Unidade 731: As fábricas da morte do Império Japonês - parte 2
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
O ocultamento e a anistia dos crimes de guerra japoneses pelo governo dos Estados Unidos em troca dos dados científicos obtidos pela Unidade 731
Em agosto de 1946, os procuradores do Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio ouviram, instigados por David Sutton, assistente do promotor chinês, apenas uma referência aos experimentos japoneses com “soros venenosos” em civis chineses. O conselheiro de defesa japonês Michael Levin argumentou que a denúncia era vaga e não corroborada e esta acabou rejeitada pelo presidente do tribunal, Sir William Webb, por falta de provas. O assunto não foi aprofundado por Sutton, que provavelmente estava ciente das atividades da Unidade 731.
Os prisioneiros de guerra foram coagidos a guardar segredos. Foram oferecidas anistia e imunidade a todos os membros da unidade de Ishii em troca de informações e cooperação. Iniciava-se o mais infame encobrimento da Segunda Guerra Mundial.
Muitos dos cientistas envolvidos na Unidade 731 seguiram carreiras de destaque na política, na academia, nos negócios e na medicina do pós-guerra. Vários deles graduaram-se em medicina e um deles chegou a dirigir uma companhia farmacêutica japonesa. Outros ocuparam cargos que foram desde a presidência da Associação Médica Japonesa até a vice-presidência da Green Red Cross Corporation. Um membro da equipe de congelamento chegou a tornar-se um importante empresário da indústria frigorífica japonesa. Um graduado da Unidade 1644, Masami Kitaoka, continuou a fazer experimentos em voluntários japoneses de 1947 a 1956 enquanto trabalhava para o Instituto Nacional de Ciências da Saúde. Shirô Ishii morreu em 1959 sem mostrar nenhum sinal de arrependimento. Alguns, no entanto, foram presos pelas forças soviéticas e condenados nos Julgamentos de Crimes de Guerra de Khabarovsk; outros se renderam às forças norte-americanas.
Os serviços de inteligência dos Aliados possuíam inúmeros dossiês sobre os principais microbiologistas japoneses. Os estrategistas dos Estados Unidos apreciavam as vantagens táticas da guerra biológica, pois os agentes biológicos podem ser introduzidos inadvertidamente nos campos de guerra, e sabiam que Ishii havia realizado tais práticas em diversas ocasiões na China e em outros lugares.
Destarte, os Estados Unidos estavam ansiosos para obter detalhes das experiências e das técnicas utilizadas por Ishii, já que as informações e experiência adquiridas nos estudos da guerra biológica podiam ser de grande valor e proprocionar grande vantagem para o seu programa de desenvolvimento de armas biológicas. Em particular, procuravam os relatórios das experiências com seres humanos, aos quais atribuíam uma importância supra. No final da guerra, os cientistas de Fort Detrick, Maryland – onde ficavam as instalações de guerra biológica dos Estados Unidos –, iniciaram uma série de entrevistas com os técnicos japoneses. Nenhum deles chegou a considerar as implicações morais e éticas que o assunto envolvia.
Fort Detrick, Maryland
Uma vez constatados os fatos, um cabo informou ao Departamento de Guerra de Washington que “informações posteriores reforçavam a conclusão de que o grupo dirigido por Ishii violou as normas de guerra”, mas fazia a ressalva de que “esta opinião não é recomendação para que o grupo seja acusado”.
De modo a impedir que os soviéticos obtivessem as informações de Ishii, os Estados Unidos fizeram um pacto com o próprio, assim como já tinham feito com centenas de cientistas nazistas. Para tanto, era necessário que as experiências fossem ocultadas, deveriam constituir o “maior dos segredos”, o mais obscuro deles. Os prisioneiros de guerra que regressavam e davam depoimentos sobres as terríveis experiências que haviam sido feitas neles deveriam ser silenciados, caso contrário a opinião pública ficaria indignada e exigiria medidas drásticas. Portanto, havia apenas uma saída: o encobrimento total da verdade.
