Tumgik
os-12contos · 3 years
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CONTO V – LUA DE LUNA
LUNA:
             São incontáveis as vezes em que cheguei cansada do trabalho e meu irmão estava dormindo sentado no sofá, enquanto minha mãe estava chapada na cama dele, um garotinho gentil e doce com apenas 10 anos de idade, ele não me falava, mas eu tinha certeza de quem tomava conta da casa enquanto eu estava fora era ele, tão frágil, delicado e responsável. Deveria ser lei, todas as crianças viverem sua infância com memorias, boas lembranças de aniversario, de passeios e viagens. Infelizmente a sombra por trás de nosso berço seria o mesmo, traçado e trilhado, ou eu poderia mudar isso de uma vez por todas.
           Já passavam das onze da noite, eu até poderia arrancar minha mãe de lá, mas mesmo assim ele estaria dormindo rodeado de ar negativo, a casa fedia a cigarros e bebida. Quando isso iria acabar? Não pensei duas vezes e o acordei.
           - Ei mocinho, desculpa te acordar, quer ir tomar sorvete? (Falei baixinho com meu queixo apoiado em seu joelho)
           Pegamos uma jaqueta de frio, e as gorjetas que eu tinha ganhado em uma noite de trabalho, era o suficiente para comprar umas besteiras e ver um sorriso no seu rostinho, aliás, nós dois havíamos trabalhado pesado aquele dia.
           - Posso te contar um segredo? (Diz ele enquanto pega na minha mão)
           - Tudo o que você me disser será guardado como o dinheiro da vovó...
           - Um dia eu queria ser um astronauta! (Dizia ele apontando para o céu estrelado)
           Toda criança tinha o sonho de ser astronauta, ao menos a mente deles não era limitada, e quando pequenos, querem imaginar tudo o que quiserem, poder viver em qualquer mundo, isso era incrível.
           - Ual! Ser um astronauta ou qualquer coisa que quiser requer muito estudo, você pode ser o que quiser! Estarei sempre aqui para te apoiar em qualquer decisão.
           A mercearia ficava a mais ou menos três quarteirões de casa, a noite estava quente, a rua movimentada, ainda tinham crianças jogando bola no meio da rua, vivendo o hoje, o que eu queria para meu irmão, se preocupar apenas com assunto de criança, e não em lavar a louca na hora certa e se dividir em tarefas que não lhe dizem respeito.
           De repente tropecei no meio fio, estabanada como sou, cai com o joelho no chão, e um leve sangramento escorreu pela canela. Meu irmão não pensou duas vezes e correu para dentro da loja e foi buscar ajuda, tão carinhoso, um simples arranhão e ele preocupado comigo...
           - Posso ajudar a senhorita?
           Uma voz suave soou atrás de mim, e me deparo com um rapaz de uniforme de sorveteria e um pacote de espinafre congelado na mão, ele e meu irmão já tinham montado um plano para que eu não tivesse que amputar minha perna.
           - Não foi grande coisa, só preciso lavar para não infeccionar, mas, obrigada mesmo! (Agradeço aceitando o pacote de espinafre)
           - Eu li uma vez em um livro que se você não tomar raspadinha de cereja quando tem um corte desses pode causar uma inflamação perigosa. (Diz o rapaz)
           - Então tenho que tomar uma dessas imediatamente, e alias, como se chama?
           - Gabe, as suas ordens! (Responde fazendo reverencia)
           - Obrigado cavalheiro, eu sou a Luna e esse é meu guarda-costas Talles.
           Entramos na loja e meu irmão correu para a máquina de raspadinha antes que eu tivesse uma hemorragia, dizia ele que estava a salvar a minha vida. Sentamos na bancada enquanto Gabe voltava para de traz da bancada, era um rapaz bonito e alto, cabelos castanhos e um jeito engraçado de nos olhar, ficamos uma hora rindo das palhaçadas do meu irmão, e então tínhamos que ir embora.
           - Estamos de saída, aliás, nossa caverna não pode ficar sozinha, podemos chegar lá e correr o risco de estar em chamas.
           Ele não precisava saber que a principal causadora de uma possível explosão seria nossa mãe.
           - Estou terminando meu expediente em dez minutos e se quiserem posso acompanha-los até a caverna. (Fala ele em um tom tímido com a cantada clichê)
           Por um instante tive receio de meu irmão convida-lo para entrar e ele aceitar, mas decidi correr o risco, por que quem em sã consciência entraria em uma casa de desconhecidos beirando a uma da manhã?            
           Caminhamos até nossa casa e ele se despediu, ficamos olhando ele caminhar de volta para o mesmo sentido em que viemos, e pude reparar que ele somente nos acompanhou mesmo não sendo o caminho dele.
           - Você vai para onde agora? (Pergunto em uma distância ainda curta)
           - Eu tenho uma caverna a vinte minutos daqui e minha caminhonete ficou lá na loja... inclusive, se quiserem ir ao parque amanhã estarei de folga, posso passar aqui e leva-los.
           Seria sábado e eu só iria trabalhar a noite. Meu irmão puxou minha camisa e suplicou para irmos, pensei naquele assunto sobre crianças terem sua infância, e logo aceitei... pelo meu irmão.
           - Claro, podemos te acompanhar nessa aventura.
           E então, ele caminhou até desaparecer de nossa visão.
           As oito fui acordada pelo pequeno no canto da minha cama olhando com os olhos brilhando, como se fosse manhã de natal.
           - Acorda, temos uma aventura hoje! (Fala ele fazendo cócegas nos meus pés)
           Minha mãe estava na mesma posição em que a deixamos ontem, não haviam chances de estar morta por que seu ronco era ouvido do outro quarteirão. Fiz um rápido café da manhã, vestimos roupas frescas para um dia no parque. Meu irmão estava saltitante como deveria sempre estar. Ouvimos um carro parar em frente a caverna...
           - Está na hora! Peguem suas barracas e vamos para essa aventura! (Disse meu irmão com sua mochila de escoteiro invisível e uma garrafa de agua na mão)
             - Bom dia senhores, estão prontos? (Pergunta Gabe enquanto abre a janela da caminhonete)
           Entramos no carro e apertamos o cinto. Eu não era uma pessoa de muitos amigos, então não vivia saindo para noitadas, ou conhecendo pessoas... namorados. Estava achando aquilo diferente, como um filme, a mocinha conhece o mocinho os dois vão ao parque e se beijam? Não era sobre aquilo.
           - Trouxe sanduiches, caso sintam fome! (Disse Gabe enquanto nos mostrava os 3 sanduiches embalados no plástico dentro do porta-luvas)
           E cena clichê de filme continuava a se montar em minha cabeça.
           - Eu já estou com fome... (Responde Talles)
           Demos muitas risadas até chegarmos no parque, o dia estava ensolarado, haviam crianças brincando por toda a grama. Meu irmão não se intimidou e logo se juntou a todos. Eu e Gabe esticamos um lençol na grama perto de uma arvore grande e deitamos olhando para cima entre os galhos.
           - Então me conta, o que você faz da vida? (Pergunta Gabe)
           - Eu sou garçonete na Cosmeday, fica no centro, conhece?
           - Fui lá somente uma vez, de dia, estava passando em frente e comprei uma água para poder usar o banheiro.
           Em meio a risadas percebi que estava meio tenso, ou pensando em outra coisa. Tentei puxar mais assunto.
           - Eu gostei daqui! Nós nos mudamos tem seis meses, nossa vida sempre foi de um lugar para outro.
           - Eu posso dizer o mesmo, estou aqui há três meses, e infelizmente terei que me mudar para outra cidade. (Responde Gabe ao se sentar)
           - Como assim, chegou agora e já está indo embora? (Disse dessa forma, mas gostaria de dizer “chegou agora em nossas vidas e já está indo embora”)
           - Meus pais me pediram para voltar para nossa cidade natal, estão precisando de ajuda com meus avós, são velhinhos já.
