Tumgik
#Este poema é quase uma catarse
fabien-euskadi · 1 year
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Breve história de uma só palavra mil vezes maldita
Pois que mil vezes m’arda a língua se a palavra proibida por mim for proferida Mais mil vezes morra eu se do verbo brotar semente, qual luz em terra ardida, Onde os sobejos de um ontem infindo se acoitam na penumbra do que já não é. No restolho do que não se chora mora a hora em que um demónio bebeu da fé Algo menos que tudo o que era menos que menos que nada. Nada mais eu sou: Sorvo tragos da história do que podia ter sido quando não fui aquele que falou Uma só palavra a mais: a palavra (essa!) que, hoje, quando sentida, dita não será. E assim serei eu o que poderia ter sido nesse hiato entre o que existe e o que há.
                                                                               Fabrien Euskadi
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escritos-mortos · 4 years
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gestalt nº1
A ironia que rege toda a existência, em especial os desejos criativos. Ontem, quando quase adormecia, passou por minha mente a frase inicial da minha próxima transgressão diária. Chegou sem mais pensamento, sem esforço empregado, sem nem mesmo eu querer: o que foi uma alegre surpresa. Era assim, e assim inicio minha tentativa de ter a mim mesmo, e de sair de mim: escrevo com o coração aos saltos, saindo pela boca. O que não é mais insuportável que desconhecer o que virá na próxima frase. Exploração é essencial, faz parte do nosso ofício, eu repito como quem reza, como quem entoa um cântico místico em um momento de insegurança e ingenuidade. E não posso, em nenhuma circunstância, me limitar. Apesar das distrações atuarem em nível quase que metafísico, em que minha alma confuseia e perambula, esforço-me para continuar com os batimentos cardíacos na criação. Céus, criação do quê? Há dias em que até o que se ama é um absurdo. Eu não sinto força para continuar; não me sobra energia sequer para uma ação passiva. Há uma única vontade, perene, solitária: a de abandonar-se completamente em uma música. Queria morrer e virar música. Tamanho é o meu fetiche. E, talvez, cantar me valesse um amor.  
Eu não sou contista, cronista - nem me fale em romancista -, e tenho duvidado de minhas atividades poéticas. O que quer que eu esteja fazendo, não é o bastante; um corpo não bastaria; um mergulho não basta. Não tenho sido torrencial. Suspeito que sequer tenho vocação para o amplo, o vasto, que tanto me seduz. Que sugestão diabólica é essa? É uma mística que não está a meu alcance.
E me veio a necessidade de narrar, que é harmonicamente proporcional à minha incapacidade de fazê-lo. Quero tanto, tanto dizer coisas. Não, não, meu deus do céu, dizer é ainda pouco. Quero não o brado, mas a melodia do canto, a alegria do timbre. A expressão que só minha voz poderia dar ao mundo, mesmo que pouco, mesmo que indiferente (o que, provavelmente, é a realidade). O que não me é motivo para calar-me. Eu vou cantar, e isso me basta. E a certeza de que minha voz não é necessária para o mundo me delega uma liberdade indescritível.
While a soft piano plays, i'm strangely at peace. Estou me entregando pouco a pouco. É essa a sensação de ser um e de, também, ser todo? É tanta inteireza que mal sei quem sou. Sabendo disso, sei que estão normais todas as coisas. Assim eu até finjo entender o mundo, que é para estar preparado quando eu realmente entender. While a soft piano plays, i'm indescribably all right.
Eu apenas escrevo o que se passa por dentro, nas infinitas moradas do castelo interior. Segure minha mão e aproveite a viagem.
Tenho medo de amar por pura vaidade. O que não me impede de sonhar com objeto de amor constantemente, ardorosamente. E rezo para seu anjo da guarda. E me revolto por não ser o primeiro a amá-la com um movimento de pureza. Amo-a, confesso. Nada disso transpõe nada, porque é uma loucura carcomendo uma realidade. Por isso vou parar de olhá-la, de ver em seu rosto o lampejo máximo de minha felicidade. Meu deus, agradeço de coração esta ilusão.
Estou a pensar nas coisas ditas, e no que ficou para dizer e, do que ficou para dizer, no que precisa, de fato, ser dito. Vou pensar mais um pouco até ter a certeza de que não sou eu quem decide o que deve ser dito ou não. Eu apenas digo. Este é o meu trabalho. É bom que eu não confunda as coisas.
Parece até que desaprendi a viver e, no meio disso, também desaprendi a escrever poemas.
