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revistazunai · 5 years
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ZUNÁI, REVISTA DE POESIA E DEBATES - Volume 4 Número 2 - Fevereiro 2019
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Editorial Volume 4 Número 2: O ovo da serpente
Entrevista: O cinema para ciclopes de Andréia Carvalho Gavita
Especiais: O genocídio indígena no Brasil
Galeria 1: Alejandro H. Mestre
Galeria 2: Francisco dos Santos  | parte 1 | parte 2
Prosa: Manuscritos de Alexandria: Claudio Daniel
Tradução: Torre de Babel 1: Wang Wei por Chiu Yi Chih Torre de Babel 2: Kim Ki-Taek por Yun Jung Im Torre de Babel 3: Robert Creeley por Flávia Rocha e Claudio Daniel Torre de Babel 4: Jonathan Swift por Thaís Fernandes
Poesia: Esculturas Musicais 1: Fernando Aguiar Esculturas Musicais 2: Antônio Moura Esculturas Musicais 3: Jorge Arrimar Esculturas Musicais 4: Scheila Sodré Esculturas Musicais 5: Armando Roa Vial Esculturas Musicais 6: León Félix Batista Esculturas Musicais 7: Rodolfo Häsler Esculturas Musicais 8: Roberto Echavarren Esculturas Musicais 9: Charles Perrone Esculturas Musicais 10: Diana Junkes Esculturas Musicais 11: Lígia Dabul Esculturas Musicais 12: Noku Doi
Ensaios: Periscópio 1: A poesia japonesa: formas estruturais e referências culturais - por Claudio Daniel Periscópio 2: A outra voz: o outro caminho para a poesia - por Paulo Ferraz Periscópio 3: O julgamento non sense - por Myriam Ávila   Periscópio 4: Luís Serguilha: o onomaturgo - por Fernando de Castro Branco Periscópio 5: Males secretos de Virgílio: atonia e degradação em Belém do Grão Pará, de Dalcídio Jurandir, por Jonathan Pires Fernandes Periscópio 6: O diário dos outros: a escrita poética de Ana Cristina César - por Rebecca Falcão Serrão
Opinião: Cadernos da Palestina
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revistazunai · 5 years
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O ovo da serpente
Editorial Volume 4 Número 2
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Charge em jornal francês
Desde o golpe de estado de 2016, que derrubou a presidenta legítima do Brasil, Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos, por um movimento de direita liderado pela grande imprensa – sobretudo a Rede Globo de Televisão – e pelo Judiciário, teve início a implantação de um regime autoritário no Brasil, sustentado por grandes empresários, proprietários rurais, banqueiros, militares, pastores neoevangélicos e setores da classe média alta. A prisão sem provas do ex-presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), e a  vitória de Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército, defensor da tortura praticada na ditadura militar, nas eleições presidenciais de 2018, deram a esse regime autoritário uma coloração semifascista. É possível verificarmos várias afinidades entre os métodos violentos e o discurso de ódio de Jair Bolsonaro com os de Franco, Hitler ou Mussolini, mas há também diferenças importantes. Se a ideologia é similar – negação da diversidade sexual e dos direitos sociais, anticomunismo, antifeminismo, irracionalismo, afirmação da supremacia masculina, branca, cristã e heterossexual, defesa de valores tradicionais em relação à família e à religião, “nacionalismo” (ainda que caricatural) – e também as práticas de intimidação violenta, o projeto econômico do líder autoritário brasileiro é muito diferente. Os regimes fascistas clássicos europeus estavam baseados no modelo do estado nacional forte, para fazer frente ao hegemonismo anglo-americano nos campos econômico, político, cultural e militar; havia intervenção estatal direta na economia e algumas concessões foram feitas aos trabalhadores, como a Carta del Lavoro, na Itália, em nome de uma unidade de classes em defesa da “raça” e da “nação” contra a “ameaça comunista”.  Já o modelo bolsonazista vai em outra direção: defensor do “estado mínimo” neoliberal, pretende extinguir os direitos trabalhistas e previdenciários, permitir que as empresas privadas explorem os trabalhadores sem qualquer tipo de proteção legal aos assalariados, eliminar qualquer barreira protecionista, abrir o mercado brasileiro para o grande capital internacional, privatizar bancos públicos (responsáveis por programas sociais e projetos de desenvolvimento), entregar nossas riquezas naturais – como a Amazônia e as reservas de pré-sal – a investidores estrangeiros, cortar drasticamente os investimentos públicos em educação, saúde, ciência, tecnologia, esportes, além, é claro, de golpear fortemente os sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, até colocá-los na ilegalidade, utilizando para isso a bizarra lei antiterrorismo e a força policial-militar, incluindo os métodos da tortura e do assassinato de opositores. O obscurantismo do novo regime, cujo principal ideoleógo, o radialista e astrólogo Olavo de Carvalho (que se apresenta como “escritor” e “filósofo”), acredita que a terra é plana – inclui ainda a retomada das terras de índios e quilombolas para a atividade econômica, a legalização da posse de armas e da prática da caça, o desrespeito ao meio ambiente, a restrição xenofóbica à entrada de imigrantes no Brasil e a retirada do país de acordos internacionais em relação ao meio ambiente e ao clima (questões consideradas pelos novos detentores do poder como formas de “marxismo cultural”). No campo da educação, o novo regime defende a redução orçamentária, a privatização de universidades públicas, o fim das cotas para afrodescendentes, o ensino à distância desde o fundamental e ainda a extinção de cursos de humanidades, a censura  aos professores, o fim da aplicação do método Paulo Freire, o controle ideológico da bibliografia educacional, a concessão de bolsas de mestrado e doutorado de acordo com o perfil político de cada estudante, entre outras práticas ditadoriais. A implementação desse projeto, evidentemente, só será possível pela destruição do estado democrático de direito e sua substituição por uma ditadura militar-policial. Claro, tudo com as bênçãos dos pastores neoevangélicos do chamado “sionismo cristão”, que colaboram com a disseminação de preconceitos contra negros, mulheres, gays, índios e outros setores sociais e fazem o proselitismo político direto pró-Bolsonaro em seus “templos” e emissoras de rádio e televisão. A brutalidade neofascista (ou semifascista) brasileira está a serviço de um neoliberalismo radical, com vestimenta messiânica, que abre mão da soberania do país, inclusive oferecendo nosso território para bases militares dos Estados Unidos, para atender aos interesses da grande burguesia imperialista. Neste sentido, o que se passa no Brasil está mais próximo do que ocorre no Leste Europeu, e em particular a Ucrânia, após a queda do bloco socialista e sua substituição por regimes autoritários de direita. Com os Estados Unidos liderados por um gorila como Donald Trump, Israel por Netanyahu, o Brasil por Bolsonaro e a possível vitória da Frente Nacional na França, o mundo viverá um longo período de trevas. 
Claudio Daniel
Links com exemplos da violência praticada no país pelos adeptos de Bolsonaro:
CAPOEIRISTA é morto com 12 facadas por eleitor de bolsonaro
PROFESSOR é ameaçado de morte por eleitores de bolsonaro
GAY é morto em Curitiba por eleitor de bolsonaro
JORNALISTA é agredida e ameaçada de estupro, por eleitores de bolsonaro
ELEITORES de bolsonaro postam fotos com armas nas urnas
IRMÃ DE MARIELLE É AGREDIDA, COM A FILHA, por eleitores de bolsonaro
JOVEM É AGREDIDO por estar vestindo vermelho, por eleitores de bolsonaro
MILITANTE é agredida por eleitor de bolsonaro
FUNCIONÁRIA da campanha de Boulos é amaçada com arma por simpatizantes de bolsonaro
CACHORRO é morto em carretata, por eleitores de bolsonaro
JOVENS SÃO EXPULSOS de condomínio por eleitores de bolsonaro
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revistazunai · 5 years
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O cinema para ciclopes de Andréia Carvalho Gavita
por Claudio Daniel
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Andréia Carvalho pesquisa tradições mitológicas ocidentais e orientais, incorporadas em sua poesia de maneira bastante criativa, ao lado de referências das artes visuais, da música e do cinema. A escrita poética da autora curitibana revela uma sensibilidade e um imaginário que nos fazem pensar em certa poesia simbolista de Santa Catarina e do Paraná, especialmente em autores ainda não devidamente incorporados ao cânone, como Ernani Rosas (1886-1955), Dario Vellozo (1869-1937) e Gilka Machado (1893-1980), mais afeitos à dicção demoníaca de um Rimbaud e à escrita cifrada de um Mallarmé do que à suavidade melódica de Verlaine. A ressonância do inquieto signo luciferino permeia a obra da autora, especialmente em seu livro de estreia, A cortesã do infinito transparente (2011), onde encontramos inusitadas sinestesias, como estas: “Mineralizar a lágrima / Fazer-se rútilo / Vibrar além da tua sangria / Pelas ervas, pelas especiarias / Com a estatura do musgo, / dos fermentos, / do sedimento”. Em outra composição, escrita na forma do poema em prosa (gênero inaugurado por Baudelaire), lemos uma quase profissão de fé, entre imagens da mais excêntrica teratologia: “Tenho visões com miríades de seres que pulsam do imaginário. Vegetais, minerais e animais caminham pelo sangue. Entram pela retina e saem pelas mãos: letras e imagens. Depois que sangram não se sabe onde está o mineral, o vegetal e o animal. Carregam no ventre a sagrada comunhão das ossaturas fantásticas, com plasma de ninfa e sílica e olhos andróginos”. A alquimia verbal da autora prossegue em seu segundo título publicado, Camafeu escarlate (2012), que apresenta um título deliberadamente arcaico, como se ela intentasse buscar um timbre que remetesse à segunda metade do século XIX, aos insólitos logradouros onde Baudelaire e Jeanne Duval degustavam ópio ou absinto. A voluntária imersão nesse universo cultural não significa que a poesia de Andréia Carvalho seja passadista ou paródica, no sentido do pós-moderno, muito ao contrário: ela não imita formas literárias clássicas, como o soneto, não escreve versos metrificados ou rimados nem utiliza um vocabulário anacrônico, elementos visíveis na poesia de outros autores que dialogam como o simbolismo, como o carioca Alexei Bueno. Andreia Carvalho pratica, nesse conjunto de poemas, uma escrita concisa, emprega quase sempre letras em caixa baixa e elimina os sinais de pontuação, recursos frequentes nos poetas jovens mais próximos da arquitetura minimalista. No poema de abertura de Camafeu escarlate, por exemplo, lemos estas linhas: “onde estavas / quando eu / afundava a terra / no lago de nadas //na ejaculação dos signos rútilos / nos fósseis auto-retratos // não espelhos, vidros / sentenças do convalescente átrio / não arco-íris, serpente / e vitrais de escamas / a água coagulada”. Notável, nesta peça, a descrição do ausente por uma sucessão de negações, que avançam até surgir “um rosto sobre o abismo / de trevas”. A lírica da negatividade, associada aos temas da solidão, da memória, da angústia, da infância e do sonho atravessa o livro, construindo as mais inusitadas imagens e metáforas, como lemos nestas linhas: “há a criança / vermelha / no sótão coágulo / da memória / (...) / onde não volto mais / escorpiões / vagueiam pelos dentes do leão”, que nos faz pensar na fúria semântica da melhor poesia portuguesa da atualidade, a vertente hermética de um Herberto Helder, outra referência marcante na lírica da autora. Grimório de Gavita (2014), seu livro mais recente, reúne poemas em prosa escritos antes das peças que integram seus dois primeiros livros publicados e apresenta, já no título, a presença do livro de magia (grimório), associado ao nome da esposa de Cruz e Sousa, vítima da miséria e da loucura. Em todas as composições dessa obra encantatória, o registro sinestésico e metafórico e o recurso da compressão semântica (“estrela-trator”, “sapatos-de-lótus”, “dama-oriax”) criam uma quase nova língua, regida por uma lógica visual e sonora. Andréia Carvalho realiza, nesse conjunto de invocações ao lúcifer-da-linguagem, uma das obras mais perturbadoras e belas da novíssima poesia brasileira.
