Tenho me conectado com a brevidade que é isso aqui e no anseio de viver tudo o que posso enquanto posso, me deparo com a angústia do fim. Não do meu, jamais. Mas daqueles que eu amo. Há doze anos eu me conectei com a morte de forma íntima e durante todo esse tempo eu tenho aprendido a me relacionar com ela, vezes perto, vezes longe, mas sempre em contato. Porém, haviam doze anos que eu não a vivia tão próxima assim, tão vívida, tão ao lado. E isso me fez despertar sentimento, emoções, sensações outrora esquecidos. Agora, acordo e durmo com a certeza de que isso terá um fim. Um dia falarão das pessoas que eu amo no passado e eu não sei o que farei com essa existência. A angústia do que virá. A angústia do não saber. A angústia da incerteza. A angústia de se estar vivo. O que me sobra? Tentar viver o máximo, o mínimo, a totalidade e as pequenas partes. Tentar a todo tempo estar aqui, no agora, no presente, na vida que eu ainda tenho sob as mãos. Pois é fluinda, é líquida, é corrente... Esvai.

“Life isn’t about finding yourself. Life is about creating yourself.”

— George Bernard Shaw

é engraçado querer escrever só quando tô triste. parece que a felicidade me tira as palavras.

Não é uma sensação desconhecida, muito pelo contrário. "Ela" é familiar, "ela" é de casa, "ela" é um item de decoração na minha vida. É fácil parar na frente "dela" e contemplar, se perder na complexidade, mas é mais fácil ainda viver a vida ignorando esse detalhe. "Ela" é um detalhe. Quando lembro que está presente, "ela" é tudo o que eu enxergo. Quando eu me distraiu, consigo ignorá-la. O ponto é, "ela" nunca some, "ela" nunca vai, "ela" nunca deixa de estar.

O questionamento foi "Como você gostaria de viver a vida já que "ela" não irá sumir?".

Penso que eu gostaria de achar que eu consigo ao menos VIVER a vida. Isso já seria um bom inicio. "Mas, Suyan, o que é viver a vida para você?", é fazer o simples, o básico, o trivial. É acordar cedo, tomar um bom café da manhã, ao menos uma fruta, um carbo e uma proteína. É atender os meus pacientes e ir treinar na academia no horário de herdeira. É voltar para a casa à tarde e estudar, ler algo não acadêmico, talvez assistir um filme e trabalhar um pouco mais na parte técnica da clinica, formular os casos, pensar nos pacientes, elaborar os próximos passos. É chegar à noite e desacelerar ao lado de uma pessoa querida, jogar conversa fora, ficar juntos, talvez assistindo, talvez se abraçando, talvez apenas em silêncio. É acordar e querer acordar e não só "vencer mais um dia". É ter uma viagem programada ao menos uma vez ao ano. É ter segurança financeira e vivenciar o que Baco diz: "Nenhum de nós aqui vai morrer pobre, sem medo da morte". É proporcionar experiencias boas para quem eu amo, um jantar com a minha mãe em um restaurante onde a gente pede a entrada, o prato principal e a sobremesa. É o QUERER estar nessa vida, mesmo esbarrando com "ela", mesmo sabendo que "ela" faz parte de mim. É ter ao menos a desconfiança de que eu CONSIGO.

Mas enquanto eu escrevo isso, eu não acredito em nada disso. Eu não acredito que eu consiga viver essa vida descrita, pois "ela" pesa e o peso, às vezes, é insuportável. Como hoje.

a gente nunca sai inteiro de nada

sempre fica uns pedaços da gente espalhados pelo caminho.

Às vezes, eu tenho uma leve sensação de que a sua vida seria melhor sem mim.

Eu desisto de você, Nathália.

Obrigada por tudo.

Foi um imenso prazer.

Mas não compensa.

Porque o prazer foi todo meu.

Pra você, eu fui só mais uma pessoa.

A tal da "irmã".

Não lembro de aprender a descartar pessoas,

Piorou família.

Passei o ano evitando voltar os pensamentos para esse local, mas gatilhos não carregam esse nome atoa. São pequenas grandes armadilhas espalhadas pelo caminho que nos prendem sem que percebamos até estarmos sufocados e indefesos. Foi isso que me ocorreu hoje. Um gatilho, lendo um livro, quem diria. Quem imaginaria que eu revisitaria todas as dúvidas que tenho me esforçado tanto para esquecer. Um dia, eu serei pedida em casamento por você? Um dia eu experimentarei a sensação de surpresa e empolgação? Um dia iremos discutir sobre a disposições dos móveis e a cor das paredes? Um dia irei olhar para meu anelar e sorrir por causa da aliança? Um dia eu serei sua esposa e você meu marido? Esse dia irá existir?

QRcode

Nesse exato momento em que vós escrevo, estou entrando em contato com algo que, desde sempre, foi o meu grande desafio enquanto pequena escritora. Escrever em momentos felizes e genuínos. A escrita, para mim, sempre foi sinônimo de fuga, desague, turbulência, emaranhado. Apenas. Por muito tempo. Mas, hoje, depois de ter feito o meu primeiro check in em um vôo, no auge dos meus 25 anos, para a minha primeira viagem que simboliza inúmeras primeiras coisas, me sinto pronta para começar a escrever. Sobre o que? Sobre tudo. Sobre o mundo. Sobre imensidões.

E em um processo longo, doloroso, solitário e extraordinário, noto o quão belo e aterrorizante é estar vivo. Pois hoje, justamente hoje, após a fixa cair em formato de QRcode diante de um clique, noto que estou prestes a dar um passo que eu desejava desde muito nova. Desde muito cedo. Desde muito tempo.

Talvez nesse ponto, só quem compartilha comigo o tom da minha pele compreenda com intensidade o que falo. Quando se cresce sendo quem se é, no país e mundo em que se vive, fazer o check in em um vôo e bancar integralmente a sua própria viagem significa algo que não encontro outra palavra se não extraordinário para descrever. Estar diante dessa viagem é extraordinário para mim, para os meus, para aqueles que sei que me olham e sentem algum tipo de identificação, admiração. E olha que sou tão pequena, tão pequena. .

O ponto é, aqui estou, chorando e escrevendo, um processo que me acompanha desde sempre e, dessa vez, o choro é de um sentimento pouco explorado. Satisfação, orgulho, empolgação, motivação, admiração, expectativa, curiosidade, vontade, carinho, acolhimento e compaixão. E eu, sentir tudo isso por mim mesma, me mostra o quanto que tem valido a pena não desistir de tentar ser a pessoa e viver a vida que mais faz sentido para mim.

Espero que esse QRcode seja o primeiro de muito e que eu tenha aberto a primeira de infinitas portas de possibilidades dentro dessa pequena vida.

Estou grata.

10.11.2023.

Como é difícil ter apoio emocional.

E você lida bem com o fato de não ter "amigos" até o momento em que você precisa de um.

Até o momento em que você está esperando metrô e pensa "eu poderia ultrapassar a faixa amarela".

Até o momento em que você precisa se concentrar com muita força para não desabar num local público e chamar atenção.

Até o momento em que você tenta lembrar para quem ligaria caso sua crise de ansiedade saísse do controle.

Até o momento em que você sente que não tem um lugar para onde possa fugir.

Até que isso aconteça, não ter amigos é tranquilo.

by 十分之一