Tumgik
srvtnlh · 2 years
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Pouco tempo depois de minha breve e malfadada carreira de fumante
pensei em comprar outro maço
mas achei melhor não.
mas me vi discretamente subtraindo do pacote de caixas de fósforo
outra caixinha de fósforo
que guardei na latinha de remédios que me invoquei a carregar
para lá
e para cá.
É um jeito engraçado de viver:
com tudo pronto
não torcendo para a doença não vir
mas antecipando a satisfação de olhar na cara dela só para dizer, presunçosa:
estava pronta para quando você viesse.
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srvtnlh · 3 years
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“Ia contar sobre o box das nove temporadas de Arquivo X + filme que eu queria me convencer a não comprar, e então me toquei que talvez a pergunta de verdade a ser feita é o que é que a gente vai assombrar quando morrer?”, verborragias pateticamente sentimentais correlatas e relembrando a polissemia de “assombração”.
Passei o dia lendo as respostas a minha enquete sobre mídias físicas. Esse é um termo bonito pra falar das tranqueiras que são uma espécie de manifestação tangível (e eu ia escrever “tocável”, mas achei que a palavra não existia e decidi por essa outra, meio contrariada, mas aí descobri que o tocável existe sim e em vez de substituir um substantivo por outro, escrevi três linhas em liberation serif) que a gente vai juntando, seja por valor instrumental ou emocional (ou até mesmo econômico, sei lá).
De modo geral, a maioria das pessoas é bem apegada a livros físicos. Alguns comentários sobre o prazer ritualístico de cheirar e folhear e apreciar capas e contracapas e rabiscar e bla-bla-bla. Bem fofo. Por outro lado, só conseguia pensar no consenso não manifesto: a luz da tela faz nosso olhos doerem e ficarem ressecados, como eu redescubro a cada mês de mais um chá de cadeira fazendo rômófis.
Passei a quarenterna etena inteira certa de quê, se eu fosse só um pouco mais louca, estaria plenamente convencida de que morri e venho vivendo um purgatório que já está se repetindo pela terceira ou quarta vez, na esperança de que dessa vez eu faça o certo. Mas, graças aos 7 anos de psicoterapia, outro tanto de acompanhamento psiquiátrico e um ceticismo que, no fim das contas, é só medo de acreditar mesmo (e eu quero acreditar, igualzinho ao Mulder), eu só desconfio da hipótese de purgatório.
Já faz mais de um ano que eu não sei mais o que é sonho e o que é memória. E tem outro tanto que parece uma premonição esquecida (e lembrada só no último minuto. “Djavan” o nome. Mentira. Mas não sabia onde iam os acentos em “Déjà vu”, e a Wikipédia casualmente me informou que a experiência está relacionada às de quem tem TOC. E aí eu lembrei que consegui esquecer que minha cabeça não funciona exatamente como deveria).
Já faz mais de um ano que eu não sei mais o que é sonho e o que é memória, mas meu jardim aumentou e agora tem planta até no box do chuveiro, a lavanda que era do vaso toma o solo mas também morre morre morre morre (… morre. Aí, pronto. Morre em ímpar, como a coisa é mesmo) e os bichos comem as florezinhas mas os morangos brotaram e seguem maiores, ainda que verdes.
Já faz mais de um ano que eu não sei mais o que é sonho e o que é memória, mas eu continuo lembrando que continuo esquecendo de lavar o terceiro de quatro suéteres tricotados nessa quarenterna etena. A saia ainda não saiu das agulhas (e acho que é elas o que eu gostaria de assombrar quando morrer), mas ela continua crescendo. Meu cabelo também, e aí eu corto tudo de novo e ele cresce de novo e mais uma vez e tudo de volta.
Tudo todo dia é bem igual, mas cada dia é outra coisa. Cada mês é uma conta diferente da porcaria do spotify, porque eu odeio a caralhada de anúncio e odeio mais ainda não conseguir piratear mais nada na internet. Aqui é que começa o objeto de verdade disso aqui (N.A: fui revisar, e descobri que essa última frase é mentira).