 (Artigo publicado na edição de novembro/2014 da revista CULT)
ENTREVISTA Zunái: Quando você começou a se interessar pela poesia? Quais foram as tuas primeiras leituras e exercícios literários?
Gavita: Em 1991 cursava o terceiro ano do segundo grau e as aulas de português eram insuportáveis, como todas as disciplinas ofertadas por um colégio que dividia meninos e meninas em alas opostas, e que nos obrigava a manter a postura em sol escaldante ou frio absurdo enquanto tocavam com volume terrivelmente alto o hino nacional na hora do intervalo. As aulas de literatura se misturavam com a obrigatoriedade da educação moral e cívica, da religião e da horrorosa disciplina de indústria caseira (para meninas). Qualquer conteúdo repassado era interpretado como castigo dentro do contexto opressor da educação de uma escola na época. Estudei durante 4 anos com o mesmo professor na disciplina e minha rebeldia se resumia a não ler o que ele indicava, a escrever descuidadas redações, e a ficar olhando pela janela do prédio histórico, que abarcava a verde praça central, enquanto ele tentava ensinar. Lia muitos livros disponíveis na pequena e precária biblioteca, sobre mitologia, astrologia, ficção pop ou qualquer outra pauta que não constasse no currículo. Em uma das últimas aulas, o professor, cansado pelo descaso dos alunos, resolveu soltar o verbo atacando todos com críticas enquanto entregávamos a última redação. Disse-me que meu rosto lembrava algo de Clarice Lispector, mas que eu nunca chegaria aos pés dela, e também acrescentou que eu usava adjetivos demais e parecia uma cobra estrangulando todas as frases, complicando o que deveria ser simples. Como vingança resolvi ler "A hora da estrela" e encantei-me com a possibilidade da escrita com alta carga poética, aquela que não entrega facilmente o conteúdo ao leitor. Lembrei das ignoradas aulas sobre Charles Baudelaire, Augusto do Anjos, Cruz e Sousa e outros clássicos, e assumi que tinha perdido muito tempo ignorando um conteúdo que poderia me libertar de qualquer rotina, dificuldade financeira ou salas de aula com cheiro e aura de naftalina, pois entendi que o ato de manipular o sentido do texto era como um ritual de mágica ou magia, alterando a realidade. Passei no primeiro vestibular em seguida, decidida pelo curso de Biologia pela leitura de Charles Darwin, e alternava os conteúdos acadêmicos com a poesia que não dei atenção durante os anos de colegial. Escrevia compulsivamente em cadernos baratos tentando tocar as plantas dos pés de Clarice, pois sua introspecção refletia em muito o que ia na minha mente e queria mimetizar aquela liberdade pela letra - eu escrevia em segredo para ela. Era desespero e verborragia adolescente, mas o ato de tentar escrever me levou a entender o idioma misterioso da poesia como um idioma mágico. A poesia, justamente pela necessidade de decodificação feita pelo leitor, combinava com as descobertas de que um ser vivo está interagindo com todos os outros, pelas trocas energéticas e milhões de combinações atômicas possíveis. Continuo usando adjetivos demais, espelhando-me na constrição de uma cobra, sempre complicando o que "acham" que deveria ser simplificado. Considero como primeiros exercícios literários a transposição dos despretensiosos textos de cadernos amarelados para blogs, o que exigia alguma seleção, correção e “calculada” colagem.  
Zunái: Tua formação em ciências biológicas influencia de algum modo a tua escrita?
Gavita: Minha escrita está totalmente relacionada com os estudos em ciências biológicas e com minha atual profissão em ambiente hospitalar. Os processos bioquímicos, a evolução da vida em ambiente mutável, as artimanhas dos animais, a busca pela cura do corpo e a constante necessidade de amortecimento da dor para sobrevivência, são constantes de maravilhamento e assombro, e preciso "gerar anotações" para "fixar" o conteúdo com palavras filtradas pelo meu entendimento. A biologia é minha religião e termos técnicos da área biológica são pura poesia para minha compreensão. A primeira vez que entendi "deus" foi quando observei uma lâmina contendo material biológico em um microscópio - escrevi sobre esta percepção e continuo escrevendo. 
Zunái: Em tua escrita poética, notamos forte ressonância do imaginário simbolista, das mitologias ocidentais e orientais, da astrologia, da alquimia, do hermetismo, das ciências biológicas. Comente um pouco essas referências.
Gavita: Todas as referências citadas trabalham o verbo para descrição de signos, gerando outros. A linguagem da biologia, as nomenclaturas de que se utiliza para descrever a história das espécies orgânicas e inorgânicas, são cosmologias textuais tão ricas quanto as variantes formas de eternizar uma ideia pela mitologia. Um palavra arrasta em si mesma milhares de possibilidades sígnicas. Sigilos, selos e códigos são norteadores das leituras de minha preferência. Não é movida pelo misticismo a minha ressonância desses temas, é a riqueza imagética capaz de alterar a percepção acostumada apenas com a obviedade dos cinco sentidos. Ler uma poesia simbolista ou surrealista tem o poder de acabar com uma crise de cefaleia, como se me desfizesse um nó energético emperrado.  
Zunái: Você vive em Curitiba, cidade de poetas simbolistas como Dario Vellozo e sede do Templo Neopitagórico. Em que medida o cenário cultural curitibano influenciou a tua escrita?
Gavita: Ainda em Ponta Grossa, minha cidade natal, colecionava o curitibano Jornal Nicolau. Quando cheguei em Curitiba, em 1996, escrevi para Wilson Bueno, pois o jornal interrompia sua circulação. Quem me respondeu foi o poeta Fernando José Karl, que foi um dos primeiros leitores de um blog mantido no anonimato. Fernando gentilmente comentava meus protótipos de poemas lançados no meio virtual e seu incentivo em muito me deu coragem para assinar os textos com nome verdadeiro, além de me encantar com a sua própria escrita, que é potencialmente "magista". Outra coleção curitibana era a Agendarte Almanaq, criada por Gerson Guerra e que publicava escritores curitibanos ou residentes em Curitiba. Dessa forma, minha mudança para esta cidade foi favorável, pois intuía que a cidade me faria respirar poesia pela quantidade de autores. Residir em um local que foi palco para a disseminação do simbolismo no Brasil me fortalece psiquicamente. Toda vez que desanimo na labuta literária, caminho umas quadras e tenho uma conversa silenciosa com Emiliano Perneta, cujo busto está instalado em um recanto do Passeio Público, chamado Ilha da Ilusão. Foi neste local que ocorreu a coroação de Emiliano como príncipe dos poetas paranaenses, em um evento com direito a cartolas e cerimônias de dândis, formais e ritualísticas. O simbolismo entrou em minha percepção pela geografia, por simbiose. Sempre que me dizem não entender o que escrevo, penso no simbolismo e nas suas constantes depreciações por conta da falta de compreensão de intelectuais "modernos" e quase digo: é que inspirei-me e alimento-me em terras simbolistas. 
Zunái: A cortesã do infinito transparente, o seu livro de estreia, foi publicado em 2011 e revela expressivas metáforas, vocabulário rico, imagens e sinestesias de uma escrita que investe nos efeitos sensoriais. Como foi o trabalho de concepção e organização dos poemas deste livro? 
Gavita: O poeta e tradutor Luís Costa leu meu blog, chamado Hábito Escarlate, e indicou para Claudio Daniel, que me convidou para participar do selo Caixa Preta, coleção que organizava para a Lumme Editora. No blog tinha muito material publicado de forma aleatória, mas para o livro preferi reunir os textos que foram gerados como atividade para a disciplina Produção de Imagem, do curso de Tecnologia em Produção Multimídia. Os textos tinham o intuito de legendar imagens produzidas para as aulas de fotografia e manipulação digital. Minhas "legendas" foram chamadas de poemas pela primeira vez e foi uma surpresa, pois acabava de ler o livro Figuras Metálicas, de Claudio, cujo conteúdo em muito me inspirou para a construção dos exercícios textuais. A cortesã do infinito transparente é meu exercício de colagem entre imagens, focando nas relações inusitadas entre assuntos díspares, aproximando-os em blocos perceptivos. Colocar deus e diabo em uma mesma linha, como adjetivos de uma mesma oração, tem a mesma sensação libertadora de perceber em um microscópio os aglomerados de células diferentes formando um único tecido. 
Zunái: Camafeu escarlate, publicado em 2012, é um livro diferente, de arquitetura quase minimalista, apesar da imagética e do vocabulário que transitam nas fronteiras do surrealismo. Como você definira a tua busca poética?
Gavita: Busco sigilações, preciso decifrar e criar códigos. Preciso também de rituais mágicos e ao escrever um poema sinto que materializo um pentagrama na floresta. Minha busca poética é a execução da “bruxaria”. Sigilos são símbolos conhecidos pela literatura ocultista, criados para facilitar a execução de uma ação. Minha ação é sintetizar toda bagagem de informações que me impressionam pelo verbo, já que nunca consegui aprender a tocar nenhum instrumento ou manipular um pincel. Camafeu escarlate carrega em sua síntese a fase inicial de meu atual relacionamento amoroso, quando trocávamos as primeiras impressões e referências e desenhávamos os primeiros sigilos. Camafeu escarlate foi o segundo livro publicado pelo editor Francisco dos Santos (Lumme), que também escolheu o título e ilustrou a capa com um dos sigilos criados para um dos poemas. Camafeu escarlate obteve uma de suas intenções mágicas, pois foi com sua publicação que obtive auxílio do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural do Ministério da Cultura do Brasil, realizando seu lançamento em Lisboa, Portugal. Na viagem conheci a Quinta da Regaleira, em Sintra, e pude (como intencionado) declamar um poema do livro enquanto caminhava por um antigo bosque de carvalhos e um poço iniciático. 
Zunái: Grimório de Gavita, publicado em 2014, é um trabalho diferente dos anteriores, embora o título remeta à amada do poeta simbolista Cruz e Sousa. Temos aqui uma notável coleção de poemas em prosa, que diluem as fronteiras entre os gêneros literários e entre verso e narrativa, mantendo o delírio imagético de seus outros livros. Comente a concepção desta obra.
Gavita: Grimório por gostar de grimórios, que são livros de anotações de ocultistas: químicos, botânicos, astrônomos, curandeiros. Gavita pela mulher de Cruz e Sousa, que considero o maior poeta do Brasil, e pelo conto Gavita, Gavita, do livro Romanceiro de Dona Virgo, de Claudio Daniel. Por esses motivos também inseri o nome Gavita em meu próprio nome literário. Para o livro fiz a junção de textos que tinha escrito durante vários anos e que estavam dispersos em cadernos e blogs abandonados. O critério de concepção foi justamente não deter o material em nenhuma classificação, tanto que não o queria catalogado como Poesia, mas Francisco dos Santos, o editor, assim o fez. Meu grimório conta com prefácio escrito por um poeta simbolista vivo, Caio Cardoso Tardelli, que, assim como eu, ama o simbolismo e procura divulgá-lo como matéria essencial para a percepção poética, ainda vivo e pulsante e nunca emparedado por uma classificação e período literário já (ultra)passado. 
Zunái: Comente os seus livros mais recentes, papel leopHardo e Panfletos de Pavônia:
Gavita: papel leopHardo faz parte de uma coleção literária do Coletivo Marianas, criado para dar visibilidade à produção cultural de mulheres. Esse livro foi escrito durante o período em que nos fortalecíamos enquanto grupo feminista em Curitiba e foi um desafio, já que todo processo de elaboração e publicação contou com o trabalho de mulheres integrantes, algumas sem nenhuma experiência com a atividade editorial, como foi meu caso, que participei na etapa de diagramação. Mas conseguimos coletivamente obter nossos livros de forma independente, criamos bonitos eventos de lançamentos e comemoramos a publicação de autoras que nem imaginavam que teriam um livro. Pela ação coletiva totalmente voltada para o empoderamento da mulher pela literatura, considero um de meus livros mais ativistas. Panfletos de Pavônia é uma plaquete que foi publicada pelo selo Leonella, de Adriana Zapparoli, que é uma das escritoras que mais gosto de ler, pela linguagem elaborada e com alta carga imagética. Em Panfletos de Pavônia trabalhei com a prosa de forma libertadora e com temática específica, o envelhecimento da mulher.  
