Tumgik
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Aprender
Quando na pureza do momento Às vestes do ceifeiro mercenário A escuridão é a difusão do intento A profecia revela o pior dos cenários Quando na luz do recluso interior Uma insípida contradição se apresenta A terceira alegria, a moção de ruína e amor O louvável traço é agora a tormenta Quando no intrépido senso dos porquês A descoberta da coisa mínima Surpreende mesmo no ocaso iminente Que o passo dançante ensina Que o palpável sorriso edifica a mente Quando na face do paradigma Um vislumbre fugaz, fascinante Que na anarquia do movimento O caos é paz borbulhante O mesmo caos que foi sofrimento É agora o valor do instante
Renan Vitor
— Topologia da Decadência
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Semântica
Se a paz de amanhã é a guerra de hoje O sofrimento é a única constante Se a vida é tudo que se é e que se fez A morte é um deus amante Para todo o sempre um fim haverá Até mesmo o implacável tempo sucumbirá Se ao nada tudo está destinado  Que o momento seja o significado
Renan Vitor
— Topologia da Decadência
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A Morte
O abismo das covas desérticas Os vermes, o óleo, o sangue da terra Meus olhos procuram a guia No negrume que nos encerra Faculdades mentais desgovernam Os sentidos vacilam, obliteram Carregando o fardo da eternidade Conheço a primordial entidade As lascas de ossos queimados Chamuscam no ar sob a noite A presença mais sombria dos seres Rasga o espaço-tempo sua foice Cumpre a arte do desvanecimento Das estrelas ao mais minúsculo ser Varre as rachaduras da existência A luz do verbo viver é morrer Renan Vitor
— Topologia da Decadência
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A Beleza do Mundo
A cada segundo o tempo transforma Tudo que serei, o que acreditei E olho pro céu, vejo a forma Do caos que criei, da paz que sonhei Se sou, então, escravo do inevitável Um mero poema é o meu dilema, a minha questão Onde vou buscar sentido do interminável Se de onde venho, tudo que tenho é a minha razão A beleza do mundo é o detalhe de tudo De tudo que vive, que cresce, que morre, que existe Que encontra, que sente Que perde, que entende E cada suspiro, completo e inquieto A fonte do ser, a glória de viver Se mistura num fim dócil e discreto Porque tudo que existe merece desaparecer.  Renan Vitor  
— Topologia da Decadência
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O Império Ilusão
Um sonho lúdico, ingênuo Morto, na pequenez da autopercepção Estado de podridão inevitável Triste legado de comiseração Misericórdia aos porcos A supremacia da vaidade Envolve a mais abjeta circunstância Da busca infeliz pela felicidade Aquele que vive, sente que mente, mente que sente Esquece da mente e mente imaginar Imagina a razão, mas pede perdão De corpo ao chão se põe a orar E a mais solitária conclusão Num mundo plástico e superficial O esplendor do Império Ilusão É a decadência sob a alcunha social No clímax da negação, um sorriso letárgico Do eterno ao pó, termina o sono mágico A lâmina, o som, o grito mais forte O triste e sábio silêncio, governador da morte. Renan Vitor  
— Topologia da Decadência
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Deus Avertat!
"Da tradição corrupta à imagem e perfeição Sou tal, como tal rejeito ser Visto-me como deus e tu és meu sacrifício Ofereço teu suor, tua dor é o meu poder" "A morbidez pueril de teu julgamento  Sou não mais que um inimigo aos olhos teus  Condena-me por viver o que não vives  O que somos nós? O que aconteceu?” O sumário das dores não confluem  O resultado é ilusão e desrespeito  Livre arbítrio, já não há definição  Mata e é morto, guerra sem preceitos Chuvas de sangue não lavam pecados  Escarnece a empatia, bajula egos inflamados  Somos aqueles que nunca verão o amanhã  Estamos ocupados demais brincando de deus e satã. Renan Vitor
 — Topologia da Decadência
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Desesperava-o, sobretudo, não ver nos outros o ar de perplexidade que lhe mostrasse ter iguais na inquietação. A perplexidade dos outros era o resultado de desgostos íntimos, de faltas de dinheiro, de amores mal correspondidos, tudo menos a perplexidade provocada pela própria vida, a vida sem mais nada.