Bom, começou quando o deezloader parou de funcionar. Quero dizer, começou desde de que volta e meia meu pai me pergunta se tenho baixada a música que tô ouvido, e aí eu digo que não e resmungamos um pro outro sobre como é um saco só achar as coisas em plataforma de streaming. Ou começou quando pedi pro meu namorado baixar Buffy no computador dele, porque não queria levar o meu pra lá e pra cá, e descobrimos que quase não tinha seeder pro torrent. (Na quarta vez que eu assistir, será que vai ter torrent ainda?) Mas também começou sete anos atrás, quando eu comprei um CD em outro continente porque não achava em lugar nenhum por aqui. E continuou nesse ano, quando queria ouvir outro, e descobri que era uma demo de edição limitada, que ninguém fez upload e provavelmente nunca vai fazer.
Geral curte livros físicos. Prazer ritualístico cheirar folhear apreciar capas e contracapas rabiscar dobrar google pesquisar et cetera e tal, bar e lanches. Bem fofo. A luz da tela do celomputablet também deixa meus olhos ardendo, mas o kindle é bem bacana.
Por falar nisso, hoje em dia, eu - que costumava ficar horrorizada com livro avacalhado - rabisco e pinto e marco e grudo notas adesivas e gosto das espinhas quebradas que eu causo. Prova material de que minhas mãos passaram por ali eles passaram pelas bolsas e mochilas e passearam comigo, algum dia.
Mas eu nem leio mais. E comprei o kindle porque tava na promoção, ou melhor, porque é mais leve de levar por aí e é mais barato baixar livro de graça. Tem até dicionário embutido, vou aprender outro idioma. Ainda nem comecei a aprender italiano.
Baixei uma caralhada de livro e enfiei num drive. Mandei o drive pro Lucas e pra Marina, e decerto em algum grupo do Whats também, nem sei. Pô, igualzinho emprestar livro de verdade pros outros. Abarca completamente a sensação de se separar fisicamente do receptáculo da história (não, não. esse aí é a gente. Talvez outro termo seja melhor, mas esse também serve) ao qual você ficou tão afeiçoada, dizendo, sem dizer: “eu não me importo em confiar ele a você, porque quero que você veja e sinta e seja impactado por isso também, carregue o peso físico e o não-físico consigo, e até te perdoo se o sebo das suas mãos manchar as páginas e se seu esmalte arranhar uma lauda ou outra sem querer – mas evite, por favor –, desde que eu possa compartilhar mais isso com você.” Talvez não em tantas palavra – eu aprendi a me estender.
Não diz nada disso, não. Nem teria como. Tem coisa no drive que nem li, e nem lerei (lanchonete e snooker bar). Diz, no máximo, o que eu disse mesmo: “deve ter alguma coisa aí que você vai gostar também, e que eu também gostei”. E também o que eu não disse, que é: “e talvez seja outra ponte entre a gente”.
Eu já nem sou mais tão apegada aos meus livros pra escrever tantos parágrafos sobre isso. Mas escrevi. E escrevi cada vez mais certa de que a gente assombra, mesmo que só um pouquinho, todas as coisas que toca.
O copo que a Laura me deu uiva quando eu viro ele pra beber água. Nos livros que a Agda e a Giu me deram, elas me assombram da estante. Se eu ouvir ao contrário o CD que a Bea me deu, a gravação vai dizer o quanto ela gostava de mim quando me deu ele de presente de Natal. Espero que goste até hoje. Sem vergonha da blasfêmia, na Bíblia que minha tia me deu de presente, a assombração residente é ela (que ainda está viva-e-bem-graças-a-Deus), e não o Espírito Santo.
Eu, que nunca me liguei muito em metafísica.
Na noite de quinta, fui ler o tarô e tirei a torre. Detesto a Torre. Minha terapeuta – ou, melhor dizendo, a mulher muito legal e querida que me terapiza e que terapiza muita gente além de mim – gentilmente me fez ver que eu tenho uma certa maniazinha de controle. Coisa pouca que em 2020 me fez imaginar morte violenta e formas de evitá-la (tm) umas trocentas vezes por dia, porque meu cérebro é, cof cof, peculiar desse jeito, enfim. Olhei pra Torre e tive certeza de que a amenorreia era gravidez. Mas, no dia seguinte, o que fez o chão sumir sob mim foi sentar no sofá e descobrir que Bones tinha saído do Prime Video (e a menstruação desceu à tarde, depois de quatro meses, olha só).