Zunái: Vivemos em uma época da história política do Brasil de imenso retrocesso nos direitos sociais, em especial das mulheres. Como você encara as críticas que setores mais conservadores fazem ao que chamam de “ideologia de gênero” e ao feminismo?  Em sua opinião, como a poesia pode responder ao discurso da misoginia e da exclusão?
Gavita: Encaro as críticas como desespero e falta de conhecimento e também medo da liberdade que existirá quando a espécie humana entender que padrões sociais impostos são cabrestos que só favorecem aos privilegiados. Quanto mais críticas, mais entendo que as pautas conscientizadoras e libertadoras estão tocando na ferida. O discurso poético tem sempre muito poder, pois realiza e ativa conexões adormecidas. Líderes especiais para grandes mudanças sempre citaram algum poema para sensibilizar a multidão. Poetas sempre estão atentos e costumam dizer aquilo que poderia passar despercebido. A poesia contemporânea de autoria de mulheres está respondendo ao discurso de misoginia, pois autoras estão cada vez mais sendo lidas por suas próprias reivindicações, já que o discurso de que a escrita delas é menor está sendo pulverizado. Quando se perde o medo imposto por padrões cristalizados e tendenciosos, o que acontecia quando os cânones excluíam as mulheres, os negros, os homossexuais, os transgêneros e os indígenas, a produção que sempre foi (e é) de alguma forma oculta e sabotada ganha corpo e visibilidade.  
Zunái: Quais são os teus atuais projetos literários?
Gavita: Recebi o generoso convite de Floriano Martins, que há 20 anos edita a Agulha Revista de Cultura, compilando fértil material sobre o surrealismo, para republicar vários de meus poemas em prosa em volume único. O livro será publicado em e-book e fará parte da coleção “O amor pelas palavras”, uma coedição entre Editora Cintra e ARC Edições, de circulação exclusiva pela Amazon, e também terá uma versão impressa, com colagens criadas por ele. Penso também em republicar vários poemas em volume único pela Editora Fractal, de Ricardo Escudeiro, que também auxilia a Patuá, editora que publicou meu livro Cílios Prostíbulos em 2018. O livro publicado pela Patuá tem a versão em inglês de Samanta Beduschi Santana. Um livro é sempre um projeto que materializa a energia de várias almas afins. Sinto que meus atuais e futuros projetos literários sempre carregarão em suas intenções a companhia de muitas pessoas que fazem da literatura o seu ativismo social, conduta política e prática da mística. E agora estou cursando Gestão Ambiental, para que a floresta seja um recurso ainda mais vivo e mantido com cuidado e respeito, e isto terá reflexo em futuros poemas, já que minha escrita é sempre autoficcional. Creio na morte do autor, mas creio ainda mais no renascimento da autora (aquela que tem a coragem de assumir-se escritora e escrever sem a preocupação de ser rotulada ou analisada por regras ainda ineficientes para explicar a autoria de mulheres).   
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revistazunai · 5 years
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O genocídio indígena no Brasil
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Brasil é líder disparado no genocídio de índios na América Latina
Massacre de índios pela ditadura militar
Bolsonaro quer liberar produção agrícola em terra indígena
Governo prepara revisão de demarcações de terras indígenas e quilombolas e pode anular atos anteriores
Líderes indígenas criticam primeiras medidas de demarcação de terras
Carta dos povos Aruak Baniwa e Apurinã a Bolsonaro
Os ataques contra os povos indígenas e o novo padrão de dominação
Ao menos 19 indígenas ficam feridos em quatro ataques à reserva da tribo Kaiowá, no Mato Grosso do Sul
Indígenas dizem que não vão entregar seus territórios “para honrar o acordo de Bolsonaro e seus coronéis”
Terra indígena próxima à construção da usina de Belo Monte é invadida por madeireiros
Terra indígena no Pará é invadida por madeireiros
Aldeia indígena em PE tem escola e posto de saúde incendiados. Índios temem novos ataques
Indígenas na Bahia sofrem ameaça de remoção e lutam na justiça
Índio kayapó é assassinado em Ourilândia
Povos indígenas vão à PGR e preparam ações em todo o país para anular atos de Bolsonaro
Grileiros invadem terra dos Uru-eu-wau-wau e Funai deixa índios abandonados
O silêncio da mídia em torno do assassinato brutal de um bebê indígena
Bebê morto com tiro na cabeça é um cruel símbolo da situação dos povos indígenas no Brasil
Retomada Guarani em Porto Alegre denuncia ataque a tiros e ameaças de morte
Professor indígena morre após ser brutalmente espancado no litoral de SC 
Racismo e perda da terra: suicídio de indígenas dispara no Brasil
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revistazunai · 5 years
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Galeria 1: Alejandro H. Mestre
Alejandro H. Mestre é um poeta de origem austro-portuguesa nascido no norte da Itália, final dos anos 1970. Depois de morar na Itália, no Reino Unido, na Espanha e em Portugal, viajou à América Latina. Em 2015, publicou o livro de poemas Hadas, demonios y otros cercos, em espanhol, pela Editorial Aurora Boreal de Copenhague. O livro foi editado pelo amigo e tradutor Alessandro Mistrorigo. Alguns dos escritos e poemas do escritor têm surgido em páginas web e blogs literários. Atualmente, desconhece-se sua localização.
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revistazunai · 5 years
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Galeria 2: Francisco dos Santos (parte 1)
"Pirâmides, tsunamis, pinturas sujas, dias e noites e outras sobreposições"
Séries produzidas entre 2010 e 2017  
Francisco dos Santos, poeta, ficcionista, artista plástico e editor, nasceu em 1967, no Mato Grosso do Sul. Publicou, entre outros títulos, Diálogo com Goya, 2000/2002 e A imagem sem centro - brevíssima de poesia, 2008/2009. 
(parte 2)
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revistazunai · 5 years
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Galeria 2: Francisco dos Santos (parte 2)
"Pirâmides, tsunamis, pinturas sujas, dias e noites e outras sobreposições"
Séries produzidas entre 2010 e 2017  
Francisco dos Santos, poeta, ficcionista, artista plástico e editor, nasceu em 1967, no Mato Grosso do Sul. Publicou, entre outros títulos, Diálogo com Goya, 2000/2002 e A imagem sem centro - brevíssima de poesia, 2008/2009. 
(parte 1)
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revistazunai · 5 years
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Manuscritos de Alexandria: Claudio Daniel
GAVITA, GAVITA
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escuro, escuro como um uivo - som de sombra -  esquálido e fecal -  voz miúda, no espaço espesso. gestos surdos, de pele tensionada -  mãos fluidas que tateiam o ar. sim, está enfeitiçada. ginga, negra e cega, em vôo tosco. vibra o torso, em vaivém, nas pontas dos pés. ginga e gira, com serpentes nos braços, e treme toda, torva e turva. não tem unhas, só garras; nem lábios, apenas gritos mudos. ela expande os passos, sem volúpia ou cisma, e s'incandesce, crestando o solo. é toda fera e fúria. está enfeitiçada, e me apavora. eu sorvo sua treva, e afundo em visões de salamandra. visitei as páginas de um livro de magia, e invoquei as figuras retorcidas da insânia: vêm, astaroth, asmodeus, sintam a carne que ofereço a seus caninos.
 (eu sabia os nomes das flores, quando menino, das estrelas e insetos;) (juntava lagartas numa caixa de sândalo) (e rezava pelas almas das princesas suicidadas.) (um albino ensinava-me latim) (e apertava fortemente meus testículos.) (laos deo, laos deo.)  (citações de cícero e da guerra da gália) (até soar a sineta para o desjejum.) (eu gostava dos turíbulos e ostensórios,) (dos saltérios e vitrais) (em que o filho do ho-mem) (sangrava por nossas culpas.) (excitava-me com sua dor.) (amava ícones mal pintados,) (palavras arcanas,) (música de violoncelo) (e sonhava ser marinheiro) (ou alcoólatra.) (certo dia, fugi.) (oh estações, oh castelos.) (açoitei a delicadeza,) (fiz-me barro, besta, bruto;) (um selvagem, sim, selvagem,) (e toquei tambor) (na noite do sabá.)
 (minha mãe tinha seios brancos) (e voz branca de medievo místico.) (ela foi a lua cheia,) (angélica e nivosa,) (oh monja da cela constelada.) (meu pai foi um rude fazendeiro,) (igualmente branco,) (cujo olhar tinha odor de antigas armaduras.) (recordo seu rosto de falcão,) (as pequenas mãos trigueiras,) (a voz pesada, de bacamarte.) (eles eram de diversa estirpe,) (mas eu os amei,) (em minha estranha epiderme,) (na nostalgia de outro reino,) (que não sei.) (dizem os juristas) (que no céu) (todos são brancos,) (como as velas dos santos,) (o linho,) (o algodão.) (é verdade que sou um deslocado,) (desbocado,) (excêntrica bizarria,) (rosa cúbica, talvez.) (vejam, aqui está) (o negrinho) (que fala francês,) (membro de uma raça impura,) (turba de pobres diabos,) (ratos depenados,) (pretos amaldiçoados.) (é verdade,) (confesso aos senhores,) (a minha escurez,) (mas guardo comigo) (a música das esferas.)
 está enfeitiçada, e canta ladainhas. em nervosa mímica de punhos, move-se como a naja em sua caverna, o peito magro ornado com colares de crânios, os cabelos azuis cobertos de cinzas. ela dança, dança sobre o meu ventre, agitando as armas de suas múltiplas mãos, e beija-me a boca com os acres perfumes do crematório. delírio contorcido, convulsivo / de felinas serpentes, / no silamento e no mover lascivo / das caudas e dos dentes. (não há qualquer caminho) (ou via ideal) (com trigais e monjolos,) (apenas a rua) (tortuosa do grito,) (a vereda) (fantástica) (do absinto.)
 (fui o ponto) (dos mais curiosos) (espetáculos,) (cedendo palavras) (aos atores no palco;) (e emprestei silêncio) (a minhas próprias comédias.) (sou talvez essa loucura geométrica,) (nos porões de um teatro abolido.) (mancha de tinta) (no final de cada linha,) (sem dimensões,) (mínima esfera.) (uma pausa entre vozes,) (lugar indefinido,) (porção menor de um plano,) (sinal que abrevia os vocábulos.) numa evaporação de branca espuma / vão diluindo-se as perspectivas claras... / com brilhos crus  e fúlgidos de tiaras / as estrelas apagam-se uma a uma.
 (na mocidade,) (tomei cerveja) (com vadios,) (provei do tabaco) (e do presunto tostado;) (soube de vênus) (com atrizes) (de má vida.) (se sonhei) (com o sublime?) (sim,) (foi) (numa festa) (de coxos.) (sou um porco,) (como todos) (os homens) (são porcos;) (injuriei,) (conheci) (o escarro,) (o tabefe.) (porque sei,) (sou duende;) (vejam) (minhas unhas;) (sou inferior,) (como um pedaço) (de ferro;) (um saco) (de farelo;) (migalhas) (de ração.) (por que li) (o teu livro,) (charles baudelaire?) (acreditei-me um deus.)
 está enfeitiçada, pobre leoa devassa; onde estão teus filhotes? devo banhá-la, com a água que eu mesmo fervi. ergo seu braço, para a assepsia; depois outro, e as pernas, o pescoço, as nádegas, sem nenhum erotismo: como se prepara um morto para o caixão. vesti-la, peça por peça, com as cores discretas da pobreza. assobiar talvez uma valsa, um minueto, para dar requinte a nossa sopa. por fim, velar o sono da vestal, para só depois escrever os versos que ninguém escreveu jamais. torva, febril, torcicolosamente, / numa espiral de elétricos volteios, / na cabeça, nos olhos e nos seios / fluíam-lhe os venenos da serpente.
