se porveitava i matava a todos. Como cunseqüência das dada bugrêra feita durante o Veingreinyã, essa tradição cabô intrano im istinção im São Paulo.¹⁵
Características i índios bugrêro
Os bugrêro era composto pur homes branco, arguns homes negro, cabôcro i, ironicamente tamem haveno o registro de índios bugrêro, como é o causo do cacique kaingang Vitorino Condá, que trabaiô p'ros colono im nome do istermínio de seu próprio povo, como recompensa pelo trabaio, recebia dinhêro i distinção militar, ficano êle responsáve pelos índio que era apreindido. No finá de sua vida, o cacique bugrêro deixô as atividade focada na caça indígena i se tirô entre os kaingang. Arguns índio bugrêro, ao preferí deixá o bugrerismo p'ra trás i retorná às raiz, cabô seno mortos como u’a forma de vingança, como é o causo de Tondó, que foi ingambelado pur u’a farsa proposta de páiz entre êle i os índio, mai ao chegá na ardêia, foi assassinado.¹⁶
A situação na atualidade
O bugrerismo gerarmente tá relacionado a u’a atividade comum no passado da parte brasíana do Cone Sur, o têrmo num é proibido, mai raramente é usado im ôtros cuntesto, tarvêiz pruque “bugrêro” seje um têrmo construído sôbre u’a palavra que, nargu’as região, se tornô pejorativa, pussivemente. 
No século XX (vinte), um evento ocorrido im 1963 no istado de Mato Grosso puderia sê cunsiderado semeiante ô equivalênte às atividade dos bugrêro. Nêsse causo, a imprêsa de mineração “Arruda & Junqueira” contratô pistolêros p'ra realizá um massacre, matano todos os índio que incontrava. Alêm disto, muntos dos índio cumeu alimento entreverado cum arsênico, que é um veneno.
Como resurtado do massacre, mai de 3.500 (treiz mir i quinhentos) pessoa da etnia cinta-larga foi morta, tornano êsse o maior causo de genocídio de índio da estória do Brasí. O evento ficô cunhecido como o “Massacre do Paralelo 11”, seno o nome u’a referênça ao Paralelo 11 S, u’a linha maginária que circula o praneta Terra, tâno a região do massacre, que é próxima ao rio Aripuanã, im riba da linha terrestre.¹⁷ No finá dos ano 1980, o massacre de dezenas de urueu-wau-wau i arara tamem foi relatado nos istado de Rondônia i Pará, os dois no Norte do Brasí.
No século XXI (vinte-um), teve arguns ataque direcionado aos índio, gerarmente relacionado à reintegração de posse. No intanto, num hai necessariamente um certo ódio “anti-indígena” ô um violento desejo de istermínio pur êles presentá perigo p'ra suciedade, da forma como as ação dos grande bugrêro era justificada. 