JOSÉ SARAMAGO; personagem Abel, Claraboia (1950)
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Misantropia
O reflexo e o espelho, o trompete anuncia O sábio virtuoso, dominador da incerteza O justo hipócrita, a pequena megalomania A indiferença, a maior virtude da natureza A preguiça se torna convicção Símbolo da tola e ignorante condição A pobreza de esperar o esperado Ver sem ter visto, concluir sem ter pensado Tal pobreza virtuosa gera dor, e esta o ódio Uma arte que apodrece qualquer reflexão Mas o ódio se dissipa e fica o desalento E a dor que não é arte, no fim, é apenas solidão Renan Vitor
— Topologia da Decadência
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Esse é o problema do mundo, todos estão sempre entediados. Explicam-te a natureza, isso te entedia. Explicam-te o corpo humano, isso te entedia. Explicam-te o universo e isso te entedia. Então, agora você só quer emoções baratas e gosta bastante delas, e não importa quão espalhafatosas ou vazias elas sejam, desde que sejam novas, contanto que sejam novas, contanto que pisque e apite em quarenta cores diferentes.
Naked (1993)
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Finito
Padeço, no limite da carne Devassidão, consternação, finitude Tornar-me-ei qualidade de matéria O retorno à gênese, plenitude Frialdade e desespero, tudo desaparece Resta-me o tétrico, a mortalidade Apenas a essência do existir A bela arte da simplicidade Nessa hora, o que é trivial permanece calado O fluxo, o Cosmos inexorável Altivez é extinta, vai junto ao finito A perversão transforma-se em paz, paz de espírito Renan Vitor
  — Topologia da Decadência
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Como devem ser vastos esses orbes, e quão desprezível é a Terra, o Teatro no qual todos os nossos poderosos projetos, todas as nossas navegações e todas as nossas guerras são transacionados, quando comparada com eles. É uma consideração muito apropriada, e matéria para reflexão, quanto a esses reis e príncipes que sacrificam a vida de tanta gente, só para se jactarem em sua ambição de serem senhores de algum canto miserável deste pequeno lugar.
Christiaan Huygens, Novas conjecturas a respeito de mundos planetários, seus habitantes e suas produções (1690)
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Fendas, Palavras e Misérias
CAPÍTULO I
   Um dia, talvez, o grande esquema das coisas se revele como os riscos aleatórios do chão quente sob o sol, ou como os erros ortográficos irreparáveis e ilegíveis escritos a caneta, abandonados nas folhas sujas do caderno do mundo. Se há um escritor é cabível presumir sua ignorância quanto às sutilezas da linguagem, afinal só se podem ler as palavras "caos" e "solidão", por isso as rachaduras no solo da existência me seduzem mais, o calor é insuportável mas pelo menos há luz.
  Mas se eu disser que essa luz me cega e que o chão queima meus pés, que o suor empapa minhas roupas fétidas, que minhas mãos feridas tremem, que minha pele imita as rachaduras do solo, tu, leitor, perceberás que perdeste precioso tempo - ó tempo, filho da morte, patrão das coisas vivas, inimigo ou cúmplice de Parmênides - ao ler devaneios insólitos de um operário. Sim, um operário, uma torpe mão-de-obra barata que caleja as mãos ao tentar manejar a variedade áspera e abjeta da existência. Um cativo das leis da natureza, uma marionete dos sentidos, ludibriado pelo abraço da vontade, morto de sede de respostas. Proletário sou porque vendo meus esforços pelas migalhas da compreensão. Se alguém já o disse, eu reitero: a vida é labuta.
  Não importa quão sofisticado é o discurso, estamos sempre sujeitos ao erro. Ora, talvez seja o Erro o pobre escritor, talvez a própria Morte... A cada desvario nos aproximamos mais da escassez metafísica, do puritanismo da eterna ignorância. Mas pensar é a razão primeira, é o clarão instantâneo que permite toda a expressão, é a preciosidade sublime da patologia a qual chamamos de consciência. E sob as secreções do Ser, encontramo-nos no único momento, um ínfimo tempo de Planck, no qual somos capazes realmente de ver beleza nessa doença. Abraçar esta filosofia é dar asas ao pensamento.