 (arquivista, sim,) (da estrada) (de ferro,) (ninho) (de covas) (e coveiros;) (onde) (sou corvo) (entre corvos,) (negro) (entre negros,) (porque os versos) (não compram pão.) (recolher as sobras,) (para o azeite) (e as verduras.) (desviar do cuspe;) (oferecer a outra mão.) (exilado) (de mim,) (despido) (de qualquer) (delicadeza) (sou coisa) (entre coisas.) (vítor,) (o que) (fazer,) (sozinho,) (em terra desolada?)
 (houve) (um tempo) (em paris) (em que fui) (o rei) (do haxixe.) (todas) (as moças) (amavam) (minha face) (de príncipe) (etíope,) (atlante) (ou cenobita.) (eu usava) (uma gravata) (vermelha,) (flor) (de cardo) (na lapela) (e bigodes) (espessos) (de mongol.)  (é tão distinto) (ser) (um poeta) (maldito.) (meus versos) (encantavam) (insólitas) (platéias) (ao som) (monótono) (do piano) (estrangulado.) (alguém) (de suíças) (platinadas) (desenhava) (haréns) (de divas) (marroquinas.) (um outro) (de denso) (cavanhaque) (e nariz) (encurvado) (discutia) (platão) (e plotino.) (mulheres) (de seios) (rosados) (entoavam) (árias) (de concerto.) (havia) (pratos) (refinados) (de atum) (e salmão,) (garrafas) (de vinho) (espanhol) (e cheiro) (forte) (de fumo) (africano.) (eu era) (o rei) (do haxixe,) (até) (certo dia,) (quando) (fui surrado,) (como) (um) (escravo,) (cuspido) (e) (atirado) (para fora) (dos salões,) (como) (um corcunda,) (leproso,) (bufão.) (senhores,) (vejam,) (ali) (vai,) (célere,) (espavorido,) (o) (macaco) (cantante.)
 gavita, gavita. sim, está enfeitiçada, e fala ganidos. ela, minha bela, dona e dânae, minha flor amarela, meu bicho-da-seda, minha floresta. eu sou o teu dervixe, tua chuva de ouro, teu apache, teu urso polar. vem, deusa de tetas verdes, vem aos meus braços, como no tempo em que te conheci, na terra do gelo. você me dizia de países distantes, em que são servidos licores de pétalas de rosa. onde há carros floridos movidos pela mente, e macacos que entoam devotadas preces. eu enlaçava tua cintura delgada, e recitava o mantra dos jogos nupciais.
 para as estrelas de cristais gelados / as ânsias e os desejos vão subindo, / galgando azuis e siderais noivados, / de nuvens brancas a amplidão vestindo. mas agora soa apenas a sina da insânia, pretume, pedraria, pesadelo; desnudas deidades descartam os danados, riem dos duendes da demência. (sozinho,) (no rito) (intenso) (da nevrose,) (junto) (minhas cinzas) (no místico) (cinerário,) (ao som) (de brahmânicos) (sonidos.) (shiva,) (shiva) (nataraja,) (onde,) (em que) (lua) (ou pétala) (ofendi) (a memória) (de um deus?). (senhor) (dos dançarinos,) (quando,) (em que era) (noturna) (de infortúnios) (cometi) (os mais terríveis) (enganos?) (estas) (são) (as mãos) (de um) (criminoso,) (turco) (ou judeu.) (apedrejai-me,) (sim,) (apedrejai-me,) (para abreviar) (a minha) (longa) (miséria.)
 (vítor,) (houve uma ilha) (em que os homens) (e as mulheres) (andavam nus,) (e as árvores) (geravam) (pomos) (de ouro.) (filetes de água) (escorriam) (pelo verde) (limoso) (das rochas.)  (o sol) (de bronze) (festejava) (os ritos) (da primavera). (monolitos) (decorados) (com coroas) (de flores) (pontiagudas.) (oferecia-se) (aos deuses) (música) (de tambores) (e frutas) (saborosas.) (tudo era calma,) (beleza) (e languidez.) (tudo era dança, dança, dança.) (oh senhor) (dos rios) (que se encontram,) (em que distante) (esfera) (perdi) (a minha vida?)
 está enfeitiçada, sim, enfeitiçada, triste espectro que vomita estrelas. cega e surda, não escuta clamores; ordena traições e incestos; sorri dos servos fenícios degolados. crianças, esta ainda é a sua mãe. venham. vamos conversar. o nilo banha o egito, terra de escribas e papiros. o sena flui em paris, onde os poetas são jovens tuberculosos. o tâmisa tem o fog londrino como cenário, e abriga as ossadas de um famoso maníaco. o ganges nasce dos pés de lótus de krishna. é preciso lembrar das savanas e das estepes. das matas tropicais e dos desertos. dos míticos vulcões e das geleiras. é preciso conhecer o mundo.
 (eu quero sair do mundo.) (habitar outros pórticos.) (aprender) (idiomas) (sem vogais.) (há uma estrela) (de musicais) (estatuarias.) (há um espelho) (que reflete) (apenas) (minaretes) (de mesquitas.) (há uma moeda) (que mesmeriza) (tenores) (e contraltos.) (há uma lesma) (ou plasma) (que abraça) (os meninos,) (sorrindo) (truculenta,) (brutal,) (um riso) (azul) (de agonia.) (certa vez) (sonhei) (um livro) (infinito.) (suas paginas) (eram translúcidas) (como um espelho.) (as palavras) (brotavam) (como gotas) (de chuva) (borradas,) (sangradas) (no vidro) (do papel;) (as letras) (eram arcanjos) (desnudos,) (que cantavam) (em timbre) (agudo,) (numa) (voz) (escura,) (quase) (silêncio.) (eu sou) (talvez) (esse livro.)
 gavita, gavita. reclinada em seda e linho, lua minguante, no entressonho. seus caninos nivosos, torneados, como jóias de marfim. suas palmas, de rosácea; os clarões das unhas, e os olhos, corolas de hibisco. ela amava as valsas ingênuas, os realejos e tristes ametistas; o chá servido em baixela; o sabor do vinho branco; passear de braços dados, no largo do coreto. súbito, cai uma flor amarela, no tanque de água; ela sorri, e recorda quando a abracei, no jardim dos moura schiavo, lembra-se do que eu disse em seu ouvido, você é só encanto, encantamento, my love is as a fever, longing still. ela coloca meus dedos em sua boca e diz que eu tenho o olhar cigano de um nômade estrangeiro; e acaricia meus cabelos com os dedos finos, suaves, tão suaves. mas isso foi em outra aurora; agora apenas gira, desorientada, sem rumo nem prumo, sem ver-me ou ouvir-me, dolente e demente, enfeitiçada.
 ela é tão bonita como um sarcófago etrusco, espada sarracena, bi-ombo japonês. seus pequenos pés, que bocas febris e apaixonadas / purificam, quentes, inflamadas / com o beijo dos adeuses soluçantes. a boca, viçosa, de perfume a lírio, / da límpida frescura da nevada, / boca de pompa grega, purpureada, / da majestade de um damasco assírio. ela foi a minha máscara. ela é o meu fetiche. serei então o teu lacaio, teu pajem e eunuco. renuncio a minha vaidade, narciso despido de narciso. sou agora teu mendigo; serei teu diabo, teu criado, teu cão.
 gavita, gavita; minha fada e apsara; agora repousa, negra e magra, como galho seco; a pele tensa, de cervo degolado; os olhos turvos, de noite proscrita. estirada, como massa amorfa, ou bolo vegetal; os braços líquidos, de nereida; a voz desfeita, em careta torpe. esticada, como um animal ou coisa; atirada, não, colocada no caixão, digo, em seu leito de extintas exéquias. meninos, esta é sua mãe; vamos deixá-la em paz, é hora de dizer bonne nuit. venham fazer as orações, no oratório; em nome do pai, do filho, do espírito santo, amém. é preciso fechar bem as portas e janelas; reler um soneto de camões; beber o copo de leite; abocanhar o naco de pão; esquecer um verso no idioma páli; fazer-me treva; guardar o grito ancestral no livro de retratos.
 ela está enfeitiçada, e me apavora. eu sorvo sua treva, e afundo em visões de taumaturgo. insano, febril, como quem fuma visões de navios e cetáceos, desenho portais de estranhos labirintos, dragões de esquecida tapeçaria, sinos de catedrais submersas. vejo a noite decapitada. ouço a chuva que cai, tênue como o som de um cravo metafísico, remota sonata para medo e medula, no patíbulo das horas. recordo seus olhos de cravos e cravinas. seus olhos de uma tarde em setembro, quando havia um céu de seda e o apito do trem na estrada de ferro. eu via suas mãos crescendo como ventosas, os lábios de estilete, o corpo querendo voar. meninos morenos corriam na estação, sombrinhas e sobretudos criavam asas, uniformes e tabaco gritavam em cinza, um topázio virava uma estrela. esta foi a tarde azul da metempsicose.
 gavita, gavita. foi minha culpa, meu pecado, que invocou esse fado? terei perdido a luz de sua luz por uma absurda, obscura vaidade? eis o que os versos me deram, a ardente areia desolada, o rito absíntico do medo. abyssus abyssum invocat. soa a meia-noite; agora, devo cuidar dela. velar seu sono, na madrugada inquieta. abrir seus punhos mudos, para o repouso; repelir do leito a cabeça do lagarto; pendurar suas vestes, guardar caixinhas e estojos, enxugar sua face. oh, senhor dos caminhos que se bifurcam. penso, mais de uma vez, em fazer-me nada entre nadas; partir rumo à nebulosa, mas não posso. ela está enfeitiçada, e treme toda, torva e turva; é fera e fúria. sim, cuidarei dela, e sempre a amarei. um amor obsessivo e triste, amargo e amarelo.
  (Do livro Romanceiro de Dona Virgo, de Claudio Daniel, publicado em 2004 pela editora Lamparina.)
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revistazunai · 5 years
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Torre de Babel 1: Wang Wei
por Chiu Yi Chih
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山中相送罢,日暮掩柴扉。
春草年年绿,王孙归不归。
Após me despedir do meu amigo no meio da montanha,
contemplei o crepúsculo da tarde e fechei a porta de madeira de casa.
Será que ele regressará novamente
antes do próximo germinar das flores da primavera? 
空山不见人,但闻人语响。
返景入深林,复照青苔上。
Não se vê ninguém na desolada montanha,
embora ainda se ouçam os ecos dos sons humanos.
Quando o sol reluz no interior da densa floresta,
inúmeros reflexos de cores irisam-se acima do musgo verdejante.
独坐幽篁里,弹琴复长啸。
深林人不知,明月来相照。
Sozinho e sentado no silente bosque de bambus,
ora toco uma música, ora assobio uma melodia.
Ninguém sabe que estou nessa recôndita floresta.
Somente a lua radiante vem refletir-se ao meu lado.
桂魄初生秋露微,轻罗已薄未更衣。
银筝夜久殷勤弄,心怯空房不忍归。
Enquanto a lua se elevava no céu oriental,
ainda se dissolvia o orvalho da noite de outono.
Eu trajava uma veste de tecido finíssimo.
Embora ela fosse delicada, ainda nem a tinha trocado.
Durante toda noite, dedilhei o pipá prateado
com um sentimento fervoroso,
meu coração temendo retornar ao vazio do silêncio da casa.
空山新雨后,天气晚来秋。
明月松间照,清泉石上流。 竹喧归浣女,莲动下渔舟。
随意春芳歇,王孙自可留。
Com o fim da chuva, vislumbra-se
uma silenciosa e desolada montanha.
A noite de outono traz uma diáfana brisa
e, entre os pinheiros, cintila a lua translúcida.