As forças de ocupação norte-americanas monitoraram as atividades dos ex-membros da Unidade, incluindo a leitura e censura de sua correspondência. Em 6 de maio de 1947, o comandante supremo das Forças Aliadas, Douglas MacArthur (1880-1964), que liderou o processo de ocupação e reconstrução do Japão, escreveu a Washington dizendo que “dados adicionais, possivelmente algumas declarações de Ishii, provavelmente podem ser obtidos informando aos japoneses envolvidos que as informações serão retidas em canais de inteligência e não serão empregadas como evidência de ‘crimes de guerra'”, isso mesmo, ou seja, MacArthur secretamente concedeu imunidade aos médicos da Unidade 731 em troca deles fornecerem exclusivamente aos Estados os resultados de suas pesquisas no campo da guerra biológica. E assim o inquérito foi encerrado em 1948.
A União Soviética, ao contrário dos Estados Unidos, processou doze líderes e cientistas do Esquadrão 731 e suas unidades afiliadas: Esquadrão 1644 em Nanquim e Esquadrão 100 em Changchun, todos no Julgamentos de Crimes de Guerra de Khabarovsk, audiências realizadas entre 25 e 31 de dezembro de 1949 na cidade industrial de Khabarovsk, a maior cidade do Extremo Oriente Russo, perto da fronteira com o nordeste da China, adjacente ao Japão. Os médicos e oficiais do Exército Imperial Japonês que perpetraram as atrocidades do Esquadrão 731 receberam sentenças de 2 a 25 anos de confinamento em campos de trabalho forçados na Sibéria. Entre esses criminosos de guerra estava o general Otozō Yamada (1881-1965), o comandante-chefe de um milhão de soldados japoneses que ocuparam a Manchúria.
Uma longa transcrição parcial dos procedimentos do julgamento foi publicado em vários idiomas no ano seguinte por uma agência de notícias de Moscou em línguas estrangeiras, incluindo uma edição em inglês: Materiais sobre o julgamento de ex-militares do exército japonês encarregados de fabricar e empregar armas bacteriológicas (Materials on the trial of former servicemen of the Japanese Army charged with manufacturing and employing bacteriological weapons, Moscou, Foreign Languages Publishing House, 1950). Este relatório disponível na internet continua sendo um recurso inestimável para historiadores sobre a organização e atividades de tentativas de guerra biológica. Curiosamente, nenhuma das edições em língua estrangeira deste livro continha quaisquer dados sobre o número de sua impressão – apenas a edição russa diz que cerca de 50.000 cópias foram publicadas.
O advogado encarregado do caso nos Julgamentos de Khabarovsk foi Lev Smirnov (1911-1986), que havia sido um dos demandantes soviéticos nos julgamentos de Nuremberg contra médicos nazistas que haviam cometido atrocidades humanas em experimentos semelhantes em campos de extermínio como Auschwitz e Dachau. Os norte-americanos se recusaram a reconhecer a legitimidade dos julgamentos, rotulando-os de mera propaganda comunista. E de certo modo estavam certos, pois a União Soviética acabou construindo uma instalação de armas biológicas em Sverdlovsk usando a documentação capturada da Unidade 731 na Manchúria, ainda que muitos prisioneiros de guerra soviéticos tivessem sido capturados por civis japoneses e russos, incluindo mulheres e crianças, e mortos em experimentos químicos e biológicos pelo Esquadrão 731, junto com chineses, coreanos, mongóis e cativos de outras nacionalidades.
A aceitação do trabalho de Ishii pelos Estados Unidos significou que havia sido ignorado o termo que impedia a utilização de seres humanos como cobaias de experiências científicas, estabelecido no acordo de 1925, na Convenção de Genebra. Os cidadãos dos Estados Unidos e do Reino Unido que haviam vítimas dos japoneses, agora eram novamente, mas desta vez nas cínicas mãos de seus próprios governos.