Argu’as organização, como a Nação Mestiça (ô Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro), fundada im 2001, im Manaus (Amazonas, Brasí), trabaia democraticamente contra a ispansão dos denuminado “território indígena”, veno êles como u’a versão brasilêra do Apartheid, adonde os mestiço seria duminado pelos índio i a população não-indígena, ispeciarmente cabôcra, passaria pur u’a limpeza étnica, como um genocídio. Im 2012, fizero um protesto contra o Guverno Federá, que pranejava ampriá os território dos índio mura, que de acordo c'o movimento, seria “povos invasor” de propriedade privada, mai p'ros mestiço, os militante num reinvidica as terra indígena, apenas quer cuntinuá viveno im sua própria terra, adonde comprô i investiu pur munto tempo.¹⁸
Ne 11 de abrir de 2015, um avião que transportava pesticidas atacô a comunidade Te’yi Jusu, que reúne os povo guarani-kaiowá derde 2014, localizada im Mato Grosso do Sur. Adespois do ataque, niu’a morte foi relatada, mai divido aos efeito químico, as vítima ficô acamada, relatano dôr de cabeça, dôr de garganta i febre. Duas pessoa i u’a imprêsa foi responsabilizada — um fazendêro, o piloto do avião i a imprêsa C. Vale, u'a cooperativa paranaense agroindustriá — seno condenados a pagá mai de BRL 150.000 à comunidade indígena. Foi a primêra vêiz que cunteceu êsse tipo de ataque direcionado a essa comunidade ispecífica. Im 2016, um ataque químico semeiante ocorreria c’a merma comunidade, porêm agora c’a farta dum avião p'ra ispaiá o veneno, utilizô um trator.¹⁹
Ôtros atentado contra ôtras etnia ocorreu no Brasí amuderno, o que ividencía a cuntinuação du’a guerra entre índios i pessoa não-indígena im território brasilêro. Argum dêsses ataque, como o Massacre do Paralelo 11 im Mato Grosso i os ataque químico de 2015 i 2016 im Mato Grosso do Sur, pela forma como foi realizado, c’o objetivo de isterminá ô ispursá os índio, se assemêia munto ao véio bugrerismo, pudeno sê tarvêiz u’a corrente amuderna dos antigo bugrêro. 
Autoria
Danfosky
Bibriografia
AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira, 1920. p. 53
FIGUEIREDO, Cândido. Novo Diccionário da Língua Portuguesa, 1913. p. 314
SANTOS, Silvio Coelho dos. Índios e brancos no Sul do Brasil, 1973. p. 78
ATHANÁZIO, Enéas. Martinho Bugreiro, criminoso ou herói?, 1984. p. 267
ATHANÁZIO, Enéas. Martinho Bugreiro, criminoso ou herói?, 1984. p. 266 – 267
ATHANÁZIO, Enéas. Martinho Bugreiro, criminoso ou herói?, 1984. p. 267
ATHANÁZIO, Enéas. Martinho Bugreiro, criminoso ou herói?, 1984. p. 268
DALL'ALBA, João Leonir. O Vale do Braço do Norte, 1973. p. 293
PEREIRA, Carol. Marcelino de Jesus Martins - o Martinho Bugreiro
MARTINS, Pedro + WELTER, Tânia. Egon Schaden, um alemão catarinense, 2013. pp. 453 – 454
BUENO, Eduardo. Brasil, uma história, 2018. p. 480
PINHEIRO, Niminon Suzel. Os Nômades: Etnohistória Kaingang e seu contexto, 1992. p. 100
PINHEIRO, Niminon Suzel. Os Nômades: Etnohistória Kaingang e seu contexto, 1992. p. 120
PINHEIRO, Niminon Suzel. Os Nômades: Etnohistória Kaingang e seu contexto, 1992. p. 67
PINHEIRO, Niminon Suzel. Os Nômades: Etnohistória Kaingang e seu contexto, 1992. pp. 73 – 77
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha, Toldo Chimbangue: História e Luta Kaingang em Santa Catarina, 1984. p. 207
NETO, João Dal Poz. No país dos Cinta Larga: uma etnografia do ritual, 1991. p. 91
RYLO, Ive. Amazonas em Tempo: Movimento alega invasão de muras antes de decisão, 2012
GRIGORI, Pedro. Repórter Brasil: Em decisão inédita, indígenas vítimas de ‘chuva de agrotóxico’ recebem R$ 150 mil de indenização, 2020.