           - É uma pena, Talles gostou muito de você! (Querendo dizer “eu gostei muito de você”)
           Eu estou apaixonada? Isso é muito adolescente para uma senhora de 26 anos. Infelizmente a química era nítida, porém, já havia entendido a sua inquietação.
           - Esqueci os sanduiches na caminhonete, irei buscar, caso o garotão sinta fome, e já sabemos que está! (Diz ele se levantando)
           Quando ele desaparece entre as arvores vejo um papel caído no lençol, não queria mexer nas coisas dele, mas como sou curiosa puxei para perto, era uma receita médica, fechei o papel e deixei como estava.
           Já estava tarde e então estávamos a caminho de volta, ele explicou para meu irmão que não iriamos mais nos ver, percebemos sua tristeza, mas como sempre fez piadas do assunto para camuflar toda a situação.
           - Obrigado pela companhia meus caros, tenho que ir cuidar para que minha caverna não se encontre em chamas, estabanado como sou! (Se despede Gabe enquanto liga o carro olhando para baixo)
           Foi realmente como uma cena de filme, a forma como nos conhecemos, o modo como tudo fluiu, o passeio, a conversa clichê, poderíamos acordar do sonho por um instante vivemos.
             Lá estava minha mãe sentada no sofá olhando para o nada terminando de fumar seu maço inteiro de uma manhã de ressaca. Ela era tão perdida que nem se teve o trabalho de reparar que saímos a manha toda. Cuidei do almoço do meu irmão e fui estudar, meu livro grande de medicina veterinária estava chegando ao fim, estava orgulhosa do meu empenho em dar uma vida melhor para meu companheiro, ele merecia tudo o que a vida tinha de melhor. Adormeceu ao meu lado, e acariciando sua cabeça escuto um barulho vindo da sala.
           - Eu preciso de dinheiro para comprar uma garrafa de whisky, me empresta? (Fala minha mãe procurando dinheiro pela casa)
           - Eu não trabalho para sustentar seus vícios, você torra todo o dinheiro da pensão do nosso pai, e ainda precisa de migalhas para ser essa vergonha que você é? (Respondo recolhendo minha bolsa do sofá)
           - Quem você pensa que é? Eu te coloquei no mundo, e eu posso tirar. (Responde deitando no sofá)
           Eu estava no meu limite com toda aquela situação, me ameaçar tudo bem, já sou crescida, mas e enquanto eu estiver trabalhando? Meu irmão sozinho em casa com risco de a caverna pegar fogo!
           Peguei minhas coisas para ir trabalhar e decidi deixar meu irmão na casa da Cinthia, uma amiga muito próxima lá do trabalho, ela tinha um filho e ofereci minhas gorjetas como agradecimento por esse favor.
           Me peguei olhando para a ferida no joelho e lembrando da minha aventura amorosa que nunca aconteceu, no meu horário de descanso fui até a loja onde Gabe trabalhava, comprar uma raspadinha sabendo que ele não trabalhava mais lá, eu realmente tinha sentido alguma coisa diferente, para chegar a ponto de ir comprar uma bebida e poder ter lembranças de uma noite incrível.
           - Meu deus! O que eu estou fazendo? Não tenho mais dezesseis anos. (Falava sozinha na rua enquanto chegava na loja)
           A mais ou menos vinte passos pude reparar Gabe atrás do balcão, me escondi rapidamente atrás de um carro e fiquei observando o que ele estava fazendo ali, ele havia me dito que sexta era seu último dia, se despediu como se nunca mais fossemos encontrar nem em outra vida. Será que ele não gostou muito da nossa conversa e resolveu pôr um fim com uma desculpa? Será que ele resolveu ficar mais uns dias por que também estava apaixonado? NÃO! Mas e se por um acaso ele cancelou sua viagem e ainda não teve tempo de nos avisar, ele poderia fazer uma surpresa!
           Bati na cabeça como se quisera acordar.
           Eu não estou acreditando que vim até aqui com um sentimento ruim de saudade de uma pessoa que mal conhecia, e estou saindo com dúvidas! Não vou conseguir dormir à noite.
           Voltei e caminhei em direção a loja para tirar satisfações.
           - ALOHA! (Fala Gabe bem alto ao me ver abrir a porta com o sino soando)
           - Oi! O que está fazendo perdido por aqui?
           - Precisaram de mim até arrumarem outro garoto para ficar no meu lugar, adiei minha viagem para daqui dois dias! (Fala Gabe passando o pano no balcão)
           - Que legal! Quero dizer... que barra! (Falo confusa)
           - Vai querer uma raspadinha ante amputação? (Fala ele indo em direção a máquina)
           - Infelizmente já tenho que voltar ao trabalho, só passei para dar um oi, não sabia que estava por aqui! (Aceno com a mão na cabeça e fecho a porta)
  GABE:
             Luna fechou a porta e saiu sem olhar para trás. Tudo errado! Tudo errado! Tudo errado! O que vou fazer? E se ela voltar amanhã, ou semana que vem? Eu não deveria ter feito isso.
           Já era hora de encerrar o expediente, e a única coisa que passava pela minha cabeça era “O QUE VOU FAZER? ” Não podia continuar com essa mentira, não queria magoar ninguém, a única pessoa que deveria sair machucado dessa situação era eu! Será que estou apaixonado? Conheci a garota a alguns dias e pareço um adolescente, ok que só conheci algumas meninas minha vida inteira, mas ela ativou todos os hormônios do amor que poderiam existir em uma pessoa, minha vida estava chegando ao fim, e não queria levar ninguém comigo.
           Fui diagnosticado com leucemia aguda, não tinha para onde correr, eu já tinha aceitado, e estava tudo bem! Só iria viver o restante da minha vida sem afetar a das outras pessoas, mesmo que já tenha afetado a vida de minha tia, que cuidou de mim desde pequeno, infelizmente e não poderia poupa-la disso, mesmo ela já parecendo ter aceitado eu sei que quando chegava em casa ela já havia secado todas as suas lagrimas.
           Eu não queria envolver Luna em toda essa situação, mas meu coração gritava dentro de mim, meu cérebro me mostrava um trem indo embora, com um sentimento bom dentro, eu tive a certeza de que tinha que acontecer alguma coisa a partir disso, o destino não acontece somente em filmes, ele simplesmente coloca pessoas em sua vida, no momento em que deveriam aparecer. Será que a cura da minha doença fosse o amor? Mesmo eu sabendo que não houvesse uma cura, meus órgãos já haviam sido afetados, não existia uma porcentagem de melhora ou sobrevivência, e se eu fosse a cura de alguém?
           Liguei a caminhonete e como se meu corpo estivesse dirigindo sem meu consentimento fui até o famoso Cosmoday, e de longe pude ver Luna sentada no meio fio fumando um cigarro.  Parei a caminhonete e fui caminhando até ela.
           - Esse cheiro não é de cigarro comum! (Falo rindo dela fumando maconha no meio da rua)
           - ALOHA! (Responde ela estendendo o cigarro de maconha em minha direção)
           Seria ALOHA nossa frase? MEU DEUS! Alerta apaixonado...
           - Não, obrigado, não uso drogas ilícitas. (Respondo pegando o cigarro e dando uma tragada)
           Eu tossi tanto com apensas uma tragada e ela se acabava de rir da minha cara!
           - Do que a senhorita está rindo? Não estou acostumado a andar com má companhias (Falo sentando ao seu lado)
           - A vida passa muito rápido Luna, olha para cima, está vendo aquela bola brilhante? A famosa lua, tão linda e passageira, ela sempre está lá, mas nem sempre podemos vê-la, ou estamos na correria do trabalho e acabamos nem tendo tempo de olhar para o céu a aprecia-la...