As águas límpidas e murmurejantes
das nascentes balançam-se sobre as pedras.
De dentro da floresta de bambus, ouvem-se rumores
que são como os passos de uma donzela retornando ao lar.
O barco de pesca embala a cortina de folhas
de lótus que não cessam de oscilar.
Embora não se veja ainda a relva da primavera,
belíssima se revela a paisagem de outono,
pois ali os filhos dos reis e príncipes
com serenidade podem repousar.
晚年惟好静,万事不关心。 自顾无长策,空知返旧林。 松风吹解带,山月照弹琴。 君问穷通理,渔歌入浦深。
Na velhice, desejo somente o silêncio.
Não tenho nenhuma aflição na mente, nenhum plano a ser cumprido.
Quero apenas retornar à antiga floresta e conhecer o Vazio.
Os pinheiros assopram minha cintura.
A lua fulgurante ilumina enquanto toco uma música.
Se acaso você quiser saber o que é o infortúnio ou a felicidade,
pergunte ao pescador que está cantando à beira do lago profundo.
Tradução: Chiu Yi Chih
Wang Wei (王維) (Taiyuan, Shanxi, 701-761) foi um poeta, calígrafo, pintor e estadista chinês  da Dinastia Tang. Também foi conhecido como o "Poeta de Buda". Aprovado nos exames imperiais no ano de 721, chegou a ocupar no ano de 758 o cargo de chanceler, o mais alto posto no governo imperial da China antiga após o Imperador. Durante a Rebelião de An Lushuan contra a dinastia Tang, evitou servir de forma ativa aos insurretos durante a ocupação da capital fingindo ser surdo. Por dez anos estudou com o Mestre Tch'an Daoguang. Após a morte de sua esposa no ano de 730, não voltou a se casar e estabeleceu um monastério em suas terras.
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revistazunai · 5 years
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Torre de Babel 2: Kim Ki-Taek
por Yun Jung Im
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PANCETA DE PORCO
Volto para casa após uma churrascada de bacon fresco e bebida. Já há uma hora O cheiro da carne não sai do corpo. Sangue cozido no fogo, carne tornada fumaça Impregnam todos os meus poros, minhas rugas e sulcos das digitais. Aquele cheirinho de grelhado de quando devorava a carne esfaimado Já se fora E ficara apenas o fedor do terror do animal diante do abate Tampando como bolas de algodão as minhas narinas saciadas. Saio do metrô envolto em cheiro de carne feito aura de santo. do vagão, no lugar onde eu me postara O cheiro da carne em formato do meu corpo ainda segurava o corrimão Olhando-me através do vidro enquanto subo as escadas. Alcanço o piso da terra E uma lufada de vento fresco leva o cheiro da carne. Quando inspiro fundo o ar fresco O cheiro da carne se afasta de mim por um instante qual                                                                          [enxame de moscas Mas logo volta a grudar os seus pezinhos pegajosos em mim. Não larga a mão que grelhou o seu corpo na chapa crepitante Não larga os dentes que esgarçaram o seu corpo. O cheiro nauseante de onde ainda restam gritos e esperneios Penetra tenaz dentro do meu corpo besuntado do seu cadáver
COCEIRA
A mulher vestida de luto se arranca em direção à fornalha Para puxar de volta o caixão que avança para dentro dela.
Parada pelo portão de ferro que acaba de se fechar E dando-se conta de que o choro não sai O vazio da boca escancarada pula, pula batendo no peito.
O choro que estava prestes a explodir Para no estreito da garganta – massa do choro maior que a massa do corpo – E sufoca o som do choro
Então, como braços e pernas de alguém que se enforca O corpo todo arranha violentamente o ar – coceira
Coceira que não se coça por mais que se coce sem axila sem sangue na unha.
CACHORRO 3
Sob um teto de alumínio de um barraco Numa ruela estreita, tortuosa e lúgubre
Há um som que late, agudo e estridente Toda vez que se ouve som de passos
É na certa um amarelão esquálido Com as orelhas retesadas em pé
Como o telhado de alumínio Que quando cai um aguaceiro Trata de aumentar as rajadas em estrondos Não deixando escapar uma única gota sequer
Como o portão de alumínio Que aos golpes de punho ou da ponta dos sapatos Trepida e treme como batidas de coração O som late, fazendo do seu corpo todo o próprio medo Mostrando todos os dentes Latem as frestas das portas, buracos, todas as rachaduras.
PRIMAVERA
É março e o vento ainda esconde as garras da estação gelada. Um gato deitado ao sol com as quatro patas estiradas no chão Estica o corpo ligeiramente aquecido espreguiçando-se com vontade. As patas da frente bem estendidas para frente. E as patas de trás puxando forte as da frente. E, entre elas, as costas se curvam finamente contra o chão qual um arco. O vento que passa lambendo as costas suaves do gato também se amansa. E as árvores esticam os ramos carregados de broto Se espicham estalando todos os nós curvando-se clivosas ao vento.
REVERÊNCIA
Dezenas de frangos assados prostrados sobre a tábua prestam reverência. Nus, despidos de toda a sua penugem, prestam reverência. Ajoelhados com as pernas sem pés, reclinando                                                           [respeitosamente os pescoços sem cabeça, prestam reverência. Perante o cliente que barganha o preço da morte [com o dono que os depenou e lhes cortou os pés Perante o cliente que quer matá-los mais uma vez fervendo a morte                                                                                                               [já morrida, prestam reverência. Em posturas impecabilíssimas ainda que virados                                                                       [e amontoados um sobre o outro Até emprestar o seu ar solene à plena feira Até purificar as chamadas dos feirantes e as vozes que barganham, prestam reverência. Sem nem pensar em se levantar, que seja em                                                                                         [uma hora, em dez horas Endurecidos na posição de reverência sem jamais tornar a estender                                                                                                           [os membros, prestam reverência. Dando-se por inteiro, com o corpo tornado pudor [assim que depenado e decapitado
Tradução: Yun Jung Im
Kim Ki-taek nasceu em 1957 na cidade de Anyang, arredores de Seul, e estreou como poeta em 1989, quando seus poemas “O Corcunda” e “A Seca” foram premiados no concurso anual de poesia realizado pelo Jornal Diário Hanguk. Publicou, além de Chiclete (2009, traduzido para o o português por Yun Jung Im), O sono do feto (1992), Tempestade no buraco da agulha (1994, traduzido para o japonês em 2014), O funcionário de cola- rinho branco (1999), O boi (2005) e De rachadura em rachadura (2012). Também traduziu várias obras infantis estrangeiras, entre eles, O flau- tista de Hamelin. O poeta vem recebendo destaque da crítica em virtude do seu universo poético singular, que, com uma retórica racionalizada e descrições para lá de áridas, desconstrói a paisagem e os fenômenos do nosso entorno urbano. Colecionou praticamente todos os prêmios literários importantes do país, entre eles o Prêmio Literário Kim Su-yeong (1995), Prêmio de Literatura Contemporânea (2001), Prêmio Literário Isu (2004), Prêmio Literário Midang (2004), Prêmio Literário Ji-hun (2006), Prêmio Literário Sang-hwa (2009), Prêmio Literário Gyeong-hee (2009) e Prêmio Literário Pyeon-un (2013). Em 2007, foi convidado para o programa de residência para autores coreanos, num convênio firmado entre a Fundação Daesan e UC Berkeley, EUA.
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revistazunai · 5 years
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Torre de Babel 3: Robert Creeley
por Flávia Rocha e Claudio Daniel
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GROUND ZERO
What's after or before seems a dull locus now as if there ever could be more or less of what there is, a life lived just because it is a life if nothing more. The street goes by the door just like it did before. Years after I am dead, there will be someone here instead perhaps to open it, look out to see what's there -- even if nothing is, or ever was, or somehow all got lost. Persist, go on, believe. Dreams may be all we have, whatever one believe of worlds wherever they are -- with people waiting there will know us when we come when all the strife is over, all the sad battles lost or won, all turned to dust.
MARCO ZERO
O antes ou depois
parece já um foco inerte
como se pudesse ser mais
ou menos do que é,
uma vida vivida por ser
vida apenas, nada mais.
A rua passa à porta
como sempre, anos depois
de minha morte,
aqui haverá um outro
ao invés, talvez para abri-la,
ver o que há lá fora –
mesmo que não haja nada,
ou nunca houvesse,
ou tudo fosse perdido.
Persiga, siga, acredite.  
Sonhos talvez sejam só o que temos,
o que se imagina
dos mundos onde quer que estejam –
com povos lá esperando
que vão nos conhecer quando viermos,
quando toda a luta tiver cessado,
as tristes batalhas perdidas ou vencidas,
tudo convertido em pó.
Tradução: Flávia Rocha e Claudio Daniel
Robert Creeley foi um dos mais criativos poetas norte-americanos da segunda metade do século XX. Conhecido como editor do suplemento literário do Black Montain College, nos anos 50, esteve na linha de frente da revitalização da poesia de seu país, ao lado de autores como Robert Duncan e Charles Olson. A influência de Creeley foi decisiva sobre os poetas da Language Poetry, e também marcou o início do trabalho criativo de vários autores brasileiros que estrearam nos anos 90. No Brasil, foi traduzido por Régis Bonvicino e por Rodrigo Garcia Lopes.
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revistazunai · 5 years
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Torre de Babel 4: Jonathan Swift
por Thaís Fernandes
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TO A FRIEND, who had been much abused in many inveterate libels
The greatest monarch may be stabb'd by night And fortune help the murderer in his flight; The vilest ruffian may commit a rape, Yet safe from injured innocence escape; And calumny, by working under ground, Can, unrevenged, the greatest merit wound. What's to be done? Shall wit and learning choose To live obscure, and have no fame to lose? By Censure frighted out of Honour's road, Nor dare to use the gifts by Heaven bestow'd? Or fearless enter in through Virtue's gate, And buy distinction at the dearest rate.
PARA UM AMIGO, Que tinha sido muito insolente dos diversos libelos inveterados
Ao cair da noite, o grande soberano pode ser trespassado E o assassino em sua fuga serve o fado; O mais facínora vil é capaz de cometer um abuso, Ainda passar ileso da inocência ferida como justo; Mas praticando calúnia ao rés-do-chão, Tolera o maior mérito ressentido, sem transformação. O que ser feito? Deveria o tino aprender a escolher Permanecer obscuro, e não ter honra a perder? Sob reprimenda o acovardou do caminho da dignidade, Ousaste a não usar os dons concedidos pela Divindade? Ou intrépido tu entras pelo portão da Virtude, E compras distinção à preço mais rude.
A DESCRIPTION OF THE MORNING Written in April 1709, and first printed in “The Tatler”
Now hardly here and there an hackney-coach Appearing, show'd the ruddy morn's approach. Now Betty from her master's bed had flown, And softly stole to discompose her own; The slip-shod 'prentice from his master's door Had pared the dirt, and sprinkled round the floor. Now Moll had whirl'd her mop with dext'rous airs, Prepared to scrub the entry and the stairs. The youth with broomy stumps began to trace The kennel's edge, where wheels had worn the place. The small-coal man was heard with cadence deep, Till drown'd in shriller notes of chimney-sweep: Duns at his lordship's gate began to meet; And brickdust Moll had scream'd through half the street. The turnkey now his flock returning sees, Duly let out a-nights to steal for fees: The watchful bailiffs take their silent stands, And schoolboys lag with satchels in their hands.
UMA DESCRIÇÃO DA MANHÃ Escrito em abril de 1709, e originalmente publicado na “Tatler” (1)
Que mal, aqui ou lá, um cocheiro mercenário Apresentou-se, mostrando o rubro céu do cenário. Betty saltou da cama do seu superior, Em silêncio caminhou, indo para sua cama se recompor; À porta de seu mestre o aprendiz desleixava, Apanhando do chão a sujeira espalhada. E Moll tinha girado seu esfregão com certa prática, Pronta para esfregar a entrada, e também a escada. Com troncos vassalos a juventude começou rastrear Ao redor do canil, onde as rodas tinham puído o lugar. (2) O pequeno vendedor de carvão foi ouvido com cadência profunda, Até afogar-se no som do limpador de chaminé, em notas agudas: Credores no portão de seu senhorio começaram a se opor; E para metade da rua Moll gritara: olha os pós de tijolos ao dispor. O carcereiro, agora, o seu grupo voltando a enxergar, Decerto liberado uma noite, para os honorários lhe roubar: (3) As sentinelas meirinhas assumem suas silenciosas posições, E os discentes relutantes com suas mochilas nas mãos.