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edsonjnovaes · 3 years
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Xokleng
Os índios Xokleng da TI Ibirama em Santa Catarina, são os sobreviventes de um processo brutal de colonização do sul do Brasil iniciado em meados do século passado, que quase os exterminou em sua totalidade. Apesar do extermínio de alguns subgrupos Xokleng no Estado, e do confinamento dos sobreviventes em área determinada, em 1914, o que garantiu a “paz” para os colonos e a conseqüente expansão e…
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laverdadhonduras · 3 years
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Un juicio crucial en Brasil decidirá sobre los derechos a la tierra de un pueblo indígena expulsado por colonos hace más de un siglo
Un juicio crucial en Brasil decidirá sobre los derechos a la tierra de un pueblo indígena expulsado por colonos hace más de un siglo
La historia del pueblo indígena Xokleng está marcada por masacres y desplazamientos internos forzados con la llegada de los colonizadores a principio de siglo XX a la región del Vale do Itajaí, en el estado de Santa Catarina, en el sur de Brasil. “Hasta los primeros años del siglo XX, los Xokleng fueron blanco de caza y masacres perpetradas por los llamados ‘bugreiros’ [individuos que se…
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petfilho · 3 years
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Xokleng: o povo indígena quase dizimado em Santa Catarina que protagoniza caso histórico no STF
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Corte avaliará se território habitado pelo povo pode ser ampliado, decisão que determinará o futuro das demarcações de terras indígenas no país. Em pé, bugreiros posam com mulheres e crianças do povo Xokleng capturadas após ataque a acampamento. Acervo SCS As tropas se deslocavam pelas trilhas à noite, em silêncio. Os homens, entre 8 e 15, evitavam até fumar para não chamar a atenção. Ao localizar um acampamento, atacavam de surpresa. “Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois passava-se o resto no fio do facão”, relatou Ireno Pinheiro sobre as expedições que realizava no interior de Santa Catarina até os anos 1930 para exterminar indígenas a mando de autoridades locais. Entenda o PL 490, projeto que muda a demarcação de terras CCJ da Câmara conclui votação de texto que muda Estatuto do Índio e dificulta demarcação de terras Pinheiro era um “bugreiro”, como eram conhecidos no Sul do Brasil milicianos contratados para dizimar indígenas (ou “bugres”, termo racista que vigorava na região naquela época). O relato está no livro Os Índios Xokleng – Memória Visual, publicado em 1997 pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos. “O corpo é que nem bananeira, corta macio”, prossegue o bugreiro na descrição dos ataques. “Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Se não, algum sobrevivente fazia vingança”, completou. Poucas etnias foram tão combatidas pelos bugreiros quanto os Xokleng, de Santa Catarina. Nesta quarta-feira (30/06), o povo terá seu destino definido num dos julgamentos mais importantes da história recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. O caso mobiliza as atenções de grupos ruralistas e terá repercussão para dezenas de povos indígenas brasileiros. Criança Xokleng em acampamento na floresta, em 1963 Acervo SCS Questão do ‘marco temporal’ A corte vai avaliar se a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ — habitada pelos Xokleng e por outros dois povos, os Kaingang e os Guarani — deve incorporar ou não áreas pleiteadas pelo governo de Santa Catarina e pelos ocupantes de propriedades rurais. Em jogo está a tese do chamado “marco temporal”, princípio defendido por entidades ruralistas e segundo o qual só podem reivindicar terras indígenas as comunidades que as ocupavam na data da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988. O governo passou a encampar formalmente essa tese em 2017, quando Michel Temer era presidente, o que na prática paralisou as demarcações no país. O princípio, no entanto, faz parte do léxico ruralista desde pelo menos 2009, quando o então ministro do STF Ayres Britto propôs sua adoção ao julgar um caso sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os indígenas, por outro lado, são contrários à aplicação do marco temporal, pois dizem que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios originais antes de 1988. É esse