           - A pura realidade... ela está incrível hoje! (Responde olhando para cima enquanto fecha a jaqueta)
           - Você quer uma carona até sua caverna?
           - Não será necessário cavalheiro, Talles está na casa de uma amiga a um quarteirão daqui, e esperarei ela vir trocar de turno comigo para sim ir busca-lo. (Responde se levantando)
           - Tudo bem então, eu já vou indo. Posso passar aqui amanhã para conversarmos?
           - Claro! Pode ver Talles, não para de falar em você... (Fala ela se afastando)
                       Nesse momento meu coração estava muito acelerado, me sentia no ensino médio querendo deixar um bilhete na mesa da menina bonita que eu gostava, me viro para entrar na caminhonete mas volto correndo, meu corpo cria uma barreira “O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? ”
           - Luna! (Falo num tom engasgado)
           Ela se vira e eu pego sua mão, olho em seu olho verde água, com a maquiagem meio borrada, e o rosto nitidamente chapado...
           - Não esquece de brilhar feito a lua, todos os dias, de manhã, de tarde, e de noite mostre para todo mundo quanto brilho você tem guardado. Exploda feito fogos de artificio, coloque todas as palavras para fora, e o mais importante nunca deixe que um poste de iluminação seja suficiente...
           Não tenho ideia se ela iria se lembrar daquilo no dia seguinte, mas ela não estava fora de si, seu sorriso respondeu qualquer palavra abafada.
             Entrei no carro e meu coração continuava acelerado, estava puro suor, tremulo, boca seca, eu estava passando mal, com um sorriso no rosto, e o corpo destruído, o médico plantonista que cuidava do meu caso ficava a trinta minutos dali, e se eu desmaiasse a caminho? Estaria colocando a vida de alguma pessoa em risco? A um quarteirão dali estacionei o carro e peguei no sono.
  LUNA:
             Eu simplesmente estava me tremendo toda de felicidade, meu coração queria explodir, como disse Gabe, como fogos de artificio, eu estava apaixonada, e o toque de uma mão na outra valeu mais que mil beijos, estava extasiada, a maconha tinha perdido totalmente o efeito, e meu cérebro estava borbulhando, queria fazer as malas e ir embora seja lá para onde, sendo o mesmo caminho de Gabe, para mim e Talles seria uma nova vida.
           - Que cara é essa? Parece que viu um espetáculo na Broadway! (Fala Clara pulando para dentro do balcão)
           - Não posso te explicar agora, os meninos estão sozinhos, mas amanhã te dou detalhes. Um beijo. (Respondo puxando a bolsa e indo embora)
             Ando na rua pulando, o coração fervendo, a pupila dilatada, me imaginando a noite toda acordada, a chuva começou a cair e por um instante em olhei para cima e vi a lua me correspondendo, avisto uma caminhonete em frente à casa de Clara, a caminhonete igual do Gabe, mesma cor, mesma aparência velha... me aproximo da janela e vejo aquele que um dia poderia ter sido o amor da minha vida, que já não estava mais ali.
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os-12contos · 3 years
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CONTO IV – Feliz aniversário!
Era meu aniversário de dezesseis anos, meu pai e minha avó estavam reunidos na mesa da cozinha com um café da manhã repleto de coisas, meu pai dizia:
           - Olha só quantas coisas que você gosta! Venha tomar um café antes de escolher o que quer fazer hoje...
           - Parabéns! (Dizia vovó enquanto bate palmas bem alto)
                       Sinceramente eu odiava aniversários, minha mãe nos deixou em um acidente de carro no mesmo dia a cinco anos atrás, eu era tão frágil, e desde aquele dia vivo com distúrbio associado a alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão, a famosa bipolaridade, em que eu nem acreditava... E cá estou eu, com diversos momentos de loucura, a cinco anos indo e vindo do meu corpo.
           - Não me levem a mal, eu agradeço por todo o esforço, mas não estou com fome (Digo enquanto subo as escadas)
           - Você vai conseguir superar essa tragédia! Vamos te ajudar a processar o que você fez! Sabemos que não está bem. (Dizia meu pai na ponta da escada)
           Subi para o quarto e logo vi a janela aberta, a árvore verde e linda olhava de volta para mim, eu não consigo explicar meu problema, mas ele é baseado nisso, na impulsão, no ato, apenas me aproximei e pulei. Era uma altura razoável para quebrar um braço, uma perna, mas não me suicidar, eu simplesmente faço coisas no sentido de me machucar, sem deixar meu pai para trás, eu não poderia, não depois de nossa perda. E por incrível que pareça, não quebrei nada, estava intacta.
           - Parabéns Beatriz, não conseguiu a atenção que buscava. (Resmungava para mim mesma enquanto levantava e ia até o meio fio esperar um carro se aproximar para me jogar na frente)
           Meu pai correu com o barulho, e me agarrou se ajoelhando no chão.
           - Porque está fazendo isso comigo? E o nosso trato de um nunca abandonar o outro? (Falava calmamente enquanto olhava bem no fundo do meu olho, deixando lagrimas escorrerem pelo rosto)
           Em exatamente trinte e três minutos uma equipe medica entrou em meu quarto, como já estava acostumada nem me mexia, só os deixava trabalhar. Estava indo pela sétima vez a clínica psiquiatra, já conhecia todos lá, todos me receberam com a cabeça baixa, como se tivessem medo, como se eu fosse um monstro.
           - Podemos pular essa parte e ir direto para o quarto? (Falava olhando para a moça nova que me carregava de cadeira de rodas.
           Na verdade, era como se fosse minha segunda casa, eu não pedi para portar essa doença, não escolho meus atos, nunca quis me machucar, nem ter a atenção de alguém, não aprendi ainda a como recuar meu corpo dessas ações. Todas as vezes em que estive na clínica, permaneci quinze dias, depois me mandavam para casa com uma “melhora”, melhora essa que nunca existiu, mas o protocolo e o pagamento eram para quinze dias corridos, nunca entendi sobre os medicamentos que me aplicavam, ou as consultas que eu tinha com a Dra. Amélia.
           No dia em que cheguei, almocei e fui logo medicada, só acordei por volta das nove da noite, para o jantar. Eu nem me lembro de ser medicada, eles eram profissionais, eu sei, mas era uma grande perda de tempo, tinha certeza que no dia seguinte ia ter alguma consulta com psiquiatra para definir a porcentagem de chances de eu “tirar minha vida”. Mas eu sei que essa não é minha vontade, meu corpo tenta criar situações que me tirem de outras situações, e eu consigo, dessa vez queria fugir de uma data, eu sei que era só conversar com os dois, e pedir para me deixarem sozinha, mas como disse... eu tenho uma doença e era um avanço, assumir isso e querer ajuda.
           Me levantei, o jantar estava posto, e depois fui tomar o banho que era desconfortável, com acompanhamento das funcionárias, bateram na porta para me levarem até o banheiro, e uma jovem que aparentava ter vinte anos se apresentou.
           - Olá Beatriz, me chamo Julia e vou te acompanhar hoje, para o banho, vi na sua ficha que já conhece todas as normas, mas gostaria de passar tudo novamente, caso houvessem dúvidas. (Fala a moça me olhando com cara de dó)
           - Desculpe interrompa-la, mas, pode chamar pela Mel. Ela sempre me acompanhou. (Pergunto pela funcionaria que sempre me levava ao banho e aos passeios)
           - Infelizmente não temos nenhuma funcionaria com esse nome em nosso quadro, podemos ir?
           Como não havia? Ela havia deixado a clínica? Havia morrido? Queria o mínimo de compaixão e explicações. Mas não me deram ouvidos, fui levada ao banheiro em silencio.
           Lá era como um banheiro coletivo, mas cada um tinha sua cabine, um chuveiro particular, em um local aberto, só uma cortina de plástico “transparente” que não servia de nada...