Tolamente procuro uma catarse; nas palavras, nos poemas, nas músicas e, é claro, no sexo. Mas torno longo e tortuoso um caminho que devia passar por dentro de mim, diariamente, como que uma história. O êxtase é uma narrativa neon e angélica, em que um sonho toma forma, consagra-me e, não tendo mais o que fazer, despede-se, dando como cumprido o meu desejo. Regalo do universo, não é mesmo? Só que não é verdade. Isto sou eu a construir meu coração. E não poderia importar-me menos com fazer-me entender.
Sim, eu sou uma música, e estou a tocar.
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luiscarmelo · 3 years
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América
Cada um de nós tem a sua América. Será um misto de fascínio, cinema, pragmatismo e universo de possibilidades, mas também de selvajaria, isolamento, ensimesmamento, rudeza e grandeza suicidária. O que tornou possível um Watergate, também tornou possível quatro anos de patologia Trump (sempre a mentir e a efabular), codificada, no entanto, como se se estivesse a viver num aquário da mais perfeita normalidade. O que fez a Europa sair do jugo nazi e das ameaças do gulag foi também o que tornou possível as chacinas da guerra fria no Vietname. Respirando fundo: a América de cada um de nós é, como toda a realidade, uma incongruência. Mas uma incongruência que nos permitiu muitas vezes poder respirar acima da linha de água. Sem a América, hoje não haveria democracia, tal como a entendemos.
Há imensas abordagens sobre a América e nenhuma delas será a última e a perfeita. A maior parte delas provém dos americanos que não têm medo de levar a cabo a sua própria catarse quase em tempo real. Pouco tempo depois da guerra da Coreia, da questão cubana, da guerra do golfo, do 09/11 ou da invasão do Iraque, logo apareceram os filmes, as narrativas e um sem fim de diagnósticos que se auto-celebravam e sobretudo denunciavam. Sob este ponto de vista a América é única.
Tenho sobre a mesa dois livros de autores europeus que analisaram a América em visita. Um e outro têm em comum um olhar em que o deslumbre se funde com a negação. O ‘América’ de Jean Baudrillard foi publicado em 1985 e o livro da Natália Correia, ‘Descobri que era Europeia’, desdobrou-se em três tempos (1950, 1978 e 1983). Ao fim e ao cabo, estamos perante duas visões que aterram no início dos anos oitenta e que tentam olhar em frente. É isso que faz um livro não ser estritamente actual e poder, por isso mesmo, merecer por parte do editor um aval que não corresponderá apenas à fome da liquidez imediata e efémera.
Há três aspectos comuns nestes dois livros, provenientes, como se sabe, de sensibilidades muitíssimo diferentes: (a) selvajaria e utopia de mãos dadas, (b) paraíso e distopia e (c) uma inevitável colisão ‘Eu – Outro’ (que recairá ou na revelação ou numa estética da alienação).
O primeiro aspecto levou Natália a sublinhar que os EUA nasceram “com o racismo”, “desenvolveram-se no racismo” e “vivem no racismo”. Este pano de fundo convive com um outro traduzido pela “descartabilidade do indivíduo” e ainda pelo contraste gritante entre a “submersão na racionalidade” e a cegueira primária, a solidão urbana ou a marginalização dos imigrantes vencidos e dos idosos. Por outras palavras: um vulcão por arrefecer que propõe fertilidade nas pradarias circundantes. Já Baudrillard preferiu referir-se a “uma imensa utopia realizada”, mas essencialmente paradoxal e que terá chegado a um ponto em que se tornou legítimo interrogar: “…e o que fazer depois da orgia?”.
O segundo aspecto circunscreveu-se para Natália ao “pragmatismo da felicidade”, embora associado, “à mais completa morte da individualidade e à mais completa morte da diferença física, emocional, intelectual e cultural”. Baudrillard foi menos impetuoso, mas alertou para o facto de o paraíso americano ser “fúnebre, monótono e superficial”. Tal como em Paris, Texas de Wenders, a metáfora do deserto envolve todos os interstícios profundos da América e permite aos americanos aceitar a sua insignificância diante da (ininterrupta) simulação de paraíso em que vivem (os “malls” são iguais em todas as Américas do mundo, convenhamos).