VERSES ON I KNOW NOT WHAT
My latest tribute here I send, With this let your collection end. Thus I consign you down to fame A character to praise or blame: And if the whole may pass for true, Contented rest, you have your due. Give future time the satisfaction, To leave one handle for detraction.
SOBRE VERSOS QUE EU NÃO SEI
Minha última homenagem a te enviar, Deixando, desse modo, tua coleção findar. Assim, consigno-te para ganhar fama Uma figura ora culpa, ora aclama: E se íntegro transpareces sob a verdade, Descanso contente, tens a tua solenidade. Dê ao tempo a futura satisfação, Com pretexto de cessar a detração.
Tradução: Thaís Fernandes
Notas:
(1) Número 9. Ver a edição em seis volumes, com notas, 1786. —W. E. B. (2) To find old nails. — À George Faulkner. (3) Atender às acusações que lhes são impostas pelo guarda da prisão. E. B.
  Jonathan Swift, pseudônimo Isaac Bickerstaff, nascido em Dublin, Irlanda, em 30 de novembro de 1667 e falecido na mesma cidade em 19 de outubro de 1745, foi um escritor, poeta, clérigo anglo-irlandês e reitor da Catedral de São Patrício; um dos mais conhecidos satíricos da língua inglesa, autor do clássico “Viagem de Gulliver”, narrativa publicada em 1726. Filho de pais anglo-irlandeses, da união entre Jonathan Swift, originalmente de Goodrich, sul de Herefordshire, e Abigail Erickm de Frisby on the Wreake, Leicestershire, condado do leste da Inglaterra, Jonathan Swift ficou órfão ainda recém-nascido, e foi criado pela mãe, pela sua irmã mais velha, Jane, e principalmente pelo seu tio Godwin, quem assegurou-lhe estudos e educação. Jonathan Swift estudou em colégios de maiores prestígios na capital da Irlanda, como na Escola de Gramática da Kilkenny College, em 1673; na Trinity College, em 1682, onde obteve seu diploma de bacharel; e, posteriormente, completou os estudos recebendo o título de Mestre em Artes pela Universidade de Oxford, em 1692. Swift morou na Inglaterra durante muitos anos, consequentemente, seus princípios morais e intelectuais foram influenciados pelo racionalismo peculiar da Inglaterra do final do século XVII. Sua originalidade, entretanto, consiste mais em seu talento e imaginação satírica, na sua arte literária e no seu pensamento humanista. Na tentativa de esclarecer sua perspectiva moral, diante da degradação física e espiritual que vivera na época, Swift também se dedicou à poesia pastoral. Sua vasta produção poética, com a preocupação em compreender a natureza humana e explicar o comportamento humano, contudo, descreve imagens satíricas do oeste de Londres, retratando o modo e o estilo de vida dos habitantes daquela região. Ele também viajava frequentemente para Irlanda, exercendo profissão como ensaísta, jornalista político e clérigo. A maioria de seus trabalhos literários foram escritos sob pseudônimos, alguns deles publicados em panfletos, os quais eram exercícios de grande circulação e representação na Irlanda, país que Swift foi nomeado deão da Catedral de São Patrício, em Dublin, e recebeu o título honorífico Doutor em Teologia, Universidade Trinity College, em 1702.
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revistazunai · 5 years
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Esculturas Musicais 1: Fernando Aguiar
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O TER QUE SER COMO SE FOSSE
Aescotilha queseescolhe
semsilêncio quefalasse
seamentira nãoocultasse
oaquiloque serecolhe…
namoléstia comqueficasse
oterdeser comosefosse
seterminasse semtosse
eodesenlace recomeçasse…
ojánãoser porserassim
oentãover porqueficando
nãodefinir oagoraquando
eentãodizer ouvaipormim…
nogemido queládestapo
ogargarejoque notomecoa
semescape quelhesobrevoa
émesmodesta quenãoescapo…
EXTINTOS ESTAMOS TODOS
Vir de longe sempre perto
rumor brando, longo assombro
chuva rasteira, irrisório charco.
Vir de perto sempre longe.
No chão de granizo que se apresenta.
O estrépito que em silêncio espalha
num inútil desespero de continuidade.
Solo que sendo seixo, assim se assume.
Linguajar à boca fechada, factos de traça aberta
extintos estamos todos. No mais, no menos
no quanto demora,  por quem se depara
na circunstância que o palavrear não soletra.
No agora ou no depois se determinam opções.
Sequela que não construindo se degenera.
Renúncias que são mais isto do que aquilo
depois de, assim que, por vezes se, ou mesmo
senão.
O DIZ QUE DISSE
O diz que disse
O quer que fosse
O foi-se em riste
E rir sem tos
se.
O é ou não é
O passou ou se visse
O ocaso finca-pé
Mesmo se sentis
se.
O sim ao que está
Talvez ao que não
O ser há ou não à
E nem sempre apres
se.
O ser esse que é essa
E nessa o que é desse
Retorno sem acesso
Se assim o quises
se…
O esforço que se esvai
A ânsia em não mudar
Um novo entra e sai.
O ir sem regressar-
se.
A pressão por não achar
Consistente, o sobrepor
O advir a relembrar
E se por dúvida o disses
se ?
AO SANTº, VALHªM-LHE OS CÉUS !
Essa falha nesta folhª, asso, solha e desfloro de fora
no rep.olho só re»ponho, vou rep asso, minto, flora.
Cres^ce o facto, cato o gato, vou+me rooming embora.
Soltº o ego, naõ soss,ego, abro fogo E logo ag-ora…
T’arrenego, m’aprochego, faço check-in & go out
re;colho a ceia, re:pasto a meia, no know-how se re#nasce.
Re-retrocesso, embuste espes-so, e espeço-te que naõ vá-s.
Aleg(o)ria que se traduz, sonho cheiº que seduz. (T)Às ?
Ag”ora o todo, a tudo o sem-pre, vago som que des-faço
embora o lei@, de sos~laio en-leio, e logo o logo(s) tr_aço
sol-eira na pedra, mão que medra, n*em pre-sinto ao que v/ou
e sob a Né-voa regr*esso,  luª  adensada, qeu esque-ço, halô?.
C-olho a calha,  sobra a falha,  o san-tº a (s)altar no adro  sua,
flor+es no regaço,  c-lima que amordaço, Ma=dona no (f)altar nua,
sem r#odeios se acende, no ro;dado se apreeende, e logo espreita
qu§em meio torto se re!faz, no dir;eito se subjaz, e at´ras se sujeita.
O MUITO QUE SE LHE DIGA
O ter muito que se lhe diga
e não ter nada como se fosse
o ter e um haver que consiga
arranjar sarna com que se coce.
Assumir que o assim já não é
e resumir o canto que entoa
súbito som que sobe ao sopé
sob a palavra que lhe sobrevoa.
Sobre a sequela que se incendeia
no verde, o abismo se sobrepõe
o sol  nascente  na lua cheia
espantado latejo que não opõe.
O excesso onde assume o sobreiro
a sobrancelha não reflete o (es)pasmo.
Um facto antepõe o denso cheiro
no asterisco em forma de orgasmo.
Artéria que desperta apinhada de gente
silêncio que remeto em sereno cambiante
um velho aforismo em quarto crescente
num devaneio de quarto minguante.
O SUJEITO DO ENSAIO
Ele. Elas. Loas.
Lado. Sado. Boas.
Pedra. P reta. Pr anto.
S anto. S alto. As
co. So
as.
Sinto. Minto. Ou não.
S ei. Sei-o. En tão.
Estou. Sou. Não são.
Atenção. Que se. Es
vai. vai
a.
Chio. Ch ato. S acha.
Chocha. Chanfro. Ch iça.
Cifra. Chifre. Ch oca.
Ch ão. Alto.
Ass
alto.
Cento  peia. Cedo feita. Cai.
Cho vendo. A co isa. Eco a.
Sendo. Se nda. Ai ou aí.
V ou-me. Leio-me. V ai
-o-me. Me
io.
Vai ao me. Vei o te.
Te v ai o e me s ai o.
S onda que so letra.
En sai-o que se sujei
Ta. Ta
co.
Sa ída. Só ida. S ida.
Só lida. So li dão.
En trave que des trava.
A destra erva. Ser
Va. Va
(i)te.
Noite. Escura. Só.
Soía. S uo minha. Ia
Disper so-ca minho  
Que per corre o cor
po. Car
pa. Pas
so.
Com bate que se sabe
sobre posto. Nódulo.
Nó que des ata. Que es bate.
Sabático ar dor no desen la
ce. Ce
Ia.
Re curso na ondulação
re corre nte. De c urso
a que re corro qu ando no ar.
Fl ama que ar de de pois
da. Da
do.
Ir  ao l eme.
Alguém sua.
T(r)eme. Enxam€.
Traje©to que se trai
indo. Findo.
V ai.
PASSO APÓS PASSO
V ir de volta.
Sempre volto.
P asso após tr aço.
Com passo que re
torna.
Surjo de n ovo.
Sob a pa lavra.
Pedra após letra.
Escrita desen
quadra da.
Atento (en)quan t/d o vou
estimo o en canto.
Vale tudo - ou quase.
Es trela (a) pu
lar.
Não sinto ensejo.
Sempre iludo.
(Vele)idade que ad vem.
Sub jaz o des encon
tro.
Questiono o mo mento.
A cerco. Acon chego.
À tona a água que
trans borda. Trans
torna. In porta.
Permaneço en volto.
De sa gre ga do.
Tomara tudo.
Sol eira que se  des
faz.
Devolvo a volta.
En volto re tomo.
Sublime ar dor
que á(e)spero se as
sume.
Sinto(-me) (o) deserto.
Receio ala(r)gado.
De c urso que (des)envol
vo no mo
men  to.
QUE MAIS SE PODE FAZER ?
Acordar na tarde            no distante              anoitecer
Acontecer se arde                       num súbito alvorecer
Renascer em marte          em parte          se acontecer
Dar-te             por  não ter               e voltar a reverter.
Adiar             se for o caso              no que tiver que ser
Encardir o alvo cardo                  e  de súbito enaltecer
Arvorecer na sombra                      na certa sem se ver
Voltar ao que nos cerca            entre o deve e o haver.
Progredir na (in)certeza          o  suposto engrandecer
Arredar sobre a mesa           o nem sempre agradecer
Entrar pela saída               e assim                retroceder
Ver o há            o não haver          e tornar a converter.
Aprisionar o aprumo                apenas por puro prazer
O tardar nos teus seios              num terno entardecer
Cativar    o inquieto olhar   como forma de (se) poder
Padecer      o que parece       que mais se pode fazer ?
FERNANDO AGUIAR publicou 31 livros de poesia, performance poética, infantis e antologias internacionais de poesia visual em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, Irlanda, Canadá, U.S.A., Inglaterra e no Brasil. Realizou 46 exposições individuais e participou em numerosas exposições coletivas. Desde 1983 apresentou cerca de 230 intervenções e performances poéticas em Museus, Centros Culturais, Teatros e em Galerias de Arte de 26 países. Organizou diversas exposições e Festivais de Poesia e de Performance em Portugal, Itália, França e no Brasil. É autor do “Soneto Ecológico”, uma obra de poesia ambiental constituída por 70 árvores plantadas em 14 filas de 5 árvores, numa área aproximada de 110x36 metros, em Matosinhos, 2005.