           Ainda meio zonza, fui direto ao quarto, e não tive direito a passeio, pois, só falava na Mel, eu realmente queria saber o que tinha acontecido, mas os comprimidos me fizeram apagar sem notar.
             Na manhã seguinte, o dia estava bonito, e eu não estava com pensamentos de fuga, e nem de tentar machucar a mim mesma, fomos até o pátio que tinha um jardim lindo e aberto, com uma fonte, e arvores grandes, era um refúgio, até olhar para os lados, gente babando, olhando fixamente para você, com olhares psicopatas, gente andando de um lado para o outro, conversando sozinho, gente rindo sozinha, gente comendo a grama, e claro sendo interrompidos da deliciosa sobremesa com gosto de terra. Eu sempre ficava na minha, sozinha, desenhando com fiz de cera, não podia nem ter meu celular para ouvir música, era um porre. Me sentei na sombra da maior arvore, verde e com maças penduradas, parecia cena de filme, mas era o pior lugar para uma pessoa que não queria estar ali, ou seja, todo mundo. Havia uma maça ao meu lado, mas ela estava mordida.
           - Ei, psiu! Olhe para cima. (Soava uma voz vindo da arvore)
           Olhei para o lado direito e tinha um menino loiro com outra maça na mão sentado num galho alto.
           - Não para esse lado! Para o outro... (Soava outra voz)
           - Sou Elias, como você se chama?
           Ainda tentando entender, os dois gêmeos sentados cada um de um lado, e como alguém os deixou subir ali sem advertências.
           - Me chamo Beatriz, e o que estão fazendo aí tão alto?  (Pergunto com a mão no olho, protegendo do sol vindo de cima)
           - Me chamo Ella, somos irmãos gêmeos. E estamos na mesma condição que você trancafiados aqui por sempre agredir nossos pais. (Diz a menina descendo dos galhos)
           Os dois riram juntos quando Ella falou em “agredir os pais”, realmente, devem ser duas crianças terroristas.
           - Mas me diz, o que te fez vir parar aqui? (Pergunta Elias)
           - Eu... eu faço residência aqui, sempre indo e vindo, tenho transtorno de bipolaridade, e posso ataca-los a qualquer momento, melhor irem brincar em outro lugar. (Respondo com a sobrancelha franzida)
           Os dois dão altas gargalhadas como se eu tivesse feito uma piada.
           - Já estávamos de saída, bonito desenho! (Fala Ella enquanto pega a mão do irmão enquanto se afastam)
           Eram realmente muito doidos, eu só havia pintado a folha toda de preto. Logo fui abordada pela Julia.
           - Está bom de passeio por hoje, sua consulta inicia em quinze minutos. (Fala enquanto estende a mão para me ajudar a levantar)
           E estava confirmado, a consulta monstruosa com o tal do psiquiatra, sentava na sala e sempre ficava quieta, ele me fazia mil perguntas, enquanto apertava a ponta da caneta, eu sentia sua vontade de me chacoalhar e forçar palavras saírem da minha boca, como um saco de números sorteados.
           - Não estou me sentindo bem, podemos remarcar para eu poder deitar um pouco? (Falava com a chance mínima de tentar fugir dessa consulta em quinze dias)
           - Bom... aqui na sua ficha tem uma observação (OBS: Paciente nunca quer ir as consultas, leva-la mesmo assim) (Fala ela em tom irônico e um sorriso de canto de boca, o estranho eram seus olhos arregalados como quem quisera me engolir)
           Infelizmente minha tentativa deu errada, o que eu já sabia, todas as vezes deram errado, todos ali deviam fazer a mesma coisa, lá estava eu sentada em frente ao moço alto de jaleco, ele podia me amassar com um abraço se quisesse.
           - É um prazer enfim conhece-la Beatriz, me chamo Afonso, sou novo por aqui, mas tenho sua ficha completa e relatos do Hugo, antigo atuante no seu caso. Tenho algumas perguntas antes de iniciarmos essa sessão. Espero que se sinta à vontade para tentarmos reverter a sua “não comunicação” em todas as consultas. (Fala ele em um tom delicado e voz grossa)
           Pelo visto ele já tinha a informação de que eu não respondia a nenhuma pergunta, e que estaria de passagem para voltar em algum outro surto da minha vida, mas dessa vez algo me dizia para fazer diferente, pois, eu estava atrás finalmente de ajuda.
           - Claro doutor, pode me perguntar o que quiser. (Falo sorrindo)
           Dava para perceber ou o seu espanto ou a dúvida do diagnostico anterior.
           - Então vamos começar, você acaba de completar dezesseis anos, e justo nesse dia resolveu dar um fim a sua vida? (Pergunta ele enquanto dobra as pernas e prepara a caneta junto dos óculos)
           - Não é bem assim, você como Doutor, deve saber que eu não faço esse tipo de coisa voluntariamente. (Respondo em tom de deboche)
           - Bom... cada caso é um caso, então você está me dizendo que não pulou a janela por que quis? (Pergunta ele se levantando em direção e mesa do chá) – Você gostaria de um chá?
           - Não, obrigada, não bebo chá! Mas como ia dizendo, eu não quero tirar minha vida, já pode retirar isso do prontuário, se fosse para me matar teria feito de forma rápida e eficiente. (Respondo me deitando)
           - Ok! Para tentarmos retratar seu ato violento na última vez e que esteve aqui, quero lhe mostrar algo (Fala ele aliviado riscando algum item de sua folha)
           Indo em direção até um armário novo que havia na sala, abrindo e puxando uma caixa vermelha, parecia um presente.
           - Esse material foi criado por mim, é como se fosse um quebra-cabeça com as suas frases, vamos pegar essa plataforma, você vai escrever seus sentimentos e arrependimentos, e enfim vamos destacar para montarmos juntos em uma outra sessão. (Fala ele todo entusiasmado com seu brinquedinho para crianças na mão)
           - Tudo bem, mas em que isso irá me ajudar? Eu estou com problemas, não consigo tomar conta de mim mesma, e o que seria meu ato violento? Só venho aqui e logo em quinze dias já estou fora.
           - Primeiro de tudo devemos ter calma, esse processo é demorado, e dessa vez, comigo no comando, depende de você sair daqui em quinze, seis meses, seis anos. Estou tomando posse da diretoria da clínica, e tudo vai ser diferente, você só vai sair daqui sã e salva e sem machucar você ou a alguém, podemos conversar sobre seu ato em outra sessão.
           - O que você disse? (Pergunto me levantando espantada)
           - Calma, como eu disse para agilizarmos a sua saída, podemos começar?
           Eu não queria acreditar que se não cooperasse poderia demorar anos para poder sair dali, fiquei agitada andando de um lado para o outro, com certeza era meu outro eu tentando achar uma forma de fugir, mas como eu precisava realmente daquela ajuda, tentei segurar meus braços, mas quando vi a caixa vermelha já estava voando pela sala, e claro, que só acordei no outro dia.
           Como punição eu não ia ao pátio naquele dia, e da janela pude ver os gêmeos correndo de um lado para o outro, mexendo com a garota estranha com cara de psicopata. Me assusto e caio para trás na cama quando ela olha fixamente para mim. Mas como punição eu também não poderia sair do quarto, e isso era bom, pois, não precisaria ouvir as baboseiras do doutor, de que eu poderia sair dali em anos e blá blá blá.
           Batem na porta, deveria ser o café da manhã, mas quando abro a porta os gêmeos correm para minha cama e começam a pular e sujar todo o lençol branco com a terra vindo dos sapatos.
           - O que vocês estão fazendo aqui, na verdade, como conseguiram chegar até aqui sem serem notados? (Pergunto enquanto puxo-os para fora do quarto)
           Mas eles insistiram e corriam pelo quarto de um lado para o outro, mexendo em tudo, clássico de crianças terroristas.