  E se tu aprecias esse falatório, então fomos capazes de entorpecer momentaneamente a solidão. Reflexões diriam, talvez, que é apenas isso que nos resta. O senso de completude que nos dirige à ação é o limiar do autoengano. O caos nos constrói para sermos vazios, e a ilusão da identidade é o paliativo remédio que mitiga os espasmos dolorosos de se perceber neste mundo.
  Mas a autopercepção é como contar uma história, instante a instante sendo escrita enquanto a vida flui na viscosidade do mar existencial. E já que estamos todos aqui, fortuitos, filhos de estrelas, sonhadores de futilidade, jogados num grão de rocha e metal, formados por grãos ainda menores, gravitando eternamente em direção a um fim desconhecido, vale a pena compartilhar tais histórias, unir-nos sob o laço comum da solidão.
CAPÍTULO II
   Embora tenha julgado necessária uma introdução presunçosa e dramática como esta, a história que contarei é uma história sobre o ódio. A fragilidade humana se alastra como um fungo no passado e no presente da civilização. Cada espécime humano que pôde experienciar o mundo de forma consciente contemplou a colisão assustadora entre a debilidade e a indiferença. O ódio a que me refiro é o ódio instantâneo, ódio pela existência, um estado pleno de repulsa ao absurdo de Ser. Porém, veja, não é ele o objeto frágil do espírito humano, mas sim a covardia em desprezá-lo mesmo sendo um elemento fundamental da vida, um propulsor de determinação.
  Talvez não seja sobre o ódio em si, mas a experiência de vivenciá-lo, de ser preenchido por ele. Essas palavras podem ser vistas como um manifesto antirreligioso, porquanto o amor é taxado como o edificador dos alicerces universais pela maioria dos doutrinadores clérigos, mas não é sobre isso que o texto se trata. Amor e ódio não são vistos aqui como contraditórios. Amar a morte não é o mesmo que odiar a vida.
  Somos de carne e a todo momento rejeitamos as extravagâncias heterogêneas que decorrem dessa proposição. Queremos o mundo mas o que temos é a corrupção do espírito, queremos plenitude mas o que temos são caixas vazias que preenchemos com o sofrimento. Nossa existência está condicionada a todos os elementos da realidade, e assim sendo, o futuro é tão digno de nós - nós em todas as nuances vazias - quanto o seria se nós não houvéssemos.
CAPÍTULO III
     Pressuponho que já seja hora de apresentar-te a certos aspectos do mundo. Do meu mundo. Vivo uma vida cínica, abundante em pensamentos, redundante em ações, oscilando entre a mediocridade e a megalomania, entre o silêncio e o martelo. Minha casa é simples, meu trabalho é penoso. O suor banha meu corpo todos os dias e o vento traz dos céus o alívio. Minha função é martelar pesadas placas de metal banhadas em óleo que, quando juntas, formam o molde das paredes internas e externas de um apartamento. O molde é preenchido com concreto e a habitação está pronta. Retiradas as placas o mundo volta a girar novamente. Tão simples, tão fugaz, um suposto lar no qual interesses serão materializados, futilidades serão discutidas, ânsias e fracassos morrerão no fluxo passageiro do esquecimento.
   Neste mundo giratório, tomado por florestas sólidas de concreto, metal e pessoas, não há fluidez ou ternura, apenas brutalidade, conformismo, passividade. O olfato capta apenas o cheiro acre do movimento constante, o céu não mais tem cor, a maleabilidade líquida só é vista no suor e nas lágrimas.
   Tenho sonhos todas as noites e, estranhamente, nunca os esqueço. Eles tem cores que nunca vi, formas surreais, superfícies infinitas que carregam uma tristeza que não é só minha, mas do mundo inteiro. Esses espetáculos sempre impressionam os meus sentidos a ponto de me sufocar, e com isso, acordo em desespero, no frio na noite, no calor do ódio. Escrevo todos os sonhos em detalhes num caderno negro, velho, com páginas amareladas. Não há uma razão específica que justifique esse registro diário, é apenas um impulso frágil, e como a vontade se tornou um objeto raro, escrever neste caderno se tornou um hábito obrigatório.