Os trabalhos da Unidade 731 permaneceram assim inéditos até 1984, quando um estudante que vasculhava uma caixa de velhos documentos em um sebo no distrito de Kanda, nos arredores de Tóquio, descobriu as anotações feitas por um antigo oficial do Exército sobre a Unidade 731. Os documentos continham minuciosos relatórios médicos sobre doenças mentais. Em um deles, aparecia um diagrama que mostrava 21 cobaias humanas amarradas em estacas dispostas em círculos. As notas explicavam que uma bomba biológica de bactérias era explodida no centro do círculo para comprovar a difusão de uma doença quando disseminada com uma bomba. Em suma, os documentos descreviam detalhadamente as experiências biológicas e demostravam cabalmente que as cobaias das experiências de Shirô Ishii e sua equipe eram seres humanos.
Somente a partir dessas descobertas e revelações é que os familiares das vítimas que morreram na Unidade 731 souberam das atrocidades cometidas. Depois de ouvir as narrações dos chineses que foram torturados, muitas famílias passaram a exigir retratações, reparações e indenizações.
Em 1986, o ex-prisioneiro de guerra Frank James relatou suas lembranças a um comitê do Congresso dos Estados Unidos. “Éramos apenas pequenas peças de um jogo, sempre soubemos que existia um encobrimento”, disse James. Outro ex-prisioneiro, Max McClain, lembra que junto com seu companheiro de cela, George Hayes, eram colocados em filas para receberem injeções. Dois dias depois, Hayes lamentava-se: “Mac, não sei o que esses desgraçados me deram, mas sinto-me muito mal”. Naquela mesma noite, dissecaram Hayes.
A audiência durou apenas metade de um dia e somente um dos 200 sobreviventes foi convocado. O responsável pelos arquivos do Exército declarou que os documentos obtidos de Ishii haviam sido devolvidos ao Japão ainda na década de 50. Surpreendentemente, não havia se preocupado em fazer fotocópias dos documentos.
Arthur Christie, um soldado do Loyal’s Regiment submetido a experiências biológicas, enviou várias cartas ao governo britânico falando sobre as experiências de Mukden, que foram respondidas friamente pelo Ministério de Defesa em 12 de dezembro de 1986: “Contudo, não temos provas que sustentem as alegações de que os japoneses realizavam experiências com prisioneiros de guerra aliados em Mukden, nem tampouco prova alguma que sustente a alegação de que um acordo foi feito para esconder a verdade do que acontecia naquele local. Um ano depois, em uma segunda carta, admitia-se que a Unidade 731 tinha se dedicado à guerra biológica em Pingfan, porém isso “não prova que ocorresse o mesmo em Mukden”.
Guerra biológica: a disseminação propositada de doenças entre os civis chineses
A Unidade 731 e suas unidades afiliadas (Unidade 1644, Unidade 100, etc.) estiveram envolvidas na pesquisa, no desenvolvimento e implantação experimental de armas de guerra biológica que criaram epidemias em ataques contra a população chinesa (civil e militar) durante a Segunda Guerra Mundial.
Prisioneiros foram injetados com inoculações de doenças, disfarçadas de vacinas, para estudar seus efeitos. Para estudar os efeitos de doenças venéreas não tratadas, prisioneiros do sexo masculino e feminino foram deliberadamente infectados com sífilis e gonorreia e depois estudados.
Cientistas japoneses realizaram testes em prisioneiros com cólera, varíola, botulismo e outras doenças.