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revistazunai · 5 years
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Esculturas Musicais 2: Antônio Moura
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OUVE O MUNDO      A Marcilio Costa
Cala, ouve o mundo, há sempre uma voz em tudo – um coaxo,
um sibilo, um crocitar, um zumbido, um gorjeio, um zurrar, um rumor
de água, um silvo, um vento, um far                     fa                 lhar,
um balido, um trino, um latido, um cicio, um grunhido, um grasnado,
um sussurro, um rosnado, um ron ronar, um rugido, um bater de asa,
um estalo na viga da casa, um ecoar, um latejo na têmpora, um temporal,
um trovão, um ranger de porta, um inaudível desabrochar, um cricrilo,
uma sílaba ci ci ci ci ci ci ci cigarra, um sino, um relógio, uma badalada,
um último suspiro, um novo ser a respirar, um gemido amante,
o som de uma lágrima que cai no olvido, uma vida inteira a murmurar – e no fundo
de todas as vozes inanimadas e animais a voz do espírito que a tudo anima.
Ouve – há sempre uma voz em tudo. Fica – um instante – mudo
JOAQUIM NABUCO
País                       transformado em porão, sua carga                       – cor, sangue, dor, perseguição
Navio           fantasma há séculos à deriva
Negreiro                       o uivo do mar que em volta vibra
POEMA PARA LER AO ANDAR COM CUIDADO
Você que agora caminha por este poema, não está ouvindo, além do som das silabas,
o som de sinistros passos ecoando secos em seu encalço, como que para encarcerá-lo,
como que para amordaçá-lo? Não está agora pressentindo atrás de sua própria sombra
uma outra sombra, que, aos poucos, se agiganta querendo, de forma réptil, cobrir tudo, todos,
com sua escura manta? Não está sentindo, agora, fazer ninho eu seus ouvidos a gralha
a rasga-mortalha da histérica pregação, que busca ensurdecê-lo com seu grasnado
para que ouça, unicamente, a voz intolerante, a voz fanática e prepotente do Deus demente?
Não está vendo uma venda que, lentamente, cai sombria sobre seus olhos, sobre sua mente?
Você que agora caminha por este poema, cuidado, aqui perto, no fim da Rua Extrema
a oficina do fascismo fabrica frias algemas
ONIPRESENÇA ONIPOTÊNCIA
     A Noam Chomsky
Júpiter Isis Baal Amon-Rá Thor Saturno Cronos Belus Vênus Odin Marte Plutão Hutzilopochtli Tezcatlipoca Moloch Gigantes ICBC China Construction Bank Agricultural Bank of China Berkshire Hathaway JPMorgan Chase Bank of China Wells Fargo Aplle ExxonMobil Toyota Motor Bank of America AT&T Citigroup HSBC Holdings
TANTO QUANTO
Um tanto de mentira, um quanto de verdade, assim vai se erguendo o mito, teia entretecida com os fios
da vida e da irrealidade, boca a boca, ouvido a ouvido e algumas manchas de escrito, assim vai-se fazendo
do finito, infinito – uma palavra e um caminho que sem se salvar do tempo consegue escapar do olvido, vida
e arte entrelaçadas em grandes travessias de oceanos, pequenos barcos por furos dentro das matas, algumas
visões extraordinárias, muito de banal e cotidiano, e no meio da vegetação emaranhada, no centro da clareira
borbulha o caldeirão da feiticeira, o aroma do amor, suas especiarias misturadas ao odor azedo da dor – gordura fria
e fundidos no ar o olor das flores e o odor das fezes, nuvens saindo dos olhos dos demônios e dos deuses
para chover e forjar o humano jardim que floresce e apodrece, floresce, apodrece, floresce, apodrece,
floresta queimando num tempo tenebroso em que os uivos dos famintos e refugiados ecoam pelos cômodos das casas
e em contraponto reverberam sobre o silencio que cobre os corpos mortos dos nossos vizinhos índios, pretos, pobres,
almas vagando pelos cômodos cômodos de nossas casas, ecos incômodos pelos cômodos cômodos de nossas casas.
A página escurece, o estrondo de um meteoro soa na sala e entre os astros e o desastre ergue-se o rumor do mito,
a doce mentira, o sal da verdade, a vida, a arte – o grito
THE INVISIBLE WAR
     Os fragmentos da guerra invisível entram pelas frestas das portas e janelas, fantasmas de gás inflamável evaporados de grandes banquetes onde são servidos terrorismo de estado à la carte, cozidos geopolíticos com uma pitada de fundamentalismo religioso e fatias de porcos totalitários à direita e à esquerda da mesa.      Multidões de refugiados cruzam o mapa de meu quarto, passam por cima de minha cama carregando seus trapos até saírem pela porta do espelho onde esperam encontrar um outro mundo.      Os minúsculos fragmentos desta guerra grudam na sola de meus sapatos onde quer que eu vá, onde quer que eu ande, na rua, debaixo da terra, pelos telhados, explodem em forma de estilhaços ultra silenciosos a cada passo e enquanto ando em minha parca velocidade de homem a guerra invisível viaja numa velocidade estonteante por dentro de pequenos telefones, deixando milhares de mortos e feridos por entre os escombros das telas de cristal líquido.      A guerra fantasma é um flâneur maligno do Vale da Sombra da Morte, está em toda parte e em parte nenhuma, às vezes, sem que ninguém perceba, passa, com suas armas de alta tecnologia, por entre crianças que brincam descalças numa abandonada praça de periferia. Às vezes passa, causando arrepios, um vento frio, nos animais da floresta.      Por toda parte e em parte alguma, impalpável, Deus Onipresente, vaga um vírus fabricado em laboratórios transnacionais pagos pela moeda de lata dourada que carrego em meu bolso.      Não se pode vê-la nem ouvi-la, só senti-la quando já está muito perto, entrando silenciosa e sorrateira por dentro dos pesadelos dos que dormem nas cidades que dormem sem dormir de olhos bem abertos quando fecham os olhos de medo, quando tapam os ouvidos, para não escutar, apavorados, o bater de botas e o trotar de cavalos adornados de fitas e penachos aproximando-se de suas cabeceiras.      Veja, de dentro da cortina de fumaça e poeira que se levanta do cyber front erguido eletrônico no meio da sala, a múmia de Tio Patinhas ressuscita ainda mais sovina, decretando o fim da história, o fim das utopias, nadando, cínico, em sua gigantesca banheira de dinheiro.      Em vários pontos estratégicos da nova guerra, tiranetes-fantoches esperam por novas ordens sentados em seus urinóis decorados por coloridas logomarcas.      Não se sabe onde ela está – o inimigo sou eu, o inimigo é você – a guerra feita de vento, que agora me faz andar como um cego que tateia o ar sem sua bengala.
YO Y EL SORDO
     A Goya, El Sordo      A Isadora
Não podes me escutar Para falar contigo basta apenas apalpar as paredes de tua arte e perceber que a maldade humana descansa em qualquer tipo de barro, que se ergue e dá alguns passos entre a espera e o desespero que o esboroa
Nós dois sabemos que a borra da miséria e o cristal da estrela residem em cada gota de tinta, que o mar e o amor só existem para quem não os atravessa e que o lugar em que parecemos reinar, o lugar em que parecemos reinar é um território inconquistado, um chão sobre o qual o trono e a coroa são dados no mesmo instante em que a trombeta e a voz de um arauto nos manda abandoná-lo, mal saboreamos o cheiro marinho da Alba deitada nua na areia da praia e vemos que o que aqui nos trouxe, o barco há pouco ali ancorado – vês? – já arde em chamas – queima a pergunta do marujo se o desamparo do mar é a única forma de voltar
ou, quem sabe, assim, pedindo emprestado um pouco de tuas tintas, o sonho da razão, o pesadelo de Freud cem anos antes, quando as corujas piam em volta de tua cabeça, que deita para deixar escapar monstruos, los desastres, los caprichos, los disparates, las pinturas negras nas paredes que não têm ouvidos
A OUTRA VOZ
Presente em tudo e sempre oculto, serpente verde e imóvel entre a folhagem, imagem
que não se vê nem ouve-se mas sente-se perpassar todas as formas que armam
nosso breve arco riscado a giz de nuvem sobre a impalpável escuridão do mundo
Enigma, da superfície ao fundo, vulto transparente atravessando o véu do tempo,
reunindo, em sua única voz todas as vozes do vento, céu vazio, rio sem foz e nascimento,
círculo invisível em volta de seu próprio mistério – eterno, terreno, intocável, aéreo,
o silêncio, Deus da poesia, diz mais um dia
Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, 1963, residiu em São Paulo, Lisboa e atualmente vive em Belém. Poeta e tradutor, tem onze livros publicados, oito no Brasil e três no exterior. Poesia: Dez, edição do autor; Hong Kong & outros poemas, Ateliê Editorial; Rio Silêncio, Lumme Editor; A sombra da Ausência, Lumme Editor; A outra voz, Editora Patuá. Tradução: Quase-sonhos, Jean-Joseph Rabearivelo, Lumme Editor; Traduzido da noite, Jean-Joseph Rabearivelo, Lumme Editor; Contra o segredo profissional, César Vallejo, Lumme Editor. Rio Silêncio foi premiado na John Dryden Translation Competition, em tradução para o inglês de Stefan Tobler, publicado em pela editora Arc Publications, com o título de Silence River, com uma turnê de lançamento por oito cidades da Inglaterra. Publicado em Valéncia, Catalunha, Edicions 96, em tradução para o catalão por Joan Navarro, sob o título de Després del diluvi i altres poemes (Após o dilúvio e outros poemas). Editado no México, Río Silencio, em tradução para o espanhol por Victor Sosa, Editora Calligrammes. Tem sido publicado em diversas revistas e antologias nacionais e internacionais.
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revistazunai · 5 years
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Esculturas Musicais 3: Jorge Arrimar
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1. de que montanha?
não sei de que montanha sou
se daquela que transporto em mim, toda em mim, um meteoro vindo do espaço há mil anos
se daquela que me habita há um segundo, o segundo tempo depois do primordial (es)pasmo
2. álbum de recordações
uma velha buganvília a embeber tudo numa névoa roxa
e minha bisavó sentada no terreiro a refrescar-se nas tardes mornas
com leques de bambu e palma
3. infância
o deserto que atravessamos não é nosso. somos estrangeiros nas suas dunas. só os cactos
vieram connosco, agarrados aos pés da infância
4. Esconderijo
entre ábacos de ébano e dados de marfim um velho chinês procura-me com dedos de bambu
o carácter que me possui é um esconderijo de silêncios
5. Imbondeiro
há frutos nos ramos do imbondeiro
a penugem que libertam cobre os pássaros que voam para o céu da boca
6. ressureição da dança
é da terra que chega a seiva, o sangue das plantas que, morrendo, mais se enraízam.
da próxima vez que te vir de pés nus a lavrar o chão acertarei o passo contigo
na dança dos homens que estão antes dos mais antigos que a memória guarda
Jorge [Manuel de Abreu] Arrimar nasceu em S. Pedro da Chibia, Angola. Publicou dez títulos de poesia e cinco de ficção. Encontra-se representado em diversas antologias, nomeadamente, Antologia de Poetas de Macau (Macau), Divina Música (Portugal), Ovi-sungu – 13 Poetas de Angola (Brasil), Poetas da Ásia Portuguesa (EUA); participa em várias revistas literárias, das quais se destacam Eufeme (Portugal), Seixo Review (Canadá), Literatas (Moçambique), Textos & Pretextos (Portugal), Zunái (Brasil).
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revistazunai · 5 years
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Esculturas Musicais 4: Scheila Sodré
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CLAVA
Flores e crânios confinados a espera do vento. a lápide e o trono dos leopardos dentes amarrados aos cipós do tempo clava que parte o solo o níquel da barganha no bolso Iku desenha o caminho da terra de volta ao ventre de Nanã.