   Há muitos como eu que fazem do martelar constante uma trilha sonora, são meus colegas de faina. Eles gritam vulgaridades durante o expediente e insistem que o êxtase narcótico e a satisfação sexual são as verdadeiras razões pelas quais nos submetemos ao trabalho excessivo. Eu, na verdade, sempre repudiei essa necessidade de entorpecimento, que, frequentemente, se revelava como uma exposição cômica de fraquezas e em constrangimentos evitáveis. Mas uma reflexão pouco profunda mostraria que minha abjeção às distrações comuns era nada mais que um aspecto dos meus próprios vícios morais, especialmente o pedantismo e a hipocrisia.
   A principal diferença entre mim e meus colegas era a de que eles trabalhavam em função do dinheiro e dos produtos dele advindos. Eu, por outro lado, cresci nessa labuta, o som do martelo é a música da liberdade, o silêncio é opressor. Liberdade de pensamento essencialmente deliberada pelo hábito, que construiu a necessidade. Necessidade é prisão. Estou preso a esse devir sonoro por imprescindibilidade filosófica, isto é, só consigo pensar ouvindo a harmonia metálica do martelo. É como se minha consciência, minha mente impaciente estivesse no meu braço direito.
   Muito poderia ser dito sobre as minúcias dos meus dias mas já basta enganar a mim mesmo no que diz respeito ao meu infalível julgamento quanto às coisas mundanas, enganar os outros não é do meu feitio, apesar de encontrar certo júbilo nas tolices humanas. Porém, esse júbilo ocorre apenas num primeiro momento. Imediatamente depois um longo monólogo silencioso se desenvolve na minha cabeça e as mesmas amarguras e melancolias renascem das cinzas da minha disposição cognitiva. Observar de perto o que nós somos, cada fragmento arrogante de conjeturas sobre a vida e a morte, cada urgência programada biologicamente para sugerir significado, cada preconceito e intenção dúbia entranhados em patéticos caprichos sociais, contemplar esses detalhes sórdidos compilados revelam apenas fragilidade e tédio.
   O que posso dizer do meu passado senão uma mera interpretação de memórias maculadas pelo tempo e pelo cansaço, aglomeradas no fundo do meu cérebro juntas a tantas outras lembranças, prejudicadas pela subjetividade e perspectiva? O conhecimento da realidade só existe mediante memória e testemunho, e disso não demora a conclusão de que a incerteza é a única certeza. A dúvida é o devir do mundo e o legado a maior das ilusões. E se do passado temos as memórias, do futuro temos as expectativas, as traidoras da serenidade. O futuro é uma repercussão, uma teia acústica de ecos que se perdem para sempre.
   E desses dias que já se foram eu escolho um que foi, para o mundo, um representante da mediocridade, não fez mais calor ou ventou mais que o costume, as pessoas eram as mesmas, as mesmas dores, as mesmas alegrias, apenas, talvez, mais cicatrizes que no dia anterior... enfim, um dia. Nesse dia em que o martelo ressoava e cortava o ar com a força habitual, eu e meus companheiros ocupávamos o terceiro andar de um prédio em construção. Eu trabalhava nas placas das paredes internas, minha mente, como sempre, estava divagando sobre alguma frivolidade filosófica - a qual não consigo, no momento presente, lembrar-me de nenhum detalhe - quando subitamente, uma náusea perturbou meus reflexos de modo que uma vigorosa martelada atingiu o encaixe entre as placas, derrubando toda a estrutura sobre mim. Talvez o esforço excessivo, talvez o meu inconsciente buscando se desligar da realidade, talvez uma vontade absurda de assassinar a monotonia. Não se sabe a origem do equívoco, apenas os resultados dele.