Prisioneiros foram infestados com pulgas para adquirir grandes quantidades de pulgas transmissoras de peste bubônica com o objetivo de estudar a viabilidade da guerra bacteriológica. Essa pesquisa levou ao desenvolvimento da bomba de desfolhamento de bacilos e da bomba de pulgas usada para espalhar a peste bubônica. Algumas dessas bombas foram projetadas com conchas de cerâmica (porcelana), uma ideia proposta por Ishii em 1938. Pulgas infestadas de peste bubônica, roupas e suprimentos infectados envoltos nessas bombas foram lançados em vários alvos por aviões voando baixo sobre as cidades chinesas costeiras de Ningbo em 1940 e Changde, província de Hunan, em 1941. Estima-se que estas pulverizações aéreas militares tenham matado cerca de 400.000 civis chineses com a cólera, o antraz e a peste bubônica resultantes. A tularemia (febre da mosca do cervo ou febre do coelho), doença infecciosa rara causada pela bactéria Francisella tularensis que ataca a pele, olhos e pulmões, também foi espalhada em civis chineses.
Essas bombas contaminaram e infectaram plantações, nascentes, reservatórios, poços e outras áreas com antraz, pulgas transmissoras da peste, febre tifóide, disenteria, cólera e outros patógenos mortais. Durante os experimentos com bombas biológicas, cientistas vestidos com roupas de proteção examinavam as vítimas moribundas. Alimentos e roupas infectados foram lançados de aviões em áreas da China não ocupadas pelas forças militares japonesas. Além disso, alimentos e doces envenenados foram distribuídos a vítimas e crianças inocentes, e os resultados examinados.
Em 2002, Changde, na China, local do ataque de pulverização de pulgas, realizou um “Simpósio Internacional sobre Crimes de Guerra Bacteriológica”, que estimou que pelo menos 580.000 pessoas morreram como resultado do ataque. O historiador Sheldon Harris afirma que 200.000 morreram. Além das baixas chinesas, 1.700 japoneses em Chekiang foram mortos por suas próprias armas biológicas enquanto tentavam liberar o agente biológico, o que evidencia sérios problemas com a distribuição.
Experiências macabras de todo tipo
Após serem infectados com várias doenças, prisioneiros de guerra eram submetidos a vivissecções sem anestesia. Cirurgias invasivas eram realizadas em homens, mulheres, crianças e bebês por cientistas que removiam seus órgãos para estudar os efeitos de doenças no corpo humano. Vivissecções também foram realizadas em mulheres grávidas, às vezes engravidadas pelos próprios médicos, para terem seus fetos extraídos e submetidos a experiências. Membros eram amputados para estudar os efeitos da perda de sangue. Membros removidos às vezes eram reconectados em lados opostos do corpo. Os membros de alguns prisioneiros foram congelados e amputados, enquanto outros tiveram membros congelados e descongelados para estudar os efeitos da gangrena não tratada e do apodrecimento resultante. Alguns tiveram seus estômagos removidos cirurgicamente e o esôfago recolocado no intestino. Partes do cérebro, pulmões, fígado, etc. foram removidas de alguns prisioneiros.
Membro da Unidade 731, Toshimi Misibushi realizou autópsias em seres humanos vivos e descreveu abertamente suas operações: “Fazia as incisões daqui até aqui (aponta para o pescoço) e em seguida até a extensão do estômago. Primeiro gritavam… e demoravam alguns minutos para perderem a consciência. Na primeira vez relutei muito sobre o que me mandavam fazer. Na segunda vez já tinha me acostumado. Na terceira vez o fiz mais espontaneamente. Do nosso ponto de vista, os ‘troncos’ estavam ali para propósitos experimentais. Eram empregados para isto. ‘Orgulho-me de ter pertencido a esta unidade. Foi a primeira do mundo em que se usou a biologia em campo de batalha.” Um legista anônimo da Unidade 731, por sua vez declarou: “Cortei abrindo-o do peito ao estômago enquanto ele gritava terrivelmente. Para os cirurgiões, isto era o trabalho rotineiro.”
Em 2007, Ken Yuasa testemunhou ao Japan Times que “Tive medo durante a minha primeira vivissecção, mas na segunda vez foi muito mais fácil. Na terceira vez, estava disposto a fazê-lo.” Ele acredita que pelo menos 1.000 pessoas, incluindo cirurgiões, estiveram envolvidas em vivissecções na China continental.
