“Com o risco de repetir-me
Volto, hoje, a falar de saudade
Não do homem que se encontra
A pouquíssimos metros de distância
Sinto falta do você idealizado
E trago a necessidade de sonhar-te
Porque o ato de te amar, quando você ainda me era desconhecido
Foi maior e mais sublime que nossos encontros
numa cama de quarto ou hotel
Foi mais real que a nossa convivência, turbulenta e desiludida
Se hoje sorrio para o homem concreto
É por ato reflexo do corpo
Que se engana ao imaginar que está diante
Daquilo que a alma deseja
Saiba então que se ainda hoje você supõe
Que eu lhe tenho amor
É porque ajo movida por egoísmo, e não grandeza
Por não suportar que sua existência
Falha e pequena
Possa apagar a beleza do você que criei para mim“
abril/2020
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Carta Interrompida - III
"Boa noite, José
A cada nova carta, eu espero estar mais próxima de te dizer o adeus sem volta e te deixar partir.
Mas partir para onde, José? Você já se foi há muito, e eu me acostumei a conversar com a sua ausência. Justamente por não admiti-la.
De você esperava ao menos o remorso, que lhe traria alguma redenção. Uma ligação; uma pergunta que fosse.
Se você dissesse meu nome - meu nome, e bastaria isso - te absolveria de todas as suas falhas.
Eu queria tanto te perdoar, José. Queria olhar sorrindo para o seu rosto pálido de bom moço. Mas não atingi a grandeza do perdão incondicional.
Ainda não".
setembro/2019
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Ato falho
"Jurei a mim mesma que não mais escreveria sobre o amor:
Seria poeta grande, e me debruçaria
Sobre a natureza do homem, os mistérios da fé, a beleza que existe.
Jurei, em meus delírios nobres e de santa indignação, que acusaria as injustiças do mundo. Jurei que a tudo resolveria, apenas por retratar, em verso e prosa, aquilo que vejo, penso e sinto.
No entanto, eis-me aqui, pequena.
Escória das gentes, poeira digital e binária.
Queimando, ao sol de setembro, minha carne de mulher humana.
São três da tarde, e cruzo as avenidas da Capital sem qualquer rumo que me interesse.
Responde, poeta: que fizeste de teus sonhos?
O tempo foge e você já não tem o mesmo brilho; já sente o peso do mundo a lhe apertar o pescoço.
O tempo foge, poetinha, e você se desespera. Porque talvez - no fundo - você não esteja assim tão longe do resto.
Dentre os pecadores, você sabe ser a maior. Dentre os escritores, a mais indigna.
Melhor voltar a escrever sobre o amor".
setembro/2019
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"Hoje
(Hoje apenas)
Vou chamar-lhe pelo apelido
E te pedir, em voz doce,
Um espaço no seu colo,
Que é pra que eu possa me esconder do mundo.
Hoje
(Hoje apenas)
Quero sentir a segurança do seu cuidado - quase paterno
E, de braços dados,
Te enxergar maior, mais corajoso, mais velho,
Destruindo meus dragões internos,
Que para você sequer podem ser chamados de moinhos.
Hoje
(Hoje apenas)
Quero me esquecer da sua natureza humana
Quero acreditar em você como algo heroico, divino
E, deixando de lado minha própria força, me render
Ao conforto de imaginar que, com você por perto
Eu poderia, enfim, descansar".
setembro/2019
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Curvas do caminho
“No meio dessa noite
Insone
De lua
Trago comigo a certeza
De que carrego no peito
Todos os sonhos do mundo
De que meu corpo é marcado por todas as cores
Que se escondem nas curvas do caminho
E que a minha pele resta impregnada
Com o sal da água
Com o brilho das poucas estrelas
Que ainda se fazem enxergar
E em meio a passos tortos
Caminhos tortos
E a um inverno que finalmente cede
ao infalível verão
Trago comigo a certeza
De que carrego no peito
Todos os sonhos do mundo”.
outubro/2016
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Carta interrompida - I
“José, querido, boa tarde.
Escrevo-lhe com a urgência de quem reencontrou a própria voz, e que receia perdê-la novamente. Escrevo-lhe com o estilo que, imagino, mais lhe agrada, porque desejo causar em ti alguma impressão. Escrevo-lhe de modo livre, reconfortada pela certeza que esta é mais uma das cartas que não lhe enviarei, e que você nunca lerá.
Perdoa-me o prólogo desnecessário, bem como sei que você perdoa minha ansiedade de moça. É que não sei o que faço comigo mesma quando você está por perto, ainda que em pensamento. A lembrança de você, José, já é suficiente para me deixar desconcertada, inútil, inquieta.