o argumento usado pelos Xokleng no julgamento no STF: eles afirmam que décadas de perseguições e matanças forçaram o grupo a sair do território que hoje tentam retomar. Jovens Xokleng durante apresentação na Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ Prefeitura de Ibirama “Não tínhamos fronteiras, andávamos por todo aquele espaço. Mas éramos tutelados, não tínhamos como responder por nós. Mal sabíamos falar português, imagine nos defender”, diz à BBC News Brasil Ana Patté, jovem liderança Xokleng integrante da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e assessora parlamentar da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP). Patté afirma que o território em disputa era usado pelos Xokleng para a caça, pesca e coleta de frutos, especialmente o pinhão. A Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ foi demarcada em 1996 e, em 2003, mais que triplicou de tamanho, passando de 15 mil para 37 mil hectares. A área hoje em disputa integra a parte incorporada em 2003 e está parcialmente ocupada por plantações de fumo — atividade que, segundo Patté, fez o solo e os rios da região se contaminarem com agrotóxicos. Ela diz que, se o STF julgar que o pleito da comunidade procede, a área em disputa será reflorestada, o que trará benefícios não só para os Xokleng mas para todos que dependem dos rios que cruzam aquelas terras. Já o governo de Santa Catarina afirma que essa área era pública e foi vendida a proprietários rurais no fim do século 19. Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003 ISA Políticos ruralistas catarinenses apoiam a posição do governo estadual. Em 2008, os então deputados federais Valdir Colatto e João Matos, ambos do MDB, elaboraram um decreto legislativo anulando a ampliação da terra indígena. Eles afirmaram que, na área englobada pela ampliação, havia 457 pequenas propriedades agrícolas, com média de 15 hectares cada. “Nunca houve, e nem há, critérios seguros para se demarcar áreas indígenas, ficando a sociedade à mercê do entendimento pessoal do antropólogo que se encontra fazendo o trabalho num determinado momento”, argumentaram os deputados ao justificar o decreto. O Estado de Santa Catarina também disputa com os Xokleng 3.800 hectares onde há sobreposição entre a terra indígena e reservas biológicas estaduais. Em 2019, o STF decidiu que o julgamento sobre a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ tem repercussão geral — ou seja, a decisão aplicada ali valerá para outros casos semelhantes. Se a corte se opuser à tese do marco temporal, o governo federal em tese será obrigado a retomar os processos de demarcação que foram travados com base nesse princípio. ‘Potencial de conflagração’ Essa possibilidade tira o sono de associações ruralistas. Em maio de 2020, um advogado da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) disse no STF que a rejeição do princípio do marco temporal traria “um enorme potencial de conflagração do país e retorno a uma situação muito grave que se vivia no Brasil antes de 2009 (ano da decisão do STF sobre o caso Raposa Serra do Sol)”. Já uma decisão favorável ao estabelecimento de um marco temporal tende a dificultar novas demarcações. Posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) dedicado aos Xokleng no fim dos anos 1920 Acervo SCS Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há 245 processos de demarcação de terras ainda não concluídos. Em muitos desses casos, os indígenas reclamam territórios de onde dizem ter sido expulsos antes de 1988. Há ainda muitas demandas por demarcação que nem sequer foram analisadas pelo governo — o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), braço da Igreja Católica que atua em prol dos povos indígenas, conta 537 casos desse tipo. Em 11 de junho, o relator do processo sobre os Xokleng no STF, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do “marco temporal”. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. É possível que novos pedidos de vista posterguem uma decisão. A retomada do caso se torna ainda mais relevante porque avança na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 490, que, entre outros pontos, estabelece 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Se a corte derrubar a tese no julgamento sobre os Xokleng, é provável que os congressistas tenham de mudar o texto do PL sob o risco de terem a proposta invalidada pela corte. Em 2018, num outro julgamento sobre a demarcação de territórios quilombolas, o STF rejeitou o princípio do “marco temporal”. Indígenas protestam em Brasília contra o governo Jair Bolsonaro e propostas legislativas que consideram nocivas, como o PL 490 Reuters Colonização europeia Após perder dois terços de seus membros no século passado, a população Xokleng voltou a crescer. Hoje, a etnia soma cerca de 2,3 mil integrantes. O julgamento no STF em questão não é a primeira ocasião em que um fato relacionado a esse povo redefine as relações do Estado brasileiro com os povos indígenas. Em 1908, o etnógrafo tcheco Albert Vojtech Fric discursou em um congresso em Viena, na Áustria, sobre o impacto da imigração europeia nas populações indígenas do Sul do Brasil. Segundo Fric, a “colonização se processava sobre os cadáveres de centenas de índios, mortos sem compaixão pelos bugreiros, atendendo os interesses de companhias de colonização, de comerciantes de terras e do governo”. Anos antes, Fric havia sido convidado por um grupo de políticos, humanistas e intelectuais de Santa Catarina para servir à Liga Patriótica para a Catequese dos Silvícolas. Enquanto poderosos locais defendiam exterminar os indígenas, esse grupo propunha uma abordagem mais “light”: cristianizá-los e incorporá-los à força de trabalho nacional. Fric havia sido encarregado de liderar a “pacificação” dos Xokleng – termo usado na época para designar a aproximação com indígenas que mantinham relação conflituosa com a sociedade envolvente. Comunidade Xokleng após o contato com os brancos (data desconhecida) Acervo SCS A presença dos Xokleng era vista como um entrave à colonização da região. Eram comuns relatos de furtos ou ataques de indígenas a trabalhadores que avançavam sobre seu território tradicional. Mas Fric acabou deixando o Brasil antes de cumprir a missão. Em Os Índios Xokleng – Memória Visual, o antropólogo Silvio Coelho dos Santos (1938-2008) diz que Fric foi retirado do posto provavelmente por causa de pressões de companhias de colonização alemãs que atuavam em Santa Catarina e não concordavam com sua abordagem. O antropólogo afirma, porém, que o discurso de Fric em Viena teve grande repercussão na imprensa europeia e estimulou o governo brasileiro a agir para mostrar que se preocupava com os povos nativos. Em 1910, durante a presidência de Nilo Peçanha, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), precursor da atual Funai. Inspirado por ideais positivistas, o órgão dizia ter como objetivo “civilizar” os indígenas e incorporá-los à sociedade brasileira — postura enterrada pela Constituição de 1988, que reconheceu aos indígenas o direito de manter seus costumes e modos de vida. Mesmo após a criação do SPI, as expedições de bugreiros contra povos como os Xokleng continuaram a acontecer por décadas. Em seu livro, Silvio Coelho dos Santos entrevista um bugreiro que diz ter participado de uma expedição para matar indígenas no governo Getúlio Vargas (1930-1945), ao menos 20 anos após a criação do órgão. As missões para aniquilar povos nativos aconteciam enquanto, na Europa, Adolf Hitler punha em marcha seu plano de exterminar os judeus. Ou enquanto artistas brasileiros passavam a valorizar a participação indígena na formação nacional, influenciados pela Semana de Arte Moderna de 1922. Mulheres e crianças Xokleng capturadas por bugreiros e entregues a freiras em Blumenau; duas mulheres e duas crianças conseguiram fugir, voltando à floresta. Acervo SCS Crianças assassinadas A proximidade temporal dos ataques aos Xokleng ainda provoca dor na comunidade. Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, Brasílio Pripra, de 63 anos e uma das principais lideranças Xokleng, chora ao falar de um massacre ocorrido em 1904 contra seus antepassados. “As crianças foram jogadas para cima e espetadas com punhal. Naquele dia, 244 indígenas foram covardemente mortos pelo Estado”, afirma. O episódio foi descrito no jornal já extinto “Novidades”, de Blumenau, citado em artigo do jurista Flamariom Santos Schieffelbein na revista eletrônica argentina Persona, em 2009. “Os inimigos não pouparam vida nenhuma; depois de terem iniciado a sua obra com balas, a finalizaram com facas. Nem se comoveram com os gemidos e gritos das crianças que estavam agarradas ao corpo prostrado das mães. Foi tudo massacrado”, relata o jornal. Pripra diz ter crescido ouvindo histórias como essa. “Eu choro, me emociono. Sou neto de pessoas que ajudaram a trazer a comunidade ‘para fora’, a fazer o contato (com não indígenas). É por isso que luto.”