Alvos humanos eram usados para testar granadas posicionadas a várias distâncias e em diferentes posições. Lança-chamas eram testados em humanos. Pessoas eram amarradas em postes e usadas como alvos para testar bombas liberadoras de germes, armas químicas e bombas explosivas.
Em outros testes, prisioneiros eram privados de comida e água para determinar o período de tempo até a morte, colocados em câmaras de alta pressão até a morte, submetidos a temperaturas extremas sofrendo queimaduras para determinar quanto tempo o corpo humano resistia a tais tormentos e determinar a relação entre temperatura, queimaduras e sobrevivência humana, bem como os efeitos da putrefação e gangrena na carne humana, colocados em centrífugas e girados até a morte, expostos a doses letais de raios-x, submetidos a várias armas químicas dentro de câmaras de gás, injetados com água do mar para determinar se esta poderia ser um substituto para a solução salina, injetados com ar em suas artérias para determinar quanto tempo se iniciavam os sintomas iniciais de um derrame, injetados com sangue animal, injetados com urina de cavalo em seus rins, pendurados de cabeça para baixo para ver quanto tempo levariam para sufocar, e até queimados e enterrados vivos. Talvez o mais chocante e cruel de todos, era quando colocavam mães junto com seus bebês em tanques que eram enchidos de água para observar o comportamento das mães, que em princípio seguravam os bebês, mas acabavam pisando neles para não morrerem afogados.
Divisões
A Unidade 731 foi dividida em oito divisões:
Divisão 1: Pesquisa sobre peste bubônica, cólera, antraz, febre tifóide e tuberculose usando seres humanos vivos. Para isso, foi construída uma prisão para conter cerca de trezentas a quatrocentas pessoas.
Divisão 2: Pesquisa de armas biológicas usadas no campo, em particular a produção de dispositivos para disseminar germes e parasitas.
Divisão 3: Produção de conchas contendo agentes biológicos em Harbin.
Divisão 4: Produção de outros agentes diversos.
Divisão 5: Treinamento de pessoal.
Divisões 6-8: Equipamentos, unidades médicas e administrativas.
Instalações
O complexo da Unidade 731 em Pingfan na Manchúria cobria seis quilômetros quadrados e consistia em mais de 150 edifícios. O projeto das instalações tornava difícil destruí-las com bombardeios. O complexo continha várias fábricas e cerca de 4.500 contêineres para criar pulgas, seis caldeirões para produzir diversos produtos químicos e cerca de 1.800 contêineres para a produção de agentes biológicos. Aproximadamente 30 kg da bactéria da peste bubônica podiam ser produzidos em alguns dias. Toneladas dessas armas biológicas (e algumas químicas) foram armazenadas em vários lugares no nordeste da China durante o curso da guerra.
Algumas das instalações satélite da Unidade 731 ainda estão em uso por várias empresas industriais chinesas. Uma parte foi preservada e está aberta aos visitantes como um Museu dos Crimes de Guerra. Em agosto de 2003, 29 pessoas foram hospitalizadas depois que um grupo de construtores de Heilongjiang desenterrou projéteis químicos que haviam sido enterrados no solo há mais de 50 anos.
O Centro de Operações Hsinking (Changchung), também chamado de comando central da “Unidade Wakamatsu” (Pelotão 100), por estar sob o comando do veterinário Yujiro Wakamatsu (1897-1977), se dedicava ao estudo de vacinas para proteger os recursos animais japoneses e, em especial, para a produção de doenças para a guerra biológica veterinária. As doenças foram inoculadas em cavalos soviéticos e chineses e outros tipos de gado. Além desses testes, o Pelotão 100 dirigiu uma fábrica de bactérias para produzir os patógenos exigidos por outras unidades. Testes de sabotagem biológica com venenos também foram administrados neste estabelecimento.