Mas antes que eu volte ao meu silêncio, preciso que você me entenda. Preciso lhe explicar, meu bem, que meu único erro foi te tornar real; homem de carne e sangue, cujos cabelos (tão escuros!) mostram os primeiros sinais de que um dia serão brancos.
Meu erro, José, foi lhe conferir existência - doença, profissão e endereço. Estava em paz quando você era só verbo e sonho”.
agosto/2019
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Um relato honesto
“Sinto falta de apertar sua mão, de tentar lhe dar meu braço, de rir da sua falta de jeito
Sinto falta de ouvir sua voz, suas histórias, seus argumentos
Sinto falta do cheiro da sua pele, do formato do seu corpo, do castanho de seus olhos.
Sinto falta da sua confiança, da sua sensibilidade, da sua preocupação
Sinto falta do seu desespero, das suas paixões, do seu espírito
Sinto falta da urgência dos seus beijos, do calor do seu toque, da felicidade do seu gozo
Sinto falta da ansiedade da espera, da alegria da concretização. Sinto falta da calma que sentia ao apoiar minha cabeça no seu ombro.
Mas, sobre todas essas coisas,
Sinto falta de ter você perto de mim”.
agosto/2019
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Permanência
“Eu já não me lembro
Dos detalhes do seu rosto
Sei que sua voz desafina
Mas já me esqueci de sua cadência.
A única coisa que permanece em mim
É o seu formato
Que se encaixava no meu
E tomou os contornos da saudade
- de toda a saudade -
Que existe no meu peito
Sua cara apagada
É o retrato de tudo aquilo que já amei
Dos meus sonhos
Da minha angústia e raiva
E é difícil lutar contra isso
Sabendo que a distância
(Falhando em te apagar completamente da minha memória)
Transformou você numa coisa amorfa
Num espaço que não tem quaisquer limites
Onde cabe aquilo que há em mim
Que roubou aquilo que já houve em mim
Tudo, inclusive a mim mesma.
Se ao menos eu tivesse
A benção de te ter por perto
Eu me lembraria
Eu te odiaria
Conseguiria esquecer
E alcançaria a paz”.
novembro/2018
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Um mês --
“Se eu voltasse um mês no calendário
Encontraria uma versão de mim mesma
com os olhos ardendo de sono, pela noite passada em claro.
Com o rosto completamente vermelho, pela fricção da minha pele na sua barba;
E tentando esconder, sem muito sucesso,
as marcas que ficaram em meu corpo
E seu cheiro, que grudou em mim.
Se eu voltasse um mês no calendário
Encontraria uma versão de mim mesma
Absurdamente feliz”.
julho/2019
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“Todos os dias, te escrevo cartas que você nunca lerá. E releio as suas, num ato de devoção quase religiosa. Quisera eu ter o mesmo compromisso com qualquer outra coisa.
Sentir que você está por perto é uma necessidade diária. Se estou distraída, me pego pensando em nós - quando me esforço, sinto mesmo o cheiro da sua pele. Como se estivesse colada à minha.
Não consigo me lembrar do momento que percebi estar presa. Faz tempo, e já não sei se é o amor que nos une (nos amarra um ao outro, para ser mais exata).
Mas não consigo desatar o nó. Se afrouxo, você aperta - e se me aproximo, você desaparece.
Sei - e como dói saber - que você não me deseja agora, e talvez nunca tenha me desejado. Sei muito bem que sou um entrave à sua felicidade, assim como também suspeito que a minha dependa da sua ausência.
Ainda assim, creio que você não suporta a ideia de me ver longe, livre. E, para ser sincera, nem sei mais se me lembro do que é a liberdade. Não tenho sequer a certeza de que a desejo “
outubro/2018
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Expectativas
“Te prometi, acima de tudo, leveza
E que não pediria nada além daquilo
que me fosse ofertado
Te garanti que conhecia as barreiras
As minhas, as suas, os anos.
Tempo, costumes, convenções e planos.
Te digo, com a maior sinceridade, que não menti
Os limites estão aqui, mais concretos que nunca em minha mente.
Ainda assim, sem que eu saiba explicar
Razão e motivo
Carrego palavras presas em minha garganta
Carrego no peito uma saudade que não passa
Carrego a incerteza de ter [apenas] imaginado
Aquelas madrugadas insones
Carrego no espírito a vontade
de te abraçar o mais forte que eu puder
E não soltar"
julho/2019
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