OXUM
Oxum dança-luz na gira asas-dragão escamas de pétalas gritos de xirê língua de Oxum devora homens contorna pedras desenha lábios com pó dourado sopra ao vento mariposas brilhantes tiara de búzios e contas Ori-mulher
IKU
Entre os mundos existe um portal: a fronteira entre a vida e a morte vida, morte, morte, vida-anáfora criação de Iku arranha-céus de Igba Nanã abrigam o pouso da coruja chuva ácida lava os grãos aros carros e motores molha o chapéu de vento perdido que cai no buraco da terra câncer no seio da mãe nanã a ferida da cidade grande luzes e redemoinhos artificiais vagalumes labirinticos de veludo plástico redes invisíveis engolidas pela lama raízes fios de conta lilás, branco e roxo ibiri bate no portão cajado
XANGÔ
O trono de Óyò feito de ferro, safiras e dentes de leão, amálgama da África Tempestade, gritos de metal, Ãrá-Trovoada Ventos de papéis, pergaminhos de pele de carneiro, flores e pedras editais Xangô traga exércitos, ouve clamores e o tambor do justo, do puro e os apitos dos índios da Amazônia Filho dos sóis expulsa as correntes do mal, faz tremer o solo, castigue os burocratas desonestos Traga o machado cego e duplo da Justiça Ida oba atira à queima-roupa e cala todas vozes da corrupção Alimente com imalá as bocas famintas dos direitos paz ao meu doce lar minha Pátria de anjos operários, crianças e homens em caixas de papelão onde existe a esperança baba Orisá baba? Justiça divina vaza dos teus olhos Dentro dos seres sem fé do reino da fênix que Clamam por ti Xangô.
Kawó Kabiesilé
RAINHA-MÃE
Erù-Iyá Odó-Iy calunga grande da praia corpo de escamas e pétalas vestido Iemanjá de safiras e abebés de rainha Afagos da mãe bondosa que me quer lua nova, cabocla da praia da concha dourada ouve o vento dentro da cabaça de lágrimas e pratos rasos de arroz flutuando sobre os náufragos sem futuro redes de pescadores, ostras, antenas de transmissão, cabeças de peixe, ouriços pontudos, caranguejos virados chapiscados de areia branca plancton de espumas metálicas-fogo-fátuo contornam encostas e rochedos Farol solitário de pouso da gaivota vela-cruz dos marinheiros e açoras de âncoras cordas de prata cingidos em cabelos longos de onda Fiandeiras desse destino incerto das sementes de mostarda em teu ventre Erù-Iyá Odó-Iyá
DESDÊMONA
Lay by these— Willow, willow— Prithee, hie thee, he’ll come anon— Sing all a green willow must be my garland.                       Shakespeare, Othello, act IV
Desdêmona desrégia à beira-rio desfiladeiro descida de lápides despontada da terra úmida desilusão estrela da manhã desfeita em ramos de cipó desposa sem sorte consorte desposa cão andaluz déspota uivante desiderio, desiderio, desiderio desencanto estéril descalça pontas de gesso desfigurada Desdêmona folhas flutuam à beira-rio asfixia desideratum.
INFÂNCIA
livros flutuantes peixes-cascudos saltando da lama tempestades crianças a cavalo subindo beliches crianças vazantes luas crescentes em seu quarto a inquietude nos dedos perfurados por termômetros o indicador apontando ao céu segurando mercúrios mercúrio-sangue lápis inchados casa liquefeita
CHAFARIZ#21
pés descalços correm matam um sapo chove facas lâminas e línguas subindo telhados chafariz de pedra memória de um córrego que ecoa e silencia gritos do rio sujo o rio começa o rio termina pessoas dançam crianças riem sem saber das perdas esculpindo lama anjos sujos asas molhadas chuvas de escorpião.
UNTITLED
Não importa quem sejam eles mas quem você pensa que eles são o que sente no café da Paris dos anos 30 bebericando absinto je t’aime  je t’aime je t’aime
disparo tiros baixos nas fadas dançantes no assoalho demônios múltiplos Incubus líricos de Balaam cabeças-duras cabeças secas do tabuleiro mármore o tornozelo da moça e seus sapatos negros com saltos de ampulheta cristais no olho crisântemo pétalas pálidas de asa-borboleta camadas de epiderme fina vendendo a alma por trocados fãs de fadas e bebidas fumée fumée a fumaça da cigarrilha com quem te deitas? amor amigo atirador oh fascistas de olhos fechados enganando tolos folhas ao vento em todas as direções Quem você pensa que eles são? Animais? Ânima, alma ou anjo? raça humana? raças de cães? fenótipos da mesma fagulha abismo-me são pessoas? nação de soldados e engrenagens post morten ? rigor mortis? É o fim? Fim dos sonhos Levantai-vos ou animais-vos.
SEM TÍTULO
desplumada frente ao espelho base na epiderme seca sombras negras nos olhos molhados escondendo a pele e a alma feito máscara Nô apneia toda manhã e a dança dos pés presos ao solo cenário de pinheiros cortinas e galáxias pintados à mão pluma mantélica em erupções lava quente à cama cabeça e fios de cabelos vestes de seda e cerejeiras madeixas num coque repuxado até as últimas consequências personagem Kabuki expressões contorcidas supervulcões faciais olhando a lua mulher enlouquecida busca neve artificial nos cubos de gelo.
DENTRO DO DODECAEDRO
Dentro do dodecaedro leões alados no picadeiro lona multicolorida água-régia escorre das pernas-de-pau corrói unhas pintadas de mercúrio amarelo soluços espasmos nas cordas vocais cabos de aço espaciais giram braços-de-ouriço barras de ferro contorcionismo da roda gigante girante em curva luz claras em neve pisco-sour
ROUTE 66+6
O cão corre atrás da lebre selvagem pula a cerca de ferrugem a lebre foge e o cão preso Land of Enchantment a película exposta a luz solar derretendo plásticos, terra, espíritos de condor búfalos e cavalos correm sobem a montanha chamuscada em vermelho-xamã animal totem espreita nativos vestindo jeans presilhas de turquesas e penas feno rolando com papéis carrinho de bebê verde-cactus e vento o cão grita pendurado feito fio de prumo sob reflexo da lua gigante o homem é o pior inimigo do animal besta fera fogo-fátuo do deserto esmagadora presença rubro-negra mandíbula quebra-nozes apertada contra a porta caçar ou morrer estradas e botas que caminham ao inferno.
Scheila Sodré é poeta, professora de língua inglesa, graduada em Tradução e autora da plaquete de poemas Hemicrânia (Leonella, 2018).
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revistazunai · 5 years
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Esculturas Musicais 5: Armando Roa Vial
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VARIACIONES  A WILLIAM DUNBAR: EL LAMENTO POR LOS POETAS
Yo, que antaño disfruté de salud, ahora me aflige esta enfermedad que es augurio de llantos y ataúd. El temor a la muerte me perturba.
Nuestras dichas, ay, son vano espejismo, astucias de un destino transitorio; débil la carne, de cara al abismo. El temor a la muerte me perturba.
Suda el hombre su triste condición; si ayer lozano, hoy envejecido con nervio y tendón en demolición. El temor a la muerte me perturba.
Nada hay firme o seguro en esta vida: escuálida hojarasca que se agita donde la voz del hombre es desoída. El temor a la muerte me perturba.
En la muerte se hunden los estamentos, príncipes, prelados y potestades, ricos y pobres del polvo fermentos. El temor a la muerte me perturba.
Reta en batalla, que tanto disfruta, suyos el yelmo y el escudo, muerte victoriosa ante asomo de disputa. El temor a la muerte me perturba.
La torva tiranía de la muerte arranca al tierno infante de su madre y  con furia su inocencia pervierte. El temor a la muerte me perturba.
Hace suya la espada y el laurel, la intrepidez del señor en combate, la doncella, con ajuar y oropel. El temor a la muerte me perturba.
No es indulgente ante el poder de reyes o ante la dignidad del sacerdote: su guadaña arrasa todas las leyes. El temor a la muerte me perturba.
Profetas y teólogos y eruditos, astrólogos, filósofos y magos, todos, sí, todos son sus favoritos. El temor a la muerte me perturba.
Del avezado, del docto y el diestro, de jueces, comerciantes o galenos, de todos la muerte urdirá secuestro El temor a la muerte me perturba.
Y diviso también a los poetas que sollozan: sus musas injuriadas por el destino, mustias y obsoletas. El temor a la muerte me perturba.
La muerte devoró salvajemente al gran Chaucer, príncipe de poetas, y también a John Gower, tan potente. El temor a la muerte me perturba.
A Sir Hugh de Eglington cerró los ojos, Heryot y Wyntoun, ambos desterrados por la muerte al erial de los despojos. El temor a la muerte me perturba.
Como un fiero escorpión ha envenenado a maese James Affleck y a John Clerk, muerte envilecida ante lo sagrado. El temor a la muerte me perturba.
Por ella, hoy, se abisman en el miedo Holland y Barbour y Sir Mungo Lokert. A la muerte nada le importa un bledo. El temor a la muerte me perturba.
El autor de Gawain, inolvidable clérigo de Tranent, y Gilbert Hay mancillados por esta miserable. El temor a la muerte me perturba.
Hary, Sandy Traill, Patrick Johnstown: cada uno ahogado por la barahúnda de la muerte artera y desfachatada. El temor a la muerte me perturba.
Merseir, que hizo del amor pulso vivo de palabras gozosas, puso fin a sus días, del gusano cautivo. El temor a la muerte me perturba.
A Roull de Aberdeen lo abrazó la muerte; también a Roull de Corstorphin, amigos que ningún hombre podrá devolverte. El temor a la muerte me perturba.
En Dunfermelin murmura insidiosa sobre Robert Henrison y John Ros; muerte alcahueta, tosca y alevosa. El temor a la muerte me perturba.
Su guadaña no libró a los gentiles John Reid y Quintin Shaw, a quienes hoy lloran y lloran las gentes por miles. El temor a la muerte me perturba.
Y Walter Kennedy tan bondadoso sufrió ló indecible al morir, escrito como estaba su destino ominoso. El temor a la muerte me perturba.
Así la muerte a mis amigos hunde de prisa y ya huele en quien esto escribe la próxima presa que los secunde. El temor a la muerte me perturba.
Remedio ninguno existe contra ella; lo mejor es disponer de esta vida antes que mi muerte inicie su mella. El temor a la muerte me perturba. 
EN EL ÚTERO YA SE NOS VISTE
En el útero ya se nos viste porque la muerte apura e insiste: nacer y morir van de la mano como dos brotes del mismo grano.
Que el semen acabe su invectiva en las ascuas que tu vientre aviva: parirás con dolor la palabra que mi carne embustera en ti labra.
En el útero ya se nos viste porque la muerte apura e insiste: nacer y morir van de la mano como dos brotes del mismo grano.
Ruina la tuya, muerte: tan fuerte en el amor de amantes sin suerte: tu verso les colma el universo, ardor de fuego fatuo y perverso.
En el útero ya se nos viste porque la muerte apura e insiste: nacer y morir van de la mano como dos brotes del mismo grano.
Dirán que todo esto es tan trivial, esto de la vida sin aval; nada nuevo bajo el sol, oh muerte: pero yo sigo sin entenderte, a ti, que nadie puede torcerte.
LA ROSA, NO SE SABE
La rosa, no se sabe si con o sin por qué, está en flor otra vez.
No le preguntes nada ni ahogues su promesa: está en flor otra vez.
Es simplemente rosa entre tallos y espinas, labios sin palidez.
Rosa áurea, mecida por el viento, sus pétalos en versos del viejo Ez.
La rosa, no se sabe si con o sin por qué está en flor otra vez.
Armando Roa Vial, poeta chileno, nascido em 1966, publicou, entre outros títulos, Zarabanda de la Muerte Oscura, Estancias en homenaje a Gregorio Samsa e Hotel Celine. Traduziu o poema medieval anglo-saxão O Navegante e publicou diversos ensaios. Recebeu o Premio Nacional de la Critica (2000), o Premio Altazor (2001) e o Premio Pablo Neruda (2002).
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