Tumgik
eagoralencar-blog · 7 years
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De onde vem as estrelas?
Olhar os céus é uma prática de sonhadores: não há imaginação maior do que imaginar da onde surgiram as estrelas. De onde vem as estrelas? Há quantas? Dá pra contar? É uma prática que Thiago, este um menino-criança, costumava ter. E não só imaginava: sonhava em um dia poder toca-las.
Thiago tinha uma mãe, conhecida como senhora Helena, dona de casa, classe média, que sobrevivia com recursos dados pela empresa culpada pela morte de seu marido J. Pinto Fagundes. Acostumada as tarefas de casa, pouco olhava na janela (alguns dias mal saberia se chovia ou fazia sol, era indiferente para ela; o mundo não importava mais. Ele era reduzido, pequeno e acessível a dois passos - distância essa que normalmente era de senhora Helena para sua vassoura). Caso quisesse ousar daria três, quatro passos, ou até mesmo cinco para desafiar a monotonia. Era difícil imaginar, era arriscado arriscar, por isso não fazia. Ela quem colocava o menino Thiago pra dormir e sempre respondia calada - um silêncio que as vezes faltava em si mesma:
_Mãe, da onde vem as estrelas?
_Não sei, meu filho. Boa noite.
_Será que um dia eu posso pegar?
_Não, não pode. Não tem como. Não esqueça que, ao levantar, tem que escovar os dentes, não quero cáries atacando seus dentes.
_E se eu quiser me tornar uma estrela?
_Não! Não pode. Não. Não. Não! Você tem que entender. Não dá pra virar estrelas. Não dá pra tocar. Não dá pra se tornar uma. Você tem que entender isso.
Nem Shakespeare magoou tanto quanto senhora Helena fez com Thiago. Não há surpresas. Helena é adulta, logo devoradora de sonhos. É normal que tivesse nela esse papel fundamental. Um papel do qual temos ambição de possuir. É adulta, logo a monotonia lhe serve. Por que ela deveria sonhar? Não há porque arriscar. Não tem como virar uma estrela! Ela se irritava inconscientemente, pensando em quão bobo era Thiago. É natural que o tempo destruísse seus presságios. Não há átomo que não se desgaste. Nele, Thiago, não havia ressentimento, havia pena. Pena de estar tão perto das estrelas, e tão longe dos seus sonhos. Não há memória viva que lhe desse conforto. Sonhos nunca podem morrer? Claro que morrem, estes adubam a terra, as tornando férteis para que outros sejam plantados, pensava Helena. Achava que fazia bem. E no fundo, todos nós achamos. Nós, sempre fixados no eu, achamos que perder-se não é caminho. Nós, seres pequenos diante o mundo, nos aproveitamos de tudo para provar nossa pequena, inexata, pobre, ineloquente e desarmoniosa essência. Se este papel atribuídos a nós não nos fosse dado, talvez os chacais ou os leões herdassem com premissa primeira de jamais destruir a si mesmo. Talvez fosse eu o culpado. Não. Se há culpa, não há porque ser centralizada. Perdemos todos. Se não há porque sonhar, não há porque viver, pensou Thiago. Tão pequeno, tão pobre, já entendia como funcionava a engrenagem. Não entendia por que não podia sonhar, porque deveria entender que não se pode tocar as  estrelas, por quê? Não. Não era pra ele este mundo, pensava.
Enquanto pensava, sem perceber estava percebendo as coisas, deu passos largos até a janela - que tivera uma distância considerável do chão. Deu longos oito passos até a janela. No primeiro pensou que as estrelas fossem a sua direção, que o caminho era este e não lhe faria mal. Não há porque temer os seus sonhos, pensava. No segundo, imaginou sua mãe, com olhos lacrimejando, sonhando. Coisa do qual ele pouco achava possível, mas imaginava. Era uma nostalgia pensar em quantas coisas poderia fazer, como era livre para pensar. Como pensava? Não sei. Há certas coisas que é melhor não saber, assim a ignorante estética se manterá. Como tinha tantas coisas para pensar mesmo sendo tão jovem? Não sei. Talvez o tempo diga, ou se cale. No terceiro passo pensou em voltar, seria covarde se deitar e aceitar? Com certeza seria, pensava. Mas haviam coisas que só ele poderia julgar; queria ainda sentir o gozo das brincadeiras e o carinho protetor maternal, mas a ideia de que não pudesse sonhar o levara pra frente. Era rude a forma com que impuseram isso a ele. Com tão pouca idade, sentia-se irritado só de imaginar não poder tocar as estrelas, quem seriam elas para se privar? No quarto passo começou a pensar em quem seria, e como seriam as estrelas se caso encontrasse, se fosse o caso de serem igual a sua mãe, o que faria? E se não lhe permitissem sonhar? O menino também pensava que o brilho das estrelas eram medidos pelos seus sonhos - isso, acabei de inventar. Desculpe, eu sonho também - e que se fosse o caso não haveria mães no céu, nem adultos, nem animais - imaginava que animais não pudessem sonhar, só latir, miar... Nem animais. No quinto imaginou o quão brilhante seria, caso se tornasse uma estrela também. Será que ganharia de muita gente, seria ele um dos melhores? Havia melhores no céu? E se não houvesse, o que faria? Como saberia que tem seu valor? Se não o classificassem, como se classificaria?