A área principal usada na guerra biológica da Unidade 731 em Pingfan, ao sul de Harbin, nordeste da China, foi aberta ao público em 2015. A área inclui um laboratório de bactéria e uma prisão usada para prender as pessoas para os experimentos biológicos, de acordo com Jin Chengmin, curador do Museu de Evidência dos Crimes de Guerra pela Unidade 731 do Exército Japonês. O laboratório e a prisão são evidências diretas da guerra biológica e química da unidade militar, segundo Chengmin. Entre 3.000 e 12.000 homens, mulheres e crianças, dos quais cerca de 600 a cada ano, foram assassinados durante a experimentação humana conduzida pela Unidade 731 em Pingfang. Esses dados não incluem vítimas de outros locais de experimentação médica. Quase 70% das vítimas que morreram no campo de Pingfang eram chinesas, incluindo civis e militares. Quase 30% das vítimas eram russas. Alguns outros eram da Península Coreana, da Mongólia, do Sudeste Asiático e das ilhas do Pacífico, na época colônias do Império do Japão, e um pequeno número de prisioneiros de guerra dos Aliados da Segunda Guerra Mundial (embora muitos outros prisioneiros de guerra Aliados tenham sido vítimas da Unidade 731 em outros lugares). Os invasores japoneses explodiram a base ao fugir do local quando o exército da União Soviética tomou Harbin em 1945.
Cobertura e debate da mídia japonesa pós-ocupação
As discussões japonesas sobre a atividade da Unidade 731 começaram já no início da década de 1950, logo após o fim da Ocupação Norte-Americana do Japão (1945-1952).
Em 1952, experimentos humanos realizados no Hospital Pediátrico da cidade de Nagoya, que resultaram em uma morte, foram publicamente vinculados a ex-membros da Unidade 731.
Sadamichi Hirasawa
Mais tarde, naquela década, jornalistas suspeitaram que os assassinatos atribuídos ao pintor Sadamichi Hirasawa (1892-1987) em 1948, foram na verdade cometidos por membros da Unidade 731, tanto que apesar de ter sido condenado à morte por envenenamento em massa, e devido às fortes suspeitas de que ele era inocente, nenhum ministro da Justiça jamais teve a coragem de assinar sua sentença de morte.
Em 1958, o escritor japonês católico Shusaku Endo (1923-1996) publicou o livro The Sea and Poison (transformado em filme com título homônimo em 1985 com a direção de Kei Kumai) sobre experimentação humana, que se acredita ter se baseado na Unidade 731.
Em 1981, o escritor Morimura Seiichi (1933-) publicou o livro The Devil’s Gluttony, seguido em 1983 por The Devil’s Gluttony: A Sequel, que pretenderam revelar as “verdadeiras” operações da Unidade 731, mas que na verdade foram confundidas com as da Unidade 100, e falsamente usou fotos não relacionadas atribuindo-as à Unidade 731, o que levantou questões sobre sua confiabilidade.
Ainda em 1981, Ken Yuasa surgiu dando o primeiro testemunho direto de vivissecção humana na China. Desde então, muitos outros testemunhos aprofundados apareceram. O documentário japonês Japanese Devils (roteirizado, dirigido e produzido por Minoru Matsui) de 2001, sobre os crimes de guerra cometidos pelo Exército Imperial Japonês entre 1931 e 1945, composto principalmente de entrevistas com 14 membros veteranos da Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945) que admitem terem praticado estupro, massacres, canibalismo e outras amenidades, incluindo as experiências biológicas da Unidade 731. Todos os entrevistados, incluindo Yuasa, haviam sido feitos prisioneiros e condenados à morte por crimes de guerra pela China e posteriormente libertados após um extenso tratamento de “reeducação”, o que coloca em dúvida a sinceridade de seus depoimentos.