O terceiro aspecto é o que incide na alteridade e na comparação. No caso de Natália, o efeito da visita foi decisivo. Leia-se: “Foi na América que tive a grande revelação. Levara comigo as minhas raízes europeias. Mas uma visão de contrastes e de agressivos antagonismos trouxe-me à consciência os ramos gerados na profundidade das minhas raízes. Descobri então com deslumbramento a minha posição no mundo: era europeia. E os laços temperamentais que me prendiam à família europeia, deixaram de ser líricas aspirações para se fundirem no aço dum deliberado amor.” A óptica de Baudrillard foi menos inocente e, à boa moda francesa, resgatou a “estrutura” da história como argumento: “Sem passado ou verdade fundadora, por não ter conhecido uma acumulação primitiva de tempo, a América vive numa atualidade perpétua” e numa “simulação perpétua”, pois “não experimentou uma acumulação lenta e secular”. Contudo, no final, Baudrillard colocou o dedo na ferida: “É esse o problema da América e, através dele, tornou-se do mundo inteiro”. Ou seja: “nós, europeus, não fazemos outra coisa senão imitá-los, parodiá-los com cinquenta anos de atraso, e sem sucesso, aliás. Falta-nos a alma e audácia do que se poderia chamar o grau zero de uma cultura, a potência da incultura”.
Este indefinível território chamado América é parte de todos nós, contemporâneos do que, daqui a um milénio, se dirá ter sido a rápida transição entre a primeira e a segunda dezena de séculos dC.
A América de cada um de nós, porventura à imagem da herança que Alexandre-o-Magno deixou nos povos por onde passou, corresponde a uma poética necessariamente de ignição violenta, mas que, para o bem ou para o mal, nos fornece também aquele êxtase próprio das drogas fortes. Assim é, quer por ingénua admiração, quer por preconceituosa (e ignorante) rejeição. A abrir as portas à fantástica “Beat Generation”, Allen Ginsberg, no seu poema ‘Uivo’, publicado em 1956, parece ter dito tudo. E fê-lo com o nitrato da explosão verbal que tudo absorve e absolve, seja a selvajaria, a utopia, o paraíso, a distopia e todas as indescortináveis colisões com o ‘Outro’ que podem, por sua vez, revelar, alienar, matar ou até reinventar o mundo inteiro de raiz. Termino com uma pequena parte desse poema memorável – ao jeito de uma torrente de lava – que fala realmente por si (tradução da Margarida Vale de Gato):
“…um batalhão perdido de conversadores platónicos saltando o gradeado das escadas de incêndio dos parapeitos de janelas do Empire State além da Lua, patati‐patateando gritando vomitando sussurrando factos e memórias e anedotas e tripes oculares e choques elétricos dos hospitais das cadeias das guerras intelectos inteiros regurgitados em recordação total durante sete dias e noites de olhos brilhantes, carne para a Sinagoga atirada à calçada, que desapareciam para a Terra do Nunca da Nova Jérsia Zen deixando um rasto de ambíguos postais ilustrados da Assembleia Municipal de Atlantic City sujeitando‐se aos suores orientais e aos ossos triturados em Tânger e às enxaquecas na China sob uma ressaca de droga no quarto desmobilado de Newark…”. Etc, etc, etc.
Baudrillard, Jean. ‘América’. Verso, Paris, 1988.
Correia, Natália. ‘Descobri que era Europeia: impressões duma viagem à América’. Editorial Notícias, Mem Martins, 2002.
Vale de Gato, Maria (Ed., intro, trans. and notes) de Allen Ginsberg, ‘O Uivo e Outros Poemas’ (The Howl and Other Poems). Relógio d’Água, Lisboa, 2014.