           - Queremos te contar uma notícia! (Fala Ella enquanto olha meus desenhos na escrivaninha)
           - Se eu deixar vocês contarem, saem do meu quarto? (Suplico)
           - Sim, mas com uma condição, tem que ajudar a gente! (Fala Elias ainda pulando na cama)
           Querendo os ver fora do meu espaço, concordo sem saber o que iam falar.
           - Vamos lá, amanhã iremos sair daqui!
           - Meus parabéns, receberam alta! (Falo aplaudindo e indo em direção a porta para expulsa-los)
           - Mas... (Fala Ella)
           - Não recebemos alta, iremos sair de vontade própria! (Diz Elias, com uma voz macabra, como se fosse sujar o muro do vizinho de noite, esfregando uma mão na outra)
           - Fala sério! Por que estão me contando isso? E onde estão seus pais? Vocês têm o que treze anos? (Pergunto com a testa franzida)
           Um olha para o outro e param de pular no mesmo instante.
           - Bem... nós não temos pais, moramos com várias pessoas e em vários lugares, mas não deu muito certo com os últimos. E então viemos parar aqui, mas nós temos... te corrigindo... Quinze anos, e já somos bem grandinhos, vamos para a casa de um amigo que conhecemos na última clínica em que estivemos, um cara meio doido, mas com os mesmos pensamentos que nós, ele mora com a avó e tem bastante espaço. (Diz Ella com um tom certeiro)
           Aquilo estava muito estranho, mas minha única atitude foi paga-los a força pelas camisas e arrastar até a porta do quarto, enquanto diziam...
           - Você vai nos ajudar? Diz que sim... se fizer isso te contamos o que aconteceu com a Mel. (Diz Elias suplicando)
           - O que vocês sabem sobre a Mel? O que realmente aconteceu? (Falo chacoalhando Elias)
           - Só vai saber se vier conosco, amanhã após recolherem todos para dormir, o guarda do corredor vai ao banheiro todos os dias assistir a um episódio da sua serie preferida, dura em torno de quarenta minutos, e é o tempo suficiente para passarmos por lá e sair pela porta de funcionário. (Diz Elias me ameaçando)
            Escuto passos vindo em nossa direção e os dois saem correndo para o sentido contrário, e eu grito em direção a eles...
           - Isso não vai acontecer!
           Quando olho para o outro lado do corredor Julia já está me encarando, esperando eu fechar a porta toda confusa...
             No dia seguinte na hora do banho, observo Elias e Ella se ensaboarem a minha frente, Julia olha fixamente para mim, eu juro que o olhar dela era de querer me engolir.
           - Bia, Bia... vamos! Está na hora... (Fala baixinho Ella do outro lado da porta enquanto eu observo o jardim pela janela)
           Abro a porta e lá estão os dois, com suas mochilas nas costas, tinham a certeza de que iam conseguir escapar, o que eu já não tinha tentado outras vezes. Os dois destemidos sabiam exatamente o que iam executar, e eu como não poderia fugir por que era de casa de volta para a clínica, fechei a porta.
           - Não quer mesmo saber o que aconteceu com a Mel? (Fala Elias baixinho com tom medonho)
           - Nós te contamos no trajeto enquanto nos ajuda a escapar... (Fala Ella abrindo a porta novamente)
           Não tinha nada a perder, então sai os seguindo pelo corredor.
           - Espere pelo meu sinal Ella. (Diz Elias se escondendo no armário à frente)
           Vejo o guarda do corredor passar para a porta da frente, e Elias dá o comando para seguirmos.
           - Chega, podem começar a falar o que aconteceu com a Melissa, onde ela está? (Pergunto tentando dar um fim naquilo)
           - Ela está morta, você realmente não se lembra? Enrolou a cortina plástica do banheiro em seu pescoço e apertou até ver a vida saindo de seus olhos azuis. (Diz Elias sorrindo)
           Me sentei no chão com falta de ar, os flashes estavam vindo à tona em minha cabeça, o cabelo dela escorrido no chão molhado no banheiro, seu rosto branco de boca roxa aberta. Isso não pode ter acontecido!
           Acordei na manhã seguinte, com os diretores da clínica em volta da minha cama, pude observar meu pai na porta, chorando, como sempre me lembrava dele, o motivo de todos os seus sentimentos era minha culpa.
           - Beatriz, lhe encontramos no corredor ontem de noite, gelada e falando coisas sem sentido. Como você está se sentindo? (Pergunta Debora, diretora da clínica)
           - Eu... eu... não sei o que realmente se passou. Os gêmeos me disseram sobre a Mel, não estou conseguindo assemelhar as coisas, podem me explicar o que aconteceu?
           - Gêmeos? Não temos gêmeos na instituição. Sentimos muito pelo seu estado, mas para clarear as suas informações, você passou 2 anos aqui na clínica em seu último tratamento e infelizmente em um ato de violência e perda de controle, você acabou assassinando a Melissa, sabemos que gostava muito dela, e você não estava em si naquele dia.  (Fala Afonso olhando para mim, e indo consolar meu pai)
           Eu não conseguia acreditar no que estavam me dizendo, sou indefesa, nunca teria machucado ninguém.
           - Mas como eu poderia ter feito uma coisa dessas? Melissa sempre me ajudou nos piores momentos em que estive aqui dentro, foi ela que me ajudou a superar o acidente de carro da minha mãe! (Falo me sentando ainda zonza na cama)
           Vejo me pai cair em prantos e saindo da sala.
           -Acidente de carro? Melhor aplicarmos alguma medicação em você e retornarmos essa conversa mais tarde, para vermos se volta a assemelhar as informações. Vai dar tudo certo Bia, estamos aqui para te ajudar, sabemos que nunca quis machucar sua mãe e nem a Melissa, nesse novo tratamento que Afonso está propondo, vamos conseguir fazer você a parar de conversar com pessoas que não existem e nunca mais machucar a si mesma e nem aos outros.
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os-12contos · 3 years
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CONTO III – O SÓTÃO LHE CAI BEM
Oito meses e meio carregando você em minha barriga, que cresceu tanto e tão rápido, você foi o fruto do meu pior amor, mas foi a chama que eu precisava para reacender a minha vida medíocre.
                 Vim hoje escrever essa carta, para que em um futuro distante você possa entender sua história, minha Doce Madalena.
                 “23 DE MAIO DE 2019”
               Doce Maddie, foram anos de tentativas sem sucesso, até o dia em que vi a palavra “GRAVIDA” em um simples teste de gravides de farmácia, e ali tive a certeza que poderia acontecer de tudo, mas lhe teria em meus braços... Foram anos difíceis, diversas perdas, e a cada uma um hematoma vindo do homem que dizia querer uma vida ao nosso lado. Fui forte o bastante para fugir ainda com você em meu ventre, e não pense que o abandonei, ele nos abandonou antes mesmo de saber que eu estava a te carregar, coração a coração, batendo juntos...
               A última vez em que o vi com vida, ele estava me ameaçando jogar a jarra de suco, eu não poderia suportar a ideia de lhe perder novamente, ele me machucando estava “tudo bem”, até você estar em jogo. Eu não podia antes ter dado um fim a isso, eu precisava que ele me desse você, que pelo menos plantasse a semente, eu poderia semear sozinha.
               Então você veio ao mundo, eu e você, juntas, para sempre... Ele teve o fim que merecia, e nem pode ver seu rostinho angelical sorrindo para mim... levo você a todos os lugares comigo, ninguém te conheceu, nenhum parente sabe da sua existência, te guardo em uma caixinha, seu cheiro não sai da ponta do meu nariz... vamos ao parque, ao supermercado próximo de casa, sinto muito pelo cheiro forte pela casa, mas não sei onde colocá-lo. Suas tias me ligaram essa semana e disseram que sentem muito pela sua perda e que você teria sido uma princesa linda e muito amada, perguntaram pelo seu pai e eu disse que estava melhor do que todos nós, já que o sótão lhe caia bem. Me desculpe, mas eu salvei nó duas de suas mãos asquerosas.