No sexto passo o menino estava decidido a saltar. Uma tragédia se anunciaria. Mas eu, caro leitor, nada posso fazer, se não narrar. Estaria decidido a abandonar tudo, inclusive suas luvas favoritas do qual nunca desgrudaria, para se tornar uma estrela, brilhante, sonhadora, morta em vida. Espero que entenda que não há facilidade pra mim. Não há qualquer coisa que facilite o meu empenho. Ele decidiu fazer. Que culpa eu teria? Uma escolha dele, não minha. Se eu pudesse? Claro. Evitaria. No sétimo passo estava tudo certo, fechado. Nada havia que fazer para que o menino voltasse a escolher aquilo que todos escolheriam. Viver é cruel. Seriamos todos monstros todo o dia. Na verdade, somos. Todo o dia. Um átomo morre para que você continue vivo. Pense nisso. No oitavo passo, enfim, o desfecho: o menino pulou - Respiro, limpo minhas pálpebras com falsas sujeiras, me ajeito na cadeira, penso no desastre que descrevia. O menino pulou. Ele se tornaria estrela, sonho que em vida buscava. Não há alegria na morte, muito menos na vida. Um átomo morre para que surja algumas outras vidas. Milhares morrem quando uma vida morre. Notei agora que morro também - meu Deus. Que sensação estranha, que mãos trêmulas. O cigarro que me acompanhava acabou - as cinzas estão em estado de luto.
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eagoralencar-blog · 7 years
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E se você for capaz de duvidar do que eu sinto, em algum momento, duvidará de quem eu sou - e este é um erro que eu não quero ver você cometer.
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eagoralencar-blog · 7 years
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eagoralencar-blog · 7 years
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Eles também brigam, batem portas e saem por aí. Mas voltam rindo da cara um do outro e dizem coisas como “não consigo ficar bravo contigo.
Gabito Nunes.  (via manuscrite)
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eagoralencar-blog · 7 years
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Essa obrigação de ser feliz paradoxalmente nos deixa cada vez mais infelizes.
As Virgens Suicidas (via recitarpoesias)
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eagoralencar-blog · 7 years
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eagoralencar-blog · 7 years
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Trocalidade
Não confuda aceitação com passividade. O primeiro é reconhecimento, já o segundo é submissão. Não as use na hora errada.
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eagoralencar-blog · 7 years
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Eu não quero um grande amor. Um grande sentimento. Uma grande conquista e nem uma grande vida. Eu quero apenas aquilo que é meu de direito. Que a vida me leve e que considere justiça dar você de presente a mim.
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eagoralencar-blog · 7 years
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Há um lugar no coração que nunca será preenchido. Um espaço. E mesmo nos melhores momentos, e nos melhores tempos, nós saberemos. Nós saberemos mais que nunca. Há um lugar no coração que nunca será preenchido. E nós iremos esperar e esperar nesse lugar.
Charles Bukowski.   (via capitanias)
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eagoralencar-blog · 7 years
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"_É assim que resolve seus problemas? Não sabe que beber causa felicidade momentânea? _E o que não é momentâneo nessa vida, Guilherme?" - Rebanho dos Cromossomos
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eagoralencar-blog · 7 years
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"Eu não sou uma pessoa triste, é que agora estou cansada" -Clarice Lispector
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eagoralencar-blog · 7 years
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No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu.
Machado de Assis. (via inverbos)
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eagoralencar-blog · 7 years
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E sempre vem aquela sensação de que no final eu serei esquecida.
Alícia Gither (via romancitastes)
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eagoralencar-blog · 7 years
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Queria dizer que todos meus "Oi" são um pedido de desculpa por ter sumido.
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eagoralencar-blog · 7 years
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Quero dizer que é preciso sair um pouco de casa, se não você acaba numa fossa danada e não demora para estar saltando da janela. Nem imagina como é fácil se meter numa dessa.
Charles Bukowski. (via caotizado)
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eagoralencar-blog · 7 years
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My mad fat diary.
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eagoralencar-blog · 7 years
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Queria ter o poder de ver tudo simples: as coisas, as pessoas e eu. Mas, na verdade, é um papel que mais do que mim, remete a nós, protagonistas globais, e então ao dependermos de nós tomamos ciência do resultado: alguma hora fracassaremos. - A história forma estórias.
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