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andreylima · 5 months
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A loucura do amor
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Quando estamos apaixonados somos possuído por uma loucura inebriante. Queremos estar perto da pessoa amada, sua presença cura nossas dores, e sua ausência nos faz sofrer ainda mais. Neste sentido, alguns se questionam: é saudável estar apaixonado?
Pois o sujeito apaixonado não é senhor de si. Dependente, submisso, seus humores variam de acordo com a presença ou ausência daquela pessoa que ama. Alguns preferem viver com aqueles por quem tem simpatia uma leve amizade à serem tragados pelo oceano da paixão.
No texto do Fedro, diálogo escrito por Platão, Sócrates é confrontado com tal questão. Inicialmente, Sócrates era da opinião de que o amor era uma loucura desvairada, sendo, portanto, melhor abster-se dele. A amizade era um sentimento muito mais comedido e temperado para uma vida sensata e racional.
Contudo, como bem sabemos, Sócrates conversava com espíritos. Talvez tenha sido isso que lhe fez tão sábio em seu tempo. Na história contada por Platão, seu dom mediúnico fez com que Sócrates entrasse em transe, e possuído por um daemon, o filósofo faz um novo discurso sobre o amor.
Em seu segundo discurso, a loucura do amor é digna de elogio, pois nem toda loucura é sinônimo de desrazão. Há aquela loucura divina, inspirada pelos deuses, na qual estaria incluída o amor.
Aquele que ama delira, mas porque é possuído pela visão dos deuses, encontrando em outra alma a essência da beleza das esferas superiores do Universo. Diz a tese platônica que amamos o belo porque ansiamos retornar ao estado divino do qual originalmente viemos. Quando amamos alguém, é porque encontramos na pessoa amada o belo que cativou a nossa alma.
O amor é para os insensatos. Entre nele apenas se estiver disposto a lidar com os arcanos da paixão, negociar com deuses e realizar os pactos mais obscuros.
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andreylima · 5 months
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Como criar o novo? (ou porquê sou estranho)
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Uma vez ouvi que o desejo é repetição. Isto é balela. O desejo quer o novo. Somos movidos pela curiosidade. Quando se quer o mesmo, é porque queremos voltar à sensação de quando tivemos aquilo pela primeira vez, satisfação perdida, tentativa alucinada de repetir o velho como novo.
Repetimos apenas porque queremos sentir com aquela pessoa, aquele encontro ou aquela coisa como da primeira vez, quando ainda era novo. Porém, na vida adulta o novo é muito raro. É algo infantil. Quando crianças, somos capazes de assombrar-nos com o mundo. Depois tudo se torna conhecido e pouco original.
Nossa cultura mergulhou na banalidade das mesmas fórmulas para um público mal acostumado. É o "fan service". Cria-se para satisfazer o público em suas paixões repetitivas, e não para ser realmente original.
Tenho preguiça da nossa cultura. As séries de streaming são entediantes, as músicas parecem as mesmas, os filmes sempre sabemos o seu final. No mundo dos algoritmos, tudo se reduz a uma fórmula repetida ad nauseam. Ainda conseguimos encontrar algo que pode nos encantar como crianças?
Tenho pena das pessoas mais velhas que estranham este mundo. Elas culpam os LGBTs, a cultura woke ou sei lá mais o quê, pois tudo lhes parece estranho. Tenho pena porque elas não conseguem entender o estranhamento como novidade. É por isso que a nostalgia é um grande mercado hoje: as pessoas querem voltar às mesmas satisfações conhecidas.
Eu gosto de experimentar coisas novas. Pode ser uma comida diferente, uma música alternativa ou uma posição na cama pouco usual. No começo, a novidade parece errada. Mas é natural que pareça.
Um músico que descubra um som novo deve soar necessária estranho aos nossos ouvidos. Afinal, se fosse familiar, não seria o novo. Seria o mesmo. Por isso amo a estranheza. Aquelas fotos inadequadas que descartamos, elas são o novo que perdemos. O novo é ainda inadequado.
Quero pensar o impensado. Mas para isso não posso pensar com as mesmas categorias. É preciso pensar sem o pensamento, sem a cabeça. Penso com os pés, com as mãos, com os quadris. Penso com a água, com o vento, com a saliva e com o cabelo. Penso com o estranho. Deixo o novo pensar.
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andreylima · 5 months
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Dos aniversários
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Recentemente tive mais um aniversário. Dizer que as coisas mudaram com o tempo é um erro que não me permito mais cometer. Pensar que eu mudei com mais um ano de vida é supor que existe um eu, algo como uma essência que exista independente do tempo, e que muda sob sua influência.
Temos dificuldade de pensar o tempo, dizia Bergson, porque sempre lidamos com ele como se fosse um espaço. Dividimos e subdividimos o tempo em frações, compartimentos, quantidades. São horas, anos, fases ou até eras. O que se perde assim? O tempo enquanto fenômeno. O tempo como transformação.
Vemos as coisas como antes e depois. Estágios. Não vemos a mudança. Somos crianças ou adultos. Novos ou velhos. Ignorantes ou sábios. Inexperientes ou habilidosos. Mas em que momento uma coisa se torna outra? Quando é que abrimos os olhos e, instantemente, já somos outros?
Como diz François Julliens, as transformações são silenciosas. Elas não cessam de acontecer, e por isso mesmo não as percebemos. Só conseguimos nos dar conta quando já são outra coisa. O verão virou inverno. O gelo virou água. Mas e os "entres"? Existe um limiar em que os dias não são nem verão nem inverno? A água não é totalmente sólida nem líquida?
Toda filosofia ocidental se torna inútil. Não temos categorias para pensar as transformações. Os grandes sábios gregos viam apenas o Ser e o Não-Ser. Não temos uma forma de chamar algo que é mas também não é.
Eu não sou novo, tampouco sou velho. Posso ser chamado de uma coisa ou outra de acordo com o referencial, mas isto não resolve o problema. A única coisa que posso afirmar: sou envelhecimento. Eis a morte do sujeito. Não sou um sujeito que envelhece. Eu não faço nada para que isto ocorra. Simplesmente acontece.
Tampouco sou objeto, substância, já que não sou uma coisa que envelhece. Para isso teria que ser novo ou velho. Admitir que sou uma destas opções seria o mesmo que achar que o gelo não é água apenas porque está sólido ou que os dias de verão não são quentes apenas porque estamos no inverno.
Eu só existo como passagem do tempo. Chamamos isto de devir. Mas não há algo que devém. Não houve um Andrey que fez aniversário. Foi só uma brisa que soprou.
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