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camuf-lado · 7 years
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Eu nunca disse ao meu pai “amo-te”. Talvez já o tenha dito à minha mãe, ocasionalmente, ou a algum animal de estimação. Mas ao meu pai nunca disse. Existe uma barreira invisível entre o meu pai e o resto do mundo. Talvez tenha herdado isso dele. Isso e aquela ideia rural de se achar alguém tão boa pessoa, quanto maior comida o seu estômago albergar. Se encher o prato duas ou três vezes, melhor.   Atenção, isto não é uma carta em catarse de despedida: o meu pai não morreu e também não liga muito a doenças. Daquelas graves, pelo menos. Uma vez, acho que o ouvi tossir, num verão que passámos juntos, como fazemos todos os anos, na praia da Cova-Gala, para os lados da Figueira da Foz. “Deve ser da água quentinha”, ironizou e passou o assunto a correr para um “se ressonar, virem-me de lado”, para mostrar que tinha pelos no peito. Não sei se é bom, ou mau, nem sei, muito menos, se preciso de lhe dizer “amo-te”, para ele saber que gosto dele, vá. O meu avô também nunca deve ter ouvido tal palavra da boca do meu pai. Se calhar é geracional. A alcunha do meu avô é Bonanza, em memória à séria da NBC, porque num baile de verão arrumou com um gaiato que andava a piscar o olho à minha avó, e em mais seis amigos. Sozinho, claro. Não fosse ele um beirão daqueles que arrota alto. Se ouvirem chamar-lhe “Mata sete” também é provável. Duvido que essas alcunhas sejam compatíveis com a audição de um “amo-te” por parte de outro homem. É certo que, na altura, esse comportamento também ia contra o cenário campo-caça-mãos calejadas pela espingarda, mas ainda assim tenho quase a certeza que o meu avô sabia que o meu pai o amava. Agora, sem balas nem ignorâncias à mistura, não há cá mariquices, na mesma, para ninguém e a história repete-se. Às vezes penso em que circunstâncias o poderia dizer e todas elas soam ridiculamente forçadas e/ou fora de sentido. “Então, o carro voltou a fazer aquele barulho a travar?” “Não pai, amo-te”. Ou, “então e as aulas?” “Está tudo bem. Amo-te, pai”. O meu pai preza os silêncios, mais do que as palavras. Talvez tenha herdado isso dele. E talvez por ele nunca perguntar eu nunca lhe tenha dito “amo-te”. Há um poema do Manoel de Barros que diz assim: “Uso a palavra para compor meus silêncios / Não gosto das palavras fatigadas de informar”. Descobri este poema no dia em que fiz 18 anos, e curiosamente, retrata bem a personalidade que herdei do meu pai.   Penso muitas vezes na facilidade com que nos agarramos a esse tipo de palavra cómoda e segura, por sabermos que tem um resultado prático imediato nas personalidades mais vãs, mesmo que, por dentro, não carregue significado nenhum. Se levarmos isto para a Semiótica de Barthes ou Saussure dizer “amo-te” fica, quase sempre, no espaço do significante e raramente passa para o do significado. Por exemplo, já disse muitas vezes “amo-te” ao Ricardo Barros numa época em que me fez 30 golos na segunda liga pelo Covilhã, no Football Manager. Se quisermos recuar, já o disse também ao Geovanni quando marcou de cabeça ao Manchester United. Não que não imagine o meu pai a fazer 30 golos numa época na segunda liga, porque quando joga à quarta-feira com os amigos marca muitos e de belo efeito. Mas não é o Ricardo Barros, nem o Geovanni. É o meu pai. Não vou andar por aí a dizer “amo-te” ao meu pai quando, na verdade, nem sabemos bem como nos cumprimentar. Vai a um passou bem e uma palmadinha nas costas? Arriscamos num beijo? É estranho pensar que é mais provável dizer “amo-te” à feijoada que como ao domingo, quando volto a casa, do que ao meu pai. Mas não creio que ele pense nisso, sequer. Duvido que, entre rebobinar um motor e outro, ele pare para pensar nisso. Mas eu acho que ele sabe até porque, aos domingos, ele é sempre o último a sair da mesa.
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croniquismo · 6 years
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Especial: O que aprendi em 2017
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(Imagem: Felipe Guga) 
Postado às 02:38
Por: Matheus Lopes 
2017 foi um ano tremendamente analítico. Profundo, poético, existencial. Um ano românico, musical, cheio de narrativas e caminhos. Literalmente caminhoS – com a maiúscula em destaque -: o pássaro, de uma hora para outra, saiu da gaiola. Caminhou, correu, sonhou mais ainda. Cronicou, editou, descobriu cinema, música e arte – mais ainda. O cronista descobriu seu lado mais humano possível, e passou a brincar com seus versinhos à beira da escada do ano, ao longo deste 2017.
Mas vamos começar do começo. 2017 foi chegando aos poucos, quando, depois de ir com as cargas n’água com a segunda fase da UNESP, passei a escutar a música “Stars”, do álbum homônimo do Simply Red. Aletoriamente, graças ao acaso de uma rádio. Foi uma loucura. Digo mais: uma nostálgica loucura. Parecia, nas entrelinhas, que algo me aguardava naquele momento, já que o resultado da Cásper Líbero não era favorável à minha ansiedade.