Pra ser sincera, Bones nem é tão bom assim. Os close-ups nos cadáveres são tão brega, meu deus. E como assim ninguém percebeu que a Brennan tá no espectro autista? Mais importante: porque é que todo mundo é tão malvado com o Sweets? E, enfim: não tem como escapar da propaganda para a polícia e o Exército dos EUA. E como é que o psicólogo prodígio do FBI não percebeu que a Brennan é uma mulher autista?
Que seja. Bones nem é tão bom assim. Mas já era meu seriado companheiro de todas as manhãs. Foi companheiro de esperar notícias do hospital também. Quer dizer, do meu pai, quando hospitalizado.
Mas fiquei encasquetada mesmo quando vi que Arquivo X não tava mais no Prime. Que saco. Eu adorei Arquivo X – e também achei tão mal escrito. Será que Mad Men saiu também? Falei pro André que ia assistir. Faz dois anos que saí do escritório. Teve tantos estagiários depois de mim, mas será que eles lembram de mim? Eu espero que lembrem. Meu deus, será que eu ainda assombro a mesa que era minha e que também não era? Será que ela continuou lá quando eles mudaram de sede? Dois anos depois, o Érico ainda assombrava minha conta do Projudi. A Diana (que eu conheço) e a Fran (que eu não conheço) ainda assombram o pdf do caderno que a Diana tão generosamente me cedeu. (E decerto que os defuntos das fotos que o Amaral mostra na aula Medicina Legal é que assombram o projetor que ele traz pra sala).
Assisti Arquivo X com meu pai durante a quanterna etena. Meu pai nunca teve muito saco pra seriado, mas hoje ele tá até acompanhando novela. O guarda-roupa dele é um guarda-roupa cápsula, e não é nem pelo conceito – mais de trinta anos como militar e, a bem da verdade, a maioria do que ele tem ele consegue carregar sozinho. Mas ele tem uns CDs. Um monte deles, na verdade. E uns que eram deles mas no fim a mãe trouxe com ela, depois da separação. E minha mãe também comprou tanto livro depois que eles se separaram! Esses tempos fomos organizar a estante, e eu, tão desapegada, perguntei se não dava para chispar uns pra um sebo. Ela falou que não.
Já não cabe mais nada na estante.
A tartaruga de casa sou eu. Pari passu, volta e meia (bar e lanches) eu me atento a jogar tudo fora.
Será que tudo isso, no fim das contas, não tem a ver com o divórcio? Não. Ou tem.
Tem a ver com controle também. Detesto pagar os boletos todo mês sem nem ao menos saber se vou poder reassistir ou reouvir o que quiser, quando quiser, na merda da plataforma. O CD e o DVD eu carrego comigo. Já tô craque em carregar mala de um lado pro outro.
E tem a ver com o anúncio do 9 temporadas completas + filme em um box edição de colecionador de Arquivo X.
Arquivo X é tão bom quanto é ruim. Ou é mais bom que ruim. Ou não tava tão bom, mas, depois, pareceu que piorou.
Eu assisti Arquivo X com meu pai antes de voltar a rezar depois de passar um apuro achando que ele ia morrer. Comecei a ver sozinha, e aí comecei de novo a ver com meu namorado, que não gostou tanto assim, e aí continuei a ver sozinha, quando meu pai começou a ver comigo o que continuei a ver com ele.
Todos os meus adultos estão vivos e bem. Meu pai quase morreu na pandemia e minha mãe recuperou o emprego por causa dela, e esses tempos começou a comprar coisa no Enjoei. Criei uma conta também. Ninguém mais compra DVD; mas anunciaram por tão barato, e esperar encomenda ajuda a perceber a passagem do tempo. Esperar o cartão virar, também. Esperei demais e outra pessoa comprou o box antes de mim. Passei o resto do dia aborrecida e escrevi isso aqui.
Lucas, se você leu até aqui: já faz quatro anos desde que você começou a dizer todo dia que me ama, mas, desde que você não leu O Apanhador no Campo de Centeio e eu fiquei incomodada de não ter minha cópia comigo e pedi ela de volta, a pergunta que só não me tira o sono porque eu sou muito dorminhoca é: será que você odiaria o Holden, como boa parte das pessoas odeia?
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