                 Você tem todo o direto de saber sua história.
               Eu apertei o gatilho na ponta da escada contra ele, mas me agarrou, e em meio a muito sangue eu percebi que vinha de mim também, eu matei o mal e o bem em uma única bala. Para ele ter ido, você tinha de ir junto.
 O café está pronto, você quer bananas caramelizadas?
                                 Com amor    
                                Annadora ♥
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os-12contos · 3 years
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CONTO II – COBAIA
Foram anos e anos de estudos para no final eu me ver desesperado, perdido, a vida de uma pessoa por um erro fatal. Doze anos criando um antigo baseado em muitas pesquisas, todo um sonho, baseado na paixão pela profissão, médico formado, exercendo a profissão a quinze anos.
               Acordei naquela manhã com um bom pressentimento, era o grande dia em que iria mostrar para o mundo o resultado da minha pesquisa, trabalhava em um hospital renomado e dava aulas para jovens ingressantes na faculdade. Um aluno veio até a mim no almoço e sentou. Começou a fazer mil perguntas sobre o artigo, e enquanto eu mastigava o sanduiche natural, franzia a sobrancelha e perguntava;
               - Você é meu aluno?
               - Sim! Assisti todas as suas aulas no decorrer desse ano, claro, não estudo medicina nem nada do tipo, mas fui diagnosticado com leucemia e tenho certeza de que se existe uma pessoa que pode me ajudar, essa pessoa é você! Então decidi me ingressar escondido nas suas aulas e absorver o máximo de informação.
               - Espera um minuto! Esteve a um ano assistindo minhas aulas ilicitamente? (Pergunto espantado)
               - Não é bem assim... Minha mãe trabalha aqui, e eu acompanho ela todos os dias, ela acha que eu fico na biblioteca duas horas esperando para o almoço, mas na verdade eu fujo para sua aula.
               Em anos de carreira, nunca me imaginei nessa situação, eu poderia ficar calado e fingir que não tinha ouvido aquela história, poderia acionar alguma autoridade como a mãe do garoto... mas fiquei curioso com a história.
               - Então me conta, como poderia te ajudar? (Pergunto com um sorriso debochado no rosto)
               - Primeiramente Dr. Adolfo me chamo Phelippe é um prazer enfim conhece-lo, saiba que conheço dos pés à cabeça o seu artigo sobre leucemia, venho estudando junto com suas informações e tenho certeza de que o seu material poderá ser testado em mim. Sou maior de idade e te dou permissão para testar a vacina em mim.
               - Não é tão simples assim que as coisas funcionam, foram anos de estudos, não seria ético ir direto testando em um ser humano. E aliás, como chama sua mãe?
               Naquele momento ele olhou ao redor, como se escondesse de alguém...
               - Ela não pode saber que estou falando com você, apresentei seu artigo e ela me proibiu de conversar sobre esse assunto com o senhor.
               Ele então colocou na mesa uma pasta preta que estava em volta de seu braço e abriu na página cinco, haviam fotos dele pequeno sem cabelos, e em hospitais deitado nas camas sorrindo com um bolo e uma vela de oito anos...
               - Passe toda minha infância em hospitais, nunca tive amizades duradouras, estive mudando de casa em casa, estudava em casa com professoras particulares, nunca tive uma infância normal... eu realmente preciso da sua ajuda, mas isso deve ser feito escondido! Te dou toda a permissão necessária, mas ninguém precisa ficar sabendo.
                 Aquilo me tocou de uma forma muito sincera, me instigou a vontade de ver meu próprio remédio em ação, o que levariam anos para ser testado, poderia haver uma chance mínima de conseguir testar brevemente...
               - Eu compreendo seu desespero, mas peço que entenda que não posso simplesmente chegar em uma pessoa e aplicar um simples estudo. Não funciona assim!
               - Eu imploro Dr. Adolfo. (Fala olhando fixamente lacrimejando no meu olho)
                 Fui para casa naquele dia, pensando arduamente no assunto, eu não poderia fazer aquilo, seria contra todas as regras e apesar de eu ter o material em casa, não era concreto, as sequelas que trariam, um mínimo erro poderia lhe tirar a vida... estava decidido a não dar continuidade naquilo...
               Na manhã seguinte fui até o hospital, a aula começava cedo, e fiquei olhando por toda a sala e Philippe não estava por lá, em nenhum acento. Após a aula, fui visitar um aluno que acabará de ingressar na equipe de enfermeiros, formado na faculdade, recebeu uma proposta para trabalhar junto do hospital... ela se chamava Amanda e estava toda de verde agua com uma prancheta na mão, em frente a recepção, abriu um sorriso imenso ao me ver, me abraçou e agradeceu todo o suporte dado a ela em todas as aulas.
               - Não tenho palavras para agradecer toda a atenção que me deu esse ano como uma filha, isso é muito emocionante, estar em ação e poder finalmente atender meu primeiro paciente... Gostaria de me acompanhar? Eu ficaria imensamente feliz...
               - Claro Mandy, eu ficaria honrado.
                 Então ela começou a ir em direção a sala de número 23, a porta estava entre aberta, ela entrou primeiro e pude ouvi-la dizer “bom dia” com um ar muito entusiasmado... Não poderia estragar aquele momento único, então olhei pela porta, e lá estava ele, soro na veia, oxigênio no nariz e a roupa padrão de paciente, Philippe, cumprimentava Mandy, com a voz rouca... Me virei rapidamente para não ser visto, e então um silencio, tive a certeza de que ela estava voltando para me procurar, mas somente encostou a porta.
                 Não consegui me conter nas emoções e em que poderia ter acontecido com o garoto, mas uma piora poderia ter levado ele a se internar, já que sua mãe trabalhava no local, comecei a procurar por ela. Encostei na recepção e pedi para verificar a ficha medica do garoto, e lá estava. Cinddia Ernandes (Farmacêutica ALA D)
               Fui então a ala procurar pela mãe e conversar sobre o acontecido. Coloquei minha cabeça entre a sala onde geralmente ficam os farmacêuticos e lá estava uma moça no chão em prantos, com um guardanapo enxugando o nariz, abri a porta e entrei sem permissão.
               - Posso ajudar o senhor? (Levanta assustada tentando esconder o choro)
               - Me chamo Adolfo, sou médico especialista na ala F, conheci seu filho Philippe ontem na cafeteria, e gostaria de conversar sobre ele, se a senhora se sentir à vontade.
               - Peço desculpas se meu filho foi atormentar o senhor com suas fantasias, um homem tão ocupado. (Responde ela um pouco brava)
               Naquele momento percebi que ela também conhecia meu artigo, e que já haviam conversado sobre.
               - Cinddia, posso lhe chamar assim? Estive pensando sobre a nossa conversa de ontem, e de repente me deparo com ele internado, o que aconteceu?
               - Ele teve piora essa madrugada e eu o trouxe para uma internação, mas ele está bem... (tenta explicar tremula)
                 Eu vivia só, um apartamento de 3 cômodos, um gato de estimação e uma vida rotineira chata... nunca tinha me visto naquela situação, praticamente uma criança que não tinha vivido sua vida como deveria, conhecendo pessoas e lugares novos que não fossem hospitais. Decidi então tomar uma atitude, eu não poderia de jeito nenhum colocar sua vida em risco mais do que ela já se encontra em todos esses anos, por que não testar todos meus anos de pesquisa em mim mesmo? O dinheiro que eu ganharia com essa descoberta, serviria para que? Um novo apartamento com 6 cômodos, para cada gato novo morar em um quarto? Minha vida era chata o bastante, eu não tinha nada a perder...