Contudo, depois de algumas semanas, de uma hora para outra eu já me via “contratado” novamente – pois, nesta de se encaixar na universidade, entre o colegial e a graduação, naquele tempo em que as aprovações pareciam distantes, eu e alguns amigos nos víamos, no comparativo, “desempregados”. A felizarda da vez foi a PUC de São Paulo. E como as coisas são curiosas, eu nunca tinha pensado na dita cuja Pontifícia. Não tardou, lá estava eu chegando para fazer a matrícula – curiosamente, naquela tarde, “Stars” tocava na Rádio Antena 1.
E eu não me esqueci do Hit. As primeiras semanas foram entrando, o primeiro semestre foi conquistando seu lugar. Nesta nova cena conheci pessoas incríveis e logo comecei a frequentar as reuniões de pauta do jornal do curso, o Contraponto. No começo eu fui sério, mais ou menos arrumado, com anotações, textos, e um leve friozinho na barriga. Mas logo fui apadrinhado pelo André, veterano naquele curso e no CP, e fui cada vez mais descontraído – não só no CP, mas naquela máquina estudantil toda.
O início na universidade não foi nada grandioso ou memorável. Foi engraçado, isso sim. O que eu queria de fato, além das aulas, era estar ativo produzindo. Foi aí que, além do Contraponto – onde eu passei a fazer reportagens -, com o incentivo do André e de alguns outros amigos, modestamente, eu criei este Blog, o CRONIQUISMO, onde passei a publicar minhas impressões e meus textos sobre determinadas situações acerca do cotidiano deste cronista que sente.
Paralelamente à produção de textos, eu conheci pessoas especiais e, sem dúvida, apertei mais o laço com aqueles que estão comigo em meu coração – e continuaram na minha “cidade (quase) natal”, Taubaté. Passei a explorar São Paulo com estas novas pessoas; saí da zona de conforto. Virei a noite na rua, experimentei, a conta gotas, o sereno da madrugada. Fosse em alguma festinha, expedição ou saideira qualquer.
Fui “adotado” em São Paulo, tanto pelos meus avós, que me acolheram gentilmente no ninho, de volta. Quanto aos meus amigos, mais precisamente Lucas e Isabella, que me apresentaram uma nova cena cultural, de diversão; ambientes efervescentes, alternativos e, posso dizer na maioria das vezes, românticos até. As energias flertaram bem, afinal, dividimos um triciclo, os três, certa vez no Parque Villa Lobos.
Um dos momentos mais incríveis de 2017 foi o dia do meu aniversário. Houve um episódio engraçado na faculdade e depois saímos para comemorar. Fomos ao Baixo Augusta. Estreando a maioridade. Dançando, abstraindo. Tonight, we are Young, já dizia a letra do FUN. Logo, depois de pernoitar na farra, naquela manhã segui para a amada Taubaté, comemorar com os meus a data emblemática. Marcando o final do dia com a incomparável pizza Margheritta da Cantina Gadioli, meu restaurante favorito neste mundo – pelo menos até hoje.
Amigos: com eles eu viajei, fosse à praia ou à montanha. Fosse no barato da novidade paulistana, fosse na casa da Camila, todos eles têm uma característica em comum: brilhos nos olhos – o melhor tipo de pessoas para se envolver. Românticos se atraem. Ou melhor, “semelhantes se atraem” – e pode haver sim muitas discordâncias, mesmo na semelhança salteada nas doces antíteses.
Além das novas caras, de toda amizade e do novo status na cidade grande. Vira e mexe me deparei com falta do passado recente. Da minha família que ficou no interior, do meu cotidiano no colegial. Em 2017 eu tive meu primeiro ataque de ansiedade. Sofri de saudade. Tive medo. Tive vontade de não voltar, depois das férias de inverno. Nestas mesmas férias, aproveitei o melhor que pude, me oxigenei com os afetos do passado recente e, como válvula de escape, já na primeira semana escrevi a crônica “Cartada da Saudade”, para este Blog, sobretudo para àquelas pessoas queridas que não me largam.
Foi uma boa combinação. Em 2017 eu explorei minha – chancelada – cidade natal. Peguei muito ônibus e ainda descobri um certo “fetiche” por nomes de ruas. Como Lulu disse, certa vez: “O Matheus é um GPS humano”. De certa forma, eu passei a fotografar na memória os caminhos que me levavam aos circuitos da cidade. Graças a mim e ao gene de um certo José Lopes. 