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estrikinia · 3 years
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Xokleng: o povo indígena quase dizimado em Santa Catarina que protagoniza caso histórico no STF
Xokleng: o povo indígena quase dizimado em Santa Catarina que protagoniza caso histórico no STF
João Fellet – @joaofellet Da BBC News Brasil em São Paulo Há 10 minutos Crédito, ACERVO SCS Legenda da foto, Em pé, bugreiros posam com mulheres e crianças do povo Xokleng capturadas após ataque a acampamento. As tropas se deslocavam pelas trilhas à noite, em silêncio. Os homens, entre 8 e 15, evitavam até fumar para não chamar a atenção. Ao localizar um acampamento, atacavam de…
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felizcidadeinfo · 5 years
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Pessoas nascidas em 1800 e bolinha... já imaginou se elas pudessem viver 1 dia com whats app?! #santarosadelima #sc #acolhidanacolonia #igrejasantacatarina #viagemdidatica #turismo #turistando #turismorural #turismodeexperiencia #fé #religiao #arquitetura #historia #historiadobrasil #historiadesantacatarina #bugreiros #indios #morte #memoria #igreja #cemiterio #reflexao #devoltaparaofuturo (at Santa Rosa de Lima) https://www.instagram.com/p/BrB8r1LF1yy/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=ut4naklbmuox
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maurodemarchi · 7 years
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De Alfredo Wagner nasceu Ituporanga...
De Alfredo Wagner nasceu Ituporanga…
Convido os leitores do Jornal Capital das Nascentes, versão online, o texto sobre a história da vizinha cidade de Ituporanga, um dos municípios nascidos a partir da Colônia Militar Santa Thereza. Daqui partiram os primeiros desbravadores que assentaram a pedra de fundação do grande município vizinho.
Importante também a leitura sobre o “famigerado”  Marcolino Martinho de Jesus, “honesto no seu…
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felizcidadeinfo · 5 years
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Atrás da igreja, tem esse cemitério sinistro. E as esculturas sempre fazem um ambiente mais “misterioso”. #santarosadelima #sc #acolhidanacolonia #igrejasantacatarina #viagemdidatica #turismo #turistando #turismorural #turismodeexperiencia #fé #religiao #arquitetura #historia #historiadobrasil #historiadesantacatarina #bugreiros #indios #morte #memoria #igreja #cemiterio #sinistro #misterioso (at Santa Rosa de Lima) https://www.instagram.com/p/BrB8eWeF4a8/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=1wohl0cb7oqmf
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felizcidadeinfo · 5 years
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No interior da igreja, impressionam os detalhes - quer seja das janelas perfeitas, quer seja do piso laminado. #santarosadelima #sc #acolhidanacolonia #igrejasantacatarina #viagemdidatica #turismo #turistando #turismorural #turismodeexperiencia #fé #religiao #arquitetura #historia #historiadobrasil #historiadesantacatarina #bugreiros #indios #morte #memoria #design #arquitetura #interior (at Santa Rosa de Lima) https://www.instagram.com/p/BrB7xCwlJ4I/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=1qjfw9kmi0cdf
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felizcidadeinfo · 5 years
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Quem vê essa beleza natural, nem imagina a história sangrenta deste local... muitos e muitos índios se foram. #santarosadelima #sc #acolhidanacolonia #igrejasantacatarina #viagemdidatica #turismo #turistando #turismorural #turismodeexperiencia #fé #religiao #arquitetura #historia #historiadobrasil #historiadesantacatarina #bugreiros #indios #morte #memoria #jardim #natureza (at Santa Rosa de Lima) https://www.instagram.com/p/BrB7dLalsnG/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=oqjfzm48lxtx
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