Tumgik
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euamooblog · 1 year
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MISCELÂNEA
A pluralidade me emociona. Seres são de diferentes maneiras de ser. Por isso, talvez, eu mesma resista em ser apenas uma, e mais ainda resista em ser um conjunto de várias igual aos outros conjuntos de tantos. Encontramos semelhantes, com eles partilhamos identificações, mas jamais seremos idênticos - e são os detalhes, tão particulares, que definem a nossa assinatura no mundo. Ainda que haja coincidências no caminho, cada pessoa se acede e se apaga por suas próprias razões. Para mim, é o lindo da vida.
Embora a ideia de estar sempre compactuando com os outros seja muito sedutora, porque me encontrar em alguém parece autenticar o meu ego, o mundo não precisa ser o meu espelho, tampouco eu pretendo ser o espelho do mundo. Ao contrário: sou autêntica quando consigo chegar à minha essência. Estamos aqui, também, para que consigamos aprender a compreensão através do que nos distingue. Afora as lutas sociais coletivas, verdadeiramente necessárias, toda padronização me soa tóxica. Um desserviço emocional, que nada nos ensina além do delírio desesperado do pertencimento. É bom se sentir acolhido. Mas pertencer a que? Para que? Por que? Qual rei mandou?
Desde menina, nunca pertenci a nada nem a ninguém. A indefinição seria então o meu caminho. Nem branca, nem preta, nem indígena. Doida, mas sã (ou sã, mas doida). Nem puta, nem santa (mas puta, e também santa, a depender de quem definia). Sexualizada, mas romântica de dar dó, coitada. Burra e sabida, dependendo do parâmetro. Os poemas que eu, adolescente, escrevia, já ouvi que “só podiam ser traduções de poemas gringos”, não podiam ser meus, já que eu parecia meio superficial, contente da vida. Mas, ao mesmo tempo, um tanto melancólica para se dizer “feliz”. Profunda ou exibida? Intelectual, jamais; artista, tampouco, já que eu não ganhava dinheiro com arte, não movimentava máquina nenhuma. A palavra que mais escutei sair da boca dos homens: exótica. “Exótica”, no dicionário, quer dizer “estrangeira; importada”. Mas estrangeira eu também não era (inclusive, se o Brasil tivesse uma cara, bem poderia ser a minha).
Enfim, nunca pertenci a coisa alguma. E deve ser por isso que, quando eu era pequena, o meu avô, homem bastante sensível, apelidou-me de “absoluta”, o que, no dicionário, significa “que se apresenta como acabada; plena”, e também “que recebeu absolvição; perdoada; inocentada”. Porém, eu não me perdoava por me sentir meio oca por dentro, e a luta constante que travei comigo mesma, para caber dentro de alguma coisa que eu nem sabia o que era, veio me adoecendo ao longo dos anos. Eu queria ter dito ao meu avô que a tal plenitude demoraria mais que o esperado, que o que ele já via em mim, na verdade, era um vislumbre. Custou. Agora, talvez, comece a entender que o vazio também é um lugar de pertencimento. Aprendo que os desejos variam.
O prazer de cada um de nós mora em casas - para não dizer países, para não dizer mundos - diferentes. Somos, então, singulares, e mesmo quando somos a soma de referências, nunca há uma soma igual a outra. O que me faz feliz pode não fazer o meu amigo feliz; o que completa o meu amigo pode não me completar - e eu não preciso estar socialmente distante do outro para que essa diferença se acentue. Às vezes, dois irmãos, nascidos do mesmo pai e da mesma mãe, que tenham recebido a mesma educação e as mesmas oportunidades, crescem e se tornam pessoas totalmente opostas.
Não existem regras para existir, a não ser aquela, básica, do respeito que se deve ter em meio à essa mistura toda. A aceitação do outro começa na aceitação de si - mas, se não sabemos quem somos, como poderemos aceitar o que somos? E, se nada somos - ou a nada nos julgamos pertencer, como é o meu caso -, por que não instituir o “nada” como sendo a própria coisa?
Chamavam-se “alternativos” os que não eram “estes”, mas “aqueles”. No boom da contracultura, isso ficou mais evidenciado: eram os que quebravam as regras estéticas vigentes, ditadas pela burguesia, e rompiam com a regularidade de suas famílias de classe média. Hoje, o lugar-comum mediano continua comum e mediano, e tudo o que era “diferente”, “alternativo”, parece-me, a cada dia, ganhar ares de reprodução. Vão todos aos mesmos locais. Falam todos sobre os mesmos assuntos. Vestem-se, inclusive, de modo muito parecido. Mesmo corte de cabelo. Mesmas músicas na playlist.
Parece óbvia esta discussão, mas é tanto o quanto ainda se mata e morre, literalmente, por conta das diferenças. É tanto o quanto vão se apagando singularidades, às vezes em um discurso despretensioso. É tanto o quanto vamos nos enlatando para que caibamos em espaços cada vez mais estreitos. São muitas as exigências sociais. E é enorme o quanto que, assim, vão-se embora potencialidades e belezas genuínas. Inconscientes, passamos a nos violentar, em troca de um “fazer parte” bastante injusto. A vida é muito mais bela em sua vastidão. Comportamentos, gostos, estilos, corpos, sonhos, vivências, alegrias, abismos - mundo mundo vasto mundo, como é vasto este mundo, já dizia o poeta, e mais vasto ainda é mesmo o nosso coração.
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