E não foi só andar de ônibus não. Em cada percurso aproveitei para adiantar a leitura – não é por menos, a máxima: “para escrever bem, precisa-se ler bem”. Foi o ano da literatura, da poesia e de Maria Bethânia. Voltando ao meu aniversário, na feita ganhei da minha amiga de todas as horas, Giovana Proença, um CD da abelha rainha. E foi brincar de viver. Escutando e, depois, mergulhando na antologia da dramática Bethânia que, quem diria, abriu as minhas veias mais profundas, juntamente com Pablo Neruda, para começar a trilha poética das madrugadas.
Depois de chegar em casa às três da manhã, por causa do show de um certo Sir britânico todo cheio de purpurina, a minha produção criativa fincou-se na madrugada. Sempre ela: a companheira dos escritores. No meu caso, um modesto cronista em início de carreira, graças ao (des)compromisso que estudar à noite causa, a maleabilidade da rotina me permitiu aguçar essa produção. Foi a melhor coisa que me aconteceu – esse surto artístico -, em 2017.
Ao todo, somam-se vinte e dois livros lidos, e centenas de escritos. Entre crônicas, poesias e “coisas mais sérias”. Eu me amarro mais nas duas primeiras, sobretudo a crônica que, novamente, pelo grande sopro do acaso, acabei sendo enviado para fazer um curso sobre literatura – e, também, sobre crônica – na Universidade se São Paulo, a USP, com o professor mais elegante que eu já tive.
E lá estava eu já no segundo semestre. Aí já estava sentindo o doce mistério da vida, degustando a subjetividade, dos versos às cores, das cores e flores, do amor, dos cataclismas e carnavais diários. Passei, finalmente, a acordar cedo, para frequentar as aulas de literatura, e nisso a primavera me pegou em cheio. Tão poética, tão efêmera como as pétalas que caiam ao chão, da mesma “Pétala” que Djavam cantou e, por um dia, arrumei um amor tão efêmero quanto o mesmo relógio que findou aquele discípulo de Platão. Aprendi, intensamente, a florear mais minhas elucubrações.
O ano da noite. Da poesia. Da vida. Da melodia. Narrativas, personagens, novos cenários, fossem fotografados ou descritos em texto, cada parte do todo, nesse quebra-cabeça subjetivo, passou a pintar - do púrpura ao anis - um tom tão significativo, camaleônico de paleta, ao meu retrato, ao longo das minhas aventuras do pensamento. 
 Vários sentimentos passaram a compor minha banca de emoções. Foi o ano que eu mais chorei, fosse com as nostalgias e lembranças que “Brincar de Viver” me trouxeram, com as óperas de Abel Korzeniowski, ou com a declamação de um trecho do Guardador de Rebanhos -“Poema do menino Jesus”-, escrito por Caeiro, interpretado por Bethânia. Que catarse incrível, que doce ode ao infinito, chorei estrelas como um menino reencontrado, àquela noite, e escrevi o meu texto mais significativo de 2017, a crônica intitulada de “O que toca o seu coração? ”.
Eu me senti tão seguro neste momento, que passei a observar, com uma minúcia tão artística, mística e individual, o que a cidade me dava, e o que aquilo impactava na minha vida. Fosse a “Árvore Pablo Neruda”, repleta de flores vermelhas, que depois pelada ficou, fosse o poema “Chuva amarela de primavera”, dedicado ao meu amor floral, inspirado na noite púrpura em que eu morri de vergonha por um quase beijo, a vida me dava esta história, e graças a ela eu escrevo agora, por uma vocação.
2017 me trouxe vários questionamentos sobre espiritualidade. Sobre amor, sobre família. E sobre àquela família que nós encontramos ao longo da vida. Foi um terreno fértil, culturalmente e emocionalmente, em que plantei, nas páginas que me cederam, o melhor de mim. Felizmente, diamantes são eternos, e nós não. Mudamos a cada dia, o que passou, passou. A ganga foi lançada fora! Afinal, para não bordarmos a lamentação, encrusta-se ao escrito que dedico a 2017: diamantes nuvem, voláteis. Pérolas da imaginação.
Para findar o texto, a minha sorte foi achar uma vasilha, como este espaço, para guardar, para sempre na memória, minhas pérolas mais valiosas deste ano de 2017. Quem diria: absolutamente nada, no meu sonho mais faceiro, chegaria ao cardápio itinerante deste pequeno livro que, ousadamente, batizei como “dez anos em um”. Doces sonhos, que navegam entre as intermitências da vida, da poesia, do banal, do místico. Eterno mesmo foi o amor, que só aumentou no ano de 2017. Obrigado a todos os envolvidos. Au Revoir
À Sofia, Suzzy, meus avós, minha irmã, meus irmãos de coração, carne e alma
PS: Um obrigado, mais que especial, aos referidos e homenageados ao longo do ano nestes modestos textos. Sem vocês, eu não existiria. Bjo.