               Na manhã seguinte, me tranquei na minha sala, cancelei todas as minhas consultas, era sábado, não tinha aula... abri a maleta e lá estava, anos de pesquisa, em uma única mesa, uma agenda com tanta anotação, tanta rasura, estaria eu pronto para tomar essa atitude pela vida de uma pessoa que eu conheço a alguns dias?
               Fui visitar finalmente Philippe, ele estava com o redor dos olhos roxos, e fraco... sorriu debochado e me perguntou...
               - Trouxe minha salvação?
               - Meu caro Philippe, eu sei que você lá no fundo você sabe que não poderia fazer nada mais do que uma breve visita, tudo está em jogo, e o mais importante, sua vida...
               Ele então adormece, tinha acabado de ser medicado, os seus olhos fecharam lentamente, enquanto levava sua mão até o peito, havia um papel, então recolhi e não hesitei em ler...
 “Doutor, depois de tanto sofrimento, vejo enfim, que o fim está próximo, peço desculpas para você por ter colocado essa pulga atrás da orelha, me desculpo também com minha mãe, por ter que me deixar ir”.
                 Era tão breve e tão tocante, que sai dali direto para minha sala, Cinddia estava sentada me esperando chegar, pude reparar que havia uma folha dos meus arquivos em sua mão, me aproximei e o seu rosto caiu para frente, a agulha ainda estava pendurada em seu ombro. Ela havia aplicado em si mesma o medicamente, colocando sua própria vida em risco. Eu me vi sem chão, pensando em meus anos de pesquisa todos jogados no ralo, perderia meu emprego e meu sonho de ajudar pessoas. Mas seu olho brevemente abriu e sorriu de volta para mim.
               - Me desculpe! Eu precisava fazer isso por ele, um garotinho tão amável, frágil, eu companheiro de toda a vida, eu sou a responsável pela sua felicidade, mesmo que isso me traga problemas, eu só quero o seu bem...
                 Deixei meu emprego, toda a minha pesquisa foi arquivada, mas, toda a minha satisfação veio à tona quando apliquei ilicitamente o medicamento em Philippe, não fui descoberto, mas eu não poderia trazer a público sua melhora, a concretização do artigo... ninguém poderia saber que eu consegui finalizar anos de processo em um único dia, isso serviu de ensinamento, foram dias e noites, criando a salvação para uma pessoa.
               Eu poderia ter continuado exatamente como eu estava, mas para mim valeu a pena, ver o sorriso no rosto daquela mãe.
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os-12contos · 3 years
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CONTO I - O TRAUMA QUE ME HABITA
               Acordei naquela manhã chuvosa aos gritos vindo do corredor, minha mãe me encarando na porta do quarto entre aberta, eu só conseguia ouvir um zumbido, mas logo reparo que estava estressada logo cedo com a máquina de lavar quebrada. Quando me decido levantar sou jogada no chão a forças pelo meu pai que gritava,
               - Você não serve para nada aqui dentro dessa casa;
               Logo olhei para cima e vi tudo escuro após levar um chute na cabeça.
               Essa era a minha vida em 19 anos, tinha meu trabalho, ajudava com as contas de casa, a maioria, ajudava nos afazeres domésticos, e mesmo assim nunca estava bom o suficiente, eles queriam que eu tivesse 30 anos e fosse a base da casa, mas eu ainda estava estudando para poder ter um emprego melhor, e sim, dar uma vida de rei e rainha que eles tanto queriam.
               Era uma vida conturbada, por que eu não queria estar ali, mas por algum motivo e sabia que eles não dariam conta sozinhos, estavam doentes da cabeça, não os culpo, ficaram assim logo quando meu irmão morreu na linha do trem por um descuido de ambos. Estavam indo para a casa dos tios do meu pai no interior, eu estava com 4 anos e meu irmão com 2, por um instante se viraram para olhar se o trem estava vindo, ele estava sim, mas meu irmão já havia caído na plataforma. Me lembro vagamente de que desde então tudo ficou diferente, eu vivia indo e vindo de casa em casa, parentes, amigos, vizinhos, e sempre que estava junto deles, sofria. Depositaram toda a culpa em cima de mim.
               Tive que aprender a ir para a escola sozinha, a fazer minha comida, cuidar de mim mesma, já que eles estavam presos naquela cena monstruosa. Tenho certeza que isso afetou tanto eles, não estão mais em si, nunca teriam feito tudo que fizeram comigo se essa perda não tivesse destroçado a mente deles.
                 12 de dezembro de 2015, eu estava completando 19 anos, e eles simplesmente se esqueceram, ou não quiseram lembrar, aliás, tudo aconteceu cinco dias antes do meu aniversário. As brigas aumentaram, de sutis, para violentas, todas elas me envolviam, todas elas eu era o motivo. Como se eu fosse uma válvula enferrujada e a qualquer toque, abria e jorrava tudo de ruim.
                 Acordei alguns minutos depois após a pancada na cabeça, eu já estava quase me atrasando para o trabalho e o sangue escorria pelo meu nariz, os deixando mais nervosos ainda. Então só puxei a mochila que estava na cadeira ao meu lado e sai correndo de casa.
                 Não consegui pegar o ônibus para o trabalho, a tolerância eram 10 minutos de atraso e eu já estava a vinte e nem a caminho eu estava, não poderia mais ir trabalhar naquele dia. Mudei minha rota e encontrei um hotel a 3 quadras da minha casa, fiz todo meu cadastro na recepção e subi para o quarto mais simples. Adormeci enquanto sentada na cama.
                 - Nancy, Nancy, Nancy! Está na hora do café, desça agora!
               Minha mãe me chamava enquanto eu estava acordando com a luz forte do sol batendo no espelho e voltando para meu rosto, meu irmão estava sentado na ponta da minha cama escondido pelo lençol pronto para me dar um susto, tão lindo e gentil, agarrei ele e comecei a fazer cocegas por todo o seu corpo minúsculo.
               - Vamos comer, vamos comer, cereais com iogurte, sorvete e bacon! (Me puxava entusiasmado)
               - Vamos sim, mas quanto a parte do sorvete não sei se a mamãe vai concordar. (Respondi enquanto ele gargalhava com minhas cocegas)
                 Acordei com o serviço de quarto na porta do quarto, mas eu não atendi, estava paralisada, o que sempre acontecia quando eu tinha esses sonhos que envolviam a vida que eu teria se a tragédia não teria acontecido. Então voltei a dormir para que pudesse vê-lo novamente.
                 - Nancy, quanto tempo mais você vai demorar para terminar de lavar essa louça e vir aspirar o sofá? (Gritava minha mãe na ponta do quarto do hotel)
               - O que... como? Me encontraram? (Confusa, tentava entender toda aquela situação)
               - Eu não gostei do modo que você saiu correndo de casa, e ainda por cima não foi trabalhar! Quem vai pagar as contas de casa? Quem vai sustentar as duas pessoas que te colocaram no mundo?
               - Me desculpe mamãe, eu estava confusa, tinha sido agredida pelo meu próprio pai sem nenhum motivo!
               - Nancy, eu sou a sua mãe e ele é o seu pai, o mínimo que esperamos de você é respeito...
               Tudo aquilo era muito confuso, e eu já estava a um ponto de não aguentar mais suportar aquela convivência toxica. Decidi colocar tudo para fora, alias... eu já estava fugindo.
               - Em primeiro lugar, eu devo a vocês todo o respeito do mundo, mas ser acordada com um chute no rosto não é o respeito que vocês exigem. Eu dou o meu melhor no trabalho e em casa, mas vocês estão doentes, eu tive que crescer sozinha enquanto vocês se afundavam na própria depressão. Claro que eu não os culpo, estão doentes por uma tragédia que aconteceu a anos, e eu não tenho nenhuma culpa nisso, eu sinto falta dele, ele também era importante para mim.
               - Nancy, minha princesa, você precisa entender que ele era nosso garotinho de ouro. E não temos mais em nossos braços. Precisamos nos desculpar com vo...
