Eram 3 da manhã quando rasguei minha pele com a ponta da faca afiada. No momento me pareceu a única maneira de aliviar toda a solidão que eu sentia. Mas ne senti ainda mais sozinha. Olhei pro sangue escorrendo das feridas abertas e pensei quantas camadas de roupa vou precisar usar dessa vez pra que ninguém as veja. Em algum momento a sua mão encostou na minha coxa e eu vacilei. Eu nunca tiro as suas mãos da minha perna. Ou de nenhum lugar do meu corpo. Você olha com surpresa nos meus olhos e no momento que eles se encontram você já sabe que eu estava me punindo ontem a noite. Você puxa meu shorts, mas eu não permito. Ninguém me toca quando as feridas ainda estão expostas. Eu me sinto pequena e vulnerável. Me sinto minúscula, me sinto nada. Eu não consigo identificar se o teu olhar é de dó ou de decepção... De qualquer maneira, machuca mais do que forçar a lâmina no alto da coxa. Então quando você sai, eu faço de novo. E mais um. E mais um. O sangue escorre pelo meu joelho agora e eu finalmente consigo respirar. Como uma traqueostomia que me ajuda a ficar viva por mais alguns dias. Mas são só alguns dias. Não há sedativos o suficiente pra suportar a dor que eu carrego e sempre vou carregar. Disco um número, disco outro, outro, outro... Não tem mais ninguém. Só eu. E esse é o meu maior medo. Enquanto a gente gritava ontem a noite você continuava repetindo que é difícil demais me amar. Que te machuca demais me amar. "Você já não me ama mais?" você me perguntou aos berros, com os olhos cheios de lágrimas que pareciam reprimidas há anos. "Eu não sei amar" eu te respondi e no instante que as palavras saíram da minha boca e chegaram nos seus ouvidos eu sabia que também tinha te ferido como fiz a mim mesma. Mas pra você as cicatrizes não vão ficar visíveis. Não pedi desculpas. Acho que eu queria te machucar. Corri pra rua porque as paredes da casa foram ficando cada vez mais próximas. Esperei você dormir pra deixar uma carta com frases prontas de desculpas, mas são as mesmas de sempre. No fundo nós dois sabemos que eu sou egoísta e mesquinha. No fundo nós dois sabemos que esse cabo de guerra sempre estoura do mesmo lado. Do seu. E aí você volta. Apesar de tudo, você volta. De manhã você me diz que vale a pena sofrer por amor se você estiver comigo. Eu gostaria que você não me amasse. Eu gostaria que você tivesse desistido da primeira vez que tirou a minha roupa e me perguntou sobre todas as cicatrizes espalhadas pelo meu corpo. Daquela vez, daquela primeira vez, eu estava com as guardas baixas e precisava de companhia pra passar a noite. Você me deu algo diferente e eu balancei as suas estruturas. Você achou que poderia me salvar, talvez. Achou que talvez ainda houvesse esperança para mim. Mas nós dois já sabemos que o tempo só prova que você estava errado.