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sophigo-blog · 6 years
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diários (transcrição)
Eu li os textos dela num blog, na Internet, e não sei como me senti. Na verdade, sei, e bem: como se eu estivesse invadindo a sua privacidade, espiando através do buraco da fechadura na direção de algo demasiado íntimo e pessoal. Enquanto lia, voraz, tentei amaciar minha culpa pensando que ela já me mostrara aquelas palavras, noutra ocasião. Assim, não me era proibido lê-las. Além disso, quão íntimas podem ser as palavras, uma vez proferidas e, mais, publicadas? Eu li os textos e dei-me conta de que, nela, há uma vida inteira sobre a qual eu não possuo regência, facetas e sentimentos que eu desconheço, pois nunca se direcionaram para mim. Li seus textos e foi como observá-la de outro ângulo, a partir de uma perspectiva tão distinta que mal a reconheci: mudei a inclinação do caleidoscópio, e enxerguei tudo em novas cores. 
Engraçado, como o amor é uma questão de linguagem. Amar, acredito, é basicamente aprender o discurso amoroso do Outro, mas isso pode tornar-se um problema, porque todo discurso vem maculado de amores mais antigos, de discursos anteriores, dos quais o meu Eu não faz parte, cheio de palavras que inevitavelmente desconheço; e esta é uma realização tão difícil quanto dolorosa e incompreensível, pois fere o que há de ego e narciso em mim, claro. Gosto, porém, de ler os textos dela. Acho, de verdade, que ela escreve bem. Inclusive, já lhe disse várias vezes que deveria voltar a escrever com frequência —  faz bem primeiro para si mesma (catarses serão sempre benéficas) e, depois, pro mundo: as pessoas até que merecem saber das nossas visões individuais acerca da existência. Ainda que quase sempre pessimista, nos textos que li, trata-se de uma visão de peso, que me cativa e encanta. 
[recado para ela: escreva, escreva, escreva! Crônicas do seu cotidiano, e das histórias improváveis que acontecem diante dos seus olhos castanhos (que não são sem graça, veja bem). Escreva cartas e textos e poemas de amor romântico para mim — um tanto quando cafona, mas é verdade. E, confesso, irei adorar: sinto falta, às vezes, de palavras e coisas concretas vindas de você. Eu, a todo momento, me abro diante de você, com minhas linhas e palavras escritas atrás de papéis e manchas de aquarela: será que a exposição constante te cansou? Não sei, não sei, vez ou outra te noto tão fatigada, não sei se comigo ou com o mundo]
Resulta estranho, ler tudo o que ela escreveu, por conta de duas sensações distintas. A primeira, até que agradável, e um tanto curiosa, é enxergar no seu discurso, mesmo de anos tão passados, coisas que ela já disse pra mim, coisas sobre as quais já conversamos — talvez os pilares de seu pensamento, as questões que rodam sem parar na sua cabeça. Eu também tenho as minhas questões centrais, os problemas que me constituem como gente. Assim, é cômico e angustiante, em iguais medidas, notar que ninguém nunca resolve suas questões primordiais, que elas voltam e voltam e voltam, ainda que de novas roupagens. É preciso constantemente divagar sobre nossos traumas e recalques freudianos, correto? Somos, todos, tão atormentados.
Foi um tanto invasivo, mas delicioso justamente por quase constituir delito, observar as mudanças pelas quais ela passou, os dramas que enfrentou…
[outro recado, diretamente para ela: coisas que enfrentou tão longe mim. O divórcio, a dúvida, o amor, a rejeição. A dor da perda, uma vez depois da outra. Tudo isso você atravessou sem minha mão junto da sua; como eu mesma caminhei, sem sua companhia, pelo vale das sombras, repetidas vezes, e quase me perdi. O que teria sido de nós, se estivéssemos na vida uma da outra antes de nossa colisão? Eu sei lá. Mas a única vontade que eu tenho, ao ler suas tristezas inevitáveis de menina e adolescente e jovem adulta, é voltar no tempo de cada relato triste e impedir, com meu corpo, que as dores te atinjam. Ou, no mínimo, ser capaz de beijar e curar as cicatrizes que o mundo te causou. Te amo]
Lendo, observei  —  de longe e de cima, com o olhar privilegiado do amor e da intimidade  —  os caminhos que ela teve de trilhar para tornar-se quem é, hoje: esta a quem conheço, só talvez melhor que a maioria. Esta a quem eu amo, e tanto. A quem admiro como ser humano. Gosto de perceber as personalidades que ela teve de criar pra viver consigo mesma: eu também (de novo colocando-me aqui) precisei fragmentar-me a fim de sobreviver, e em cada canto que estive, fui uma. Hoje, acredito estar mais estável — ainda que, de vez em quando, minhas estruturas se abalem, e eu sinta meu império frágil e arenoso, rachando, e meus outros egos escapando por entre as frestas que nunca serei capaz de fechar (afinal, há sempre uma falha. É por onde a luz entra). Pergunto-me o quanto das personalidades dela, esplanadas nos textos que li, todavia vivem no seu corpo e mente, e como e quando e porque ela as reprime ou demonstra.