               Ela é interrompida com meu pai chutando a porta do apartamento, vindo direto em direção aos meus cabelos, saiu me puxando pelo quarto, estava sendo arrastada enquanto tentava me soltar. Minha mãe o empurrou até me soltar, e eu corri para o outro lado do quarto.
               - Quem você pensa que é para me desrespeitar dentro da minha própria casa? Deixar tudo bagunçado e ainda por cima não ir trabalhar, quem é que vai...
               - Eu não tenho mais dez anos de idade, e você não pode me tratar assim, isso é crime, eu estou perdida e sozinha, você é um louco!
               Ele se aproximou novamente para me puxar, mas eu acordei no chão do quarto, e lá estava eu sonhando acordada de novo. Fui até o banheiro e lavei meu rosto, tudo estava confuso e girando, precisava de alguma coisa com álcool, mesmo eu nunca tivera bebido antes, nos filmes isso parecia acalmar as pessoas. No frigobar tinham aquelas minigarrafas de vodca e whisky, misturei os dois em um só copo e virei.
               - Nancy... Nancy... (soava bem baixinho a voz de minha mãe)
               Coloquei o travesseiro no rosto e comecei a gritar, junto as lagrimas, colocava tudo para fora, retirei o travesseiro e enxuguei as lagrimas, olhei ao redor e me vi sozinha, podendo fazer tudo o que eu quisesse... desenhei, bebi todas as garrafas do minibar, cantei alto, dancei, tomei banho na banheira, e adormeci ali mesmo.
               - No fundo do mar, minha jovem sereia dançava com sua cauda, penteava seus cabelos, no fundo do mar... (Cantarolava minha mãe enquanto ensaboava meus cabelos)
               Olhei para cima e vi seus olhos brilharem, como se nunca tivesse tido a oportunidade de me dar banho.
               - Sabe que quando eu tive você, era tão frágil que nos primeiros meses não conseguia te dar banho sem auxílio de alguém, tinha medo de te derrubar ou até mesmo jogar água em lugares errados.
               - E por que você nunca mais me notou? Andando sozinha pela casa, de madrugada eu ia tomar chá por que não conseguia dormir, e lá estava você fumando um cigarro na varanda. Muitas vezes eu me aproximava e ficava ao seu lado, mas era como se eu não estivesse ali, e seu que você também não estava.
               Senti algo em minhas pernas, e meu pai estava dentro da banheira olhando fixamente para nós duas, e novamente acordei quase me afogando.
               Desde criança eu tinha esses sonhos que pareciam realidade, alguns eu nem sei se não foram reais, sempre fui agredida pelo meu pai, e minha mãe nunca estava em si, ela andava pela casa com o olhar fixo, sem piscar, como se fosse um zumbi, apenas vivendo. Eu sei que eles sofreram muito com a morte do meu irmão, mas o problema era a culpa voltar totalmente para mim.
               Novamente bateram na porta, era o serviço de quarto que eu n��o havia pedido, me embrulhei na toalha e fui até a porta, olhei pelo olho magico e lá estavam meus pais, agachei no chão e decidi abrir então a porta, alguém correu rapidamente e começou a pular na cama, era meu pequeno irmão, com uma bola de basquete entre os braços, corri para abraça-lo e caímos juntos entre os travesseiros, meus pais olhavam sorrindo da porta.
               - Viemos te trazer para uma visita, ele estava implorando para te ver. (disse meu pai comendo um pretzel e sujando todo o carpete do quarto.
               Minha mãe já estava na cabeceira olhando qual livro eu estava lendo, “a psicologia como um todo”
               - Meu deus, como você consegue ler esse livro tão grande e em tão pouco tempo. (Diz ela espantada)
               - Eu tenho que ler se quiser ser uma psicóloga boa. E poder dar o melhor para esse rapazinho aqui! (Falo olhando para ele e tocando seu nariz)
               Dessa vez acordo no corredor do hotel, de roupão, mas senti como se não estivesse sonhando, o som do elevador indicava que eles acabaram de entrar para irem embora. O que será que está acontecendo?
                 Me sentei no chão e me abracei, chorando todas as lagrimas possíveis. E então o som do elevador novamente, fiquei olhando fixamente para ver se não eram eles voltando, e era um moço que aparentava ter entre 25 anos, jovem, engravatado, cabelo penteado, e olhos verdes vindo em minha direção, ajoelhando no chão e me abraçando fortemente.
                 - O que aconteceu dessa vez? Por que você não me ligou e pediu ajuda? Eu vinha até você...
               - Quem é você? (Perguntei me afastando do desconhecido)
               - Como assim quem sou eu? Sou seu irmão Petter... você está bem? (Insiste o rapaz em me conhecer)
               - Não tenho irmão, o único que eu tive morreu a anos na plataforma do trem.
               - Meu deus! (Responde ele aflito)
               Então pegou seu celular e começou a fazer uma ligação afastado de mim, mas eu conseguia ouvir ele conversar com alguém sobre mim.
               - Ela não está bem vovó, não está em si... vou chamar o médico.
               Ele me colocou para dentro, não hesitei, pois, meu corpo estava todo mole, devia ser as bebidas que eu tomei. Ao me lembrar do gosto corri para o banheiro para colocar tudo para fora, e tranquei a porta. Adormeci no chão.
               - Nancy? Nancy, abra a porta, a vovó está aqui! (O rapaz ainda insistia na porta)
               Abri a porta ainda com restos de comida nos cabelos, estava tropeçando nas coisas até chegar na cama e sentar, havia uma senhora em pé ao lado de um homem de jaleco. Eu já não sabia mais em qual realidade eu estava, precisava de ajuda.
               - Minha querida, deite-se aqui. (Dizia a senhora se aproximando e arrumando o travesseiro)
               - Quem são vocês, e o que fazem aqui? (Perguntava eu toda confusa)
               - Precisamos que se acalme, vou pedir para o doutor aplicar um relaxante em você, não se preocupe estamos aqui agora... (Dizia a senhora limpando com a toalha meus cabelos)
               - Estarei aplicando diazepam em sua veia, mas não se preocupe pois só irá lhe ajudar. (Diz o doutor se aproximando com uma maleta)
                 - Vou te contar uma história... A 10 anos atrás você sofreu um acidente de carro, e seu irmão August infelizmente não sobreviveu, foram anos e anos para conseguirmos te explicar, mas você nunca mais foi a mesma. Seus pais tentaram de tudo, te levaram nos melhores psicólogos, mas você ficava andando pela sala com o olhar fixo, sem piscar, mexendo nos livros grandes do doutor. Foi diagnosticada com uma forte depressão e síndrome do pânico, sempre estávamos ali para te dar o suporte, tentando te trazer de volta para nós. Nunca saia do quarto, e de madrugada te pegávamos fumando escondido na varanda olhando para o nada, as vezes ficava batendo sua cabeça no guarda roupa até seu nariz sangrar, foi muito difícil para todos nós ver nossa princesa naquela situação. Tinham dias em que seu irmão tentava te acordar animado para o café da manhã, te oferecia sorvete, e logo você se perdia... seu pai e sua mãe estão do lado de fora do quarto, aflitos por não saber onde você estava, correram para vários hospitais te procurando.
               - Comecei a ver tudo nitidamente, naquela manhã eu tive meu pior surto, sai correndo pela rua apenas com a mochila nas costas, eu criava cenas em minha cabeça que não existiam, as memorias que eu tinha do meu irmão eram na verdade memorias reais com o Petter, meus pais não me agrediam, eu me agredia, eu que andava pela casa sem rumo, não respondia, não comia, não trabalhava, não estudava... eu que estava doente. Após o acidente eu que fiquei com problemas, nunca percebi as pessoas ao meu redor tentando me ajudar. Eu que não consegui sair dessa ilesa.
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