Governo Japonês admite atrocidades da Unidade 731
Desde o fim da ocupação dos Estados Unidos, o governo japonês tem se desculpado repetidamente por seu comportamento antes e durante a Segunda Guerra, mas desculpas e indenizações específicas são determinadas com base na determinação bilateral de que ocorreram crimes, o que requer um alto padrão de evidências. Por exemplo, uma compensação foi paga à Coreia do Sul por crimes relacionados com mulheres de conforto no Tratado de Relações Básicas de 1965 entre o Japão e a República da Coreia. A Unidade 731 apresenta um problema especial, pois ao contrário da experimentação humana nazista que é extremamente bem documentada, as atividades da Unidade 731 são conhecidas apenas pelos testemunhos de ex-membros da Unidade, e o testemunho não pode ser empregado para determinar indenização dessa forma.
Saburo Ienaga
Os livros didáticos de história do Japão geralmente contêm referências à Unidade 731, mas não entram em detalhes sobre as alegações, de acordo com este princípio. A Nova História do Japão do historiador Saburo Ienaga (1913-2002) incluía uma descrição detalhada, baseada no testemunho dos oficiais. O Ministério da Educação tentou remover essa passagem de seu livro antes de ser distribuído nas escolas públicas, alegando que o testemunho era insuficiente. A Suprema Corte do Japão decidiu em 1997 que o testemunho era de fato suficiente e que exigir que fosse censurado era uma violação ilegal da liberdade de expressão.
Em 1997, o advogado internacional Kōnen Tsuchiya entrou com uma ação coletiva contra o governo japonês exigindo reparações pelas ações da Unidade 731, usando evidências apresentadas pelo historiador Makoto Ueda, da Universidade de Rikkyo, mas todos os níveis do tribunal consideraram que o processo não tinha fundamento. Nenhuma constatação de fato foi feita sobre a existência de experimentação humana, mas a decisão do tribunal foi que as reparações são determinadas por tratados internacionais e não por processos judiciais locais.
Em setembro de 2002, o Tribunal de Tóquio admitiu que a Unidade 731 do Exército Imperial cometeu atrocidades na China ocupada nas décadas de 30 e 40. Apesar de recusar o pagamento de indenizações e qualquer pedido oficial de desculpa para a família dos mortos, essa decisão do tribunal foi uma vitória para a China, pois há alguns anos o governo japonês sequer admitia a existência da Unidade 731.
Em outubro de 2003, o então primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, respondeu a um inquérito de um membro da Câmara dos Representantes do Japão afirmando que, embora o atual governo japonês não possua quaisquer registros relacionados à Unidade 731, eles reconheciam a gravidade da questão e iriam divulgar quaisquer registros localizados no futuro.
Leia também as partes 1 e 3
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Urgências de obstetrícia e ginecologia mantêm esquema de funcionamento em maio
A Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) demissionária decidiu manter, na globalidade, até 31 de maio, o esquema de funcionamento dos Serviços de Urgência de Ginecologia/Obstetricia que vigorou até ao primeiro trimestre do ano.
Numa nota publicada na página do DE-SNS a 30 de abril, e assinada pelo diretor executivo demissionário Fernando Araújo, é determinado manter "na globalidade, o esquema de funcionamento da Operação 'Nascer em Segurança no SNS', até 31 de maio de 2024".
"Face à complexidade técnica associada às alterações propostas e à necessidade da sua avaliação detalhada pela tutela num contexto de transição da liderança da Direção Executiva do SNS, considera-se, mais uma vez, avisada a manutenção temporária do modelo em vigor, durante o mês de maio", pode ler-se.
De acordo com a nota haverá, no entanto, "alterações pontuais e inadiáveis referentes às instituições situadas na Península de Setúbal, até existir uma decisão estratégica sobre o futuro deste modelo de funcionamento".
O documento recorda que desde o mês de dezembro de 2022 e durante todo o ano de 2023, e também nos primeiros quatro meses deste ano, foram implementadas as deliberações da DE-SNS, no âmbito da Operação 'Nascer em Segurança no SNS', "promovendo a articulação entre instituições na mesma área geográfica e a integração dos planos de contingência, assegurando proximidade, com qualidade e segurança".