   A placa mais pesada esmagou meu braço esquerdo, amputando-o ali mesmo. As outras me causaram ferimentos leves. Eu encarava minha vida se esvaindo pelo coto que um vez fora uma parte do meu corpo, num fluxo de sangue que era hipnotizador. A metáfora irrisória arranha a hermenêutica desse cenário angustiante, todavia, vestindo-me de poeta, ela se faz necessária aqui. Eu vi naquele momento que a extensão das minhas preocupações, que o acúmulo das dores não ditas, que o labor inseparável da vida, a totalidade do meu Ser, a ilusão, tudo confluía, como o sangue que escorria pelas fissuras do concreto e caía num mesmo solo, tudo convergia na mesma reação violenta e vívida dos meus instintos mortais: o ódio. Odiei a existência naquele ínfimo instante, não pela dor do ferimento, mas pela antiga ferida purulenta que, agora exposta, escondia-se antes na cadência seca e confortável da passividade. Odiei a fraqueza do medroso e a força do arrogante, odiei a honestidade do assassino e as mentiras do inocente, odiei o impulso dos idiotas e a lassidão dos sábios. O ódio fez de mim, apenas naquele instante, uma obra de arte tenebrosa e bela.
   O contraste entre a completude subjetiva de uma infinitesimal parcela do tempo e o vazio de tantas outras vidas tomadas por inteiro, mostra o poder ilusório das feições as quais nossas identidades se apoderam. Fui capaz de ser, por um átimo, o ser vivo mais verdadeiramente vivo de todos. Um grito separou esse instante eterno de meditação do grande lapso temporal no qual as consequências práticas do acidente tomavam forma. Nunca mais fui o mesmo e ao mesmo tempo nada mudei.
CAPÍTULO IV
   Como eu disse antes, tudo que posso oferecer é uma visão distorcida da realidade, ainda que esta fosse, para mim, naquele momento, o maior dos fardos, o que poderia implicar, talvez, que a minha percepção dos fatos era a mais precisa. Entretanto, muitos discordariam do meu relato taciturno sobre o evento. Especialmente os que se encontravam no terceiro andar. Todos querem certo crédito, todos querem narrar sua versão, todos querem o devido respeito por participarem da história do mundo. Inclusive eu, afinal não é o que estou fazendo? Contando uma história... E podemos dizer que esse ímpeto pela importância momentânea elaborou inteiramente o curso da humanidade. O que seria de cada civilização sem a vontade de poder? O que seria de cada sociedade sem a farsa do heroísmo e a sede de glória? Nesses termos definimos o caráter humano.
  No próximo instante, aquele após a incursão mágica que motivou este conto, tudo que me interessava era o alívio, era livrar-me do peso que residia na minha condição inexorável, tudo que me constituía parecia boiar num oceano negro de desolação. Irônico notar quão distante está a agonia física e o desespero mental da apatia sistemática que nos encerra nesse cotidiano frio, estático. O socorro veio, a dor foi cessada, a angústia nunca foi embora.
  Recuperar-me era o próximo passo, isso era óbvio. Porém, as trivialidades do entendimento haviam desaparecido há muito no meu jeito de pensar. Toda substância que atraía minhas faculdades cognitivas se estendia num continuum infinito, tudo era equacionado e analisado, tudo era razão para um esforço intelectual hiperbólico e silenciosamente escandaloso. Por isso raramente era ditas, por mim, quaisquer palavras. Tudo era dispendioso e exaustivo, exceto martelar. Por isso, essa convalescença foi longa, fastidiosa, deserta.
  Entretanto, apenas naquele momento o ódio se apoderou de mim. No fim, adaptei-me e voltei ao trabalho, voltei para a introspecção guiada pelo ritmo tonitruante da ferramenta. A brutalidade plangente da labuta braçal, a consciência de que meu único lar era o próprio ato de construir lares. Permaneci, até o presente momento, na ruminação diária dessas lembranças e nunca mais fui capaz de experimentar a vida com tamanha intensidade. Diga-me leitor, o que isso quer dizer sobre a vida? Por que o preço da realidade é tão alto? Claramente não tenho as respostas que procurei, mas suspeito que, no meu finito vagar solitário neste chão rachado, a decadência, mãe das formas, segreda-nos que o Fim é um péssimo escritor. Renan Vitor  
— Topologia da Decadência 
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