Minha outra sensação, ao ler, é a de notar comportamentos dela que eu nunca pude enxergar, mesmo a conhecendo há tanto tempo, a vendo tão próxima, quase sempre olhos nos olhos: uma espécie de melancolia enorme, sobre a qual ela fala com cautela (como se temesse abrir uma torneira, e deixá-la escapar), mas pouco demonstra. Além disso, é quase que dolorido notar o amor que ela sentiu, ou sente, por outras mulheres, tão além de mim: mesmo sendo quem eu sou, e pensando como penso, em grande liberdade, me dói um tanto. Passa, é claro, quando racionalizo, lembrando-me que também já senti, forte e intensamente, por outras que não ela.
Mas a comparação, ao modo do que acontece entre irmãos, é inevitável, e parece-me que cada célula do meu ser pergunta-se, apesar de minha resistência e vontade de ser mais e mais liberta dessas amarras e feiúras: será que ela me ama tanto assim? Será que algum dia amará? Não quero, nem devo, nem posso, me comparar (cada amor é único, eu sei disso). Porém, não consigo evitar, e dói tudo, e sinto que o amor dela, por mim, seja talvez um pouco menor, e um pouco mais brando. No entanto, pensando em mim mesma, será que a brandura e a pequenez (e a calma e a tranquilidade, e a linha reta que se traça na direção do futuro) não advém com a madurez, este momento no qual nós duas estamos inseridas? Não seria natural, procurar por romances menos voláteis, que queimam menos? Não sei. Das nossas próprias narrativas, creio, nunca enxergamos a real grandeza — talvez a questão seja essa. E somos grandes ao nosso modo. E, no início, queimamos: estranho tudo ao meu redor, ao notar que a chama possa estar se extinguindo, tão aos pouco que não a percebo sumir. 
Distancio-me, com toda minha racionalidade, da comparação, e obrigo-me a ler os textos não como a companheira que espia a outra pelo buraco da fechadura (que feio!), mas como a professora de Literatura e Gramática e Redação, coordenadora dos códigos e linguagens, e ávida leitora desde a infância: devo analisá-los friamente, pela sua qualidade intrínseca, e para nosso próprio bem, sem personalizá-los. Vejo, é claro, pequenos deslizes de concordância e vírgula, mas nada ululante — se fosse minha aluna, faria alguns círculos vermelhos na redação, nada exagerado. Sinto a sua poesia. Sinto a amargura, a melancolia, o amor, a confusão, a saudade, o tesão, o vício, a dor, a alegria, a paixão. Sinto tudo isso, junto desta que observo de longe, como se não a conhecesse, enquanto a leio. O importante é sempre sentir, portanto, a avaliação é positiva. 
[terceiro recado, para ela, é claro: mesmo através de caracteres virtuais, palavras flutuando na nuvem, você me atinge. Me contamina, me inunda, me fere. Por que carajo você tem esse efeito em mim? Ainda e ainda e ainda. O que me fode é que eu nunca saberei do efeito que tenho em você...]
Não sei se ela gostaria de saber que li seus textos. Não sei, não sei, não sei: afogo-me na dúvida. Independentemente da resposta dela, eu os li, e foi como se a abrisse  —  feito Tomás, em Insustentável Leveza do Ser  —  com um bisturi metafórico, e espiasse suas entranhas poéticas, e percebesse, embebida de sentimentos contraditórios, que o amor é isso mesmo: a difícil realização de que alguém, para além de nós mesmos, é real. Ela é real, e existe além e antes e depois de mim, e tem toda uma subjetividade que sempre me escapará um pouco, e arestas que não poderei nunca aparar. Quão bonito, e terrivelmente doloroso, é isso?
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