Desde então, e para responder aos constrangimentos sentidos nas urgências da especialidade devido à escassez de médicos da área, as 43 urgências de ginecologia e obstetrícia no país estiveram a funcionar de acordo com um mapa reforçando o trabalho em rede e a concentração de profissionais.
A DE-SNS faz uma "avaliação favorável" do desempenho da Operação 'Nascer em Segurança no Serviço Nacional de Saúde' nos últimos 17 meses e diz que se apresenta "pertinente a manutenção dos princípios de articulação interinstitucional e de gestão da rede do SNS, que vigoraram ao longo dos últimos meses, com uma diferenciação do próprio plano, fruto da experiência obtida".
"Todas as grávidas foram prontamente atendidas, os partos mais complexos foram realizados dentro do SNS e, salvo raras exceções devido a constrangimentos na utilização do sistema, a abordagem foi sempre próxima e segura. Nenhuma grávida ficou sem uma resposta, e todas grávidas de elevado risco, foram atendidas no SNS", pode ler-se na nota.
O documento dá conta também de que sempre que a capacidade instalada do SNS na Região de Lisboa e Vale do Tejo "esteve preenchida", o Centro de Orientação de Doentes Urgentes do Instituto Nacional de Emergência Médica (CODU/INEM) "pode orientar grávidas em trabalho de parto, com mais de 36 semanas de gestação, sem fatores de risco, diretamente para hospitais do setor privado".
É sublinhada, igualmente, a capacidade do SNS que em rede "tem conseguido responder às necessidades, e nos casos pontuais (em média, apenas uma grávida a cada 2 dias), em que a capacidade está preenchida, e de forma a evitar deslocações para instituições mais distantes, privilegia-se a proximidade e opta-se pela disponibilidade e qualidade das entidades convencionadas, na defesa das parturientes".
De acordo com o documento as alterações já estudadas ao plano visam "alargar o sistema de urgência referenciada, nos períodos noturnos, a outras instituições da Região de Lisboa e Vale do Tejo" aumentando a resposta em termos de blocos de partos e situações urgentes do foro ginecológico, através da referenciação via INEM/SNS 24.
"Esta nova dinâmica de funcionamento alinha-se com os princípios orientadores da experiência prévia das ULS Amadora/Sintra e ULS Lisboa Ocidental. As convenções com hospitais do setor privado da Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuarão a vigorar, complementando a capacidade de resposta em termos de blocos de parto em alturas de picos, numa rede integrada, com gestão pelo INEM/CODU, permitindo uma resposta de proximidade, com capacidade para os eventuais aumentos de procura, numa lógica de cooperação multissectorial no sistema de saúde", considera o DE-SNS.
A informação divulgada pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) não elenca, desta vez, o esquema de funcionamento das urgências de obstetrícia a nível nacional, pedindo-se às grávidas que "contactem sempre o SNS 24 ou o INEM (em caso de urgência/emergência), de forma a poderem ser orientadas com segurança para o bloco de partos mais próximo, que possua capacidade de resposta adequada a` sua condição clínica".
A 23 de abril, o diretor executivo do SNS anunciou a sua demissão, em conjunto com a sua equipa, alegando não querer ser obstáculo ao Governo nas políticas e nas medidas que considere necessárias.
Um dia depois, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, aceitou a demissão salientando que a cessação de mandato será efetivada com a entrega de um relatório da atividade e do ponto da situação da direção executiva do SNS no prazo de 60 dias.
A direção executiva iniciou a sua atividade em 01 de janeiro de 2023, na sequência do novo Estatuto do SNS proposto ainda pela então ministra Marta Temido, com o objetivo de coordenar a resposta assistencial de todas as unidades do SNS e de modernizar